— Você não é tão burra assim. — Zombou Sílvio com desdém.Lúcia finalmente entendeu o que estava acontecendo. Seus braços, pendurados na árvore seca, já estavam completamente dormentes, sem qualquer sensação. Com um sorriso amargo, ela murmurou:— Agora você acredita, não é? Sílvio nunca mudaria suas decisões por minha causa.— E o que eu tenho a ver com esse problema da carga? Por que eu tenho que pagar por isso? Vocês me usaram como bode expiatório! Me fizeram de idiota! Esses dias fiquei correndo pra lá e pra cá, entregando coisas, pedindo favores, e vocês me trataram como uma palhaça! Acham que eu não tenho limites? — A gerente de contas explodiu, furiosa.Ela pegou o facão novamente do chão e começou a golpear a árvore com mais força:— Morram! Todos vocês! Ninguém vai sobreviver!Ela já estava condenada, e ninguém mais teria o direito de viver!O galho da árvore seca rangia a cada golpe, e o ramo no qual Lúcia estava pendurada balançava perigosamente, prestes a ceder.— Pare com
A risada insana da mulher, como um som diabólico, perfurava os ouvidos de Lúcia.Antes que ela pudesse reagir, o galho seco no qual suas mãos estavam presas de repente ficou mais leve.Ela sentiu seu corpo despencar, como uma borboleta com as asas quebradas, caindo rapidamente em direção ao vento gelado e aos grandes flocos de neve que dançavam no ar.Mas, por incrível que pareça, Lúcia não sentia medo, nem pavor, muito menos desespero. Ao encarar a morte de frente, uma estranha calma tomou conta dela...“Papai, mamãe... Será que vocês estão vendo como é difícil para mim aqui na Terra? Será que é assim que querem me levar com vocês?”Ao pensar que logo estaria no céu, reunida com seus pais, um leve sorriso de paz surgiu em seus lábios.De repente, seu corpo parou de cair. Ela não sentiu mais o vazio da queda, e ao olhar para baixo, viu o abismo profundo, impossível de enxergar o fundo.Com uma leve desconfiança, levantou os olhos. Foi então que percebeu que seus pulsos, amarrados por u
— Durante este ano, você não me ligou uma única vez, Sílvio. Você me bloqueou no WhatsApp, não mandou sequer uma mensagem. No nosso aniversário de casamento, você não apareceu. Quando meu pai sofreu um acidente de carro e precisávamos de dinheiro para a cirurgia, fiquei do lado de fora da sala de operação, esperando desesperadamente que você nos ajudasse. Mas você nos deixou à própria sorte, assistindo de longe enquanto eu e minha mãe chorávamos de dor. Você disse que é órfão, que meu pai não era seu pai, e que isso não era problema seu.— E eu... Eu fui até o Bairro das Árvores sozinha, para tentar descobrir a verdade sobre a morte dos seus pais. Eu queria limpar o nome do meu pai, provar que ele não era o assassino, que ele não os matou. Achei que, se eu fizesse isso, poderíamos voltar a ser o que éramos antes. Mas fui muito ingênua, não? Você sabe o que eu passei no caminho? Não, você não sabe. Você não faz ideia. Naquela ponte quebrada, Olga tentou me matar com um carro velho. A ne
Assim que Lúcia terminou de falar, viu o pânico nos olhos de Sílvio.Que irônico... Ele também sabia se desesperar.Lúcia sorriu para ele, como havia sorrido na primeira vez em que se encontraram, durante a recepção dos calouros na faculdade, com aquele sorriso radiante e cheio de vida.Era a primeira vez, em um ano, que Lúcia sorria para Sílvio de forma tão despreocupada.— Solta. Me deixa ir, para que eu possa me reunir com meus pais no céu.Sílvio sempre quis ver Lúcia sorrir assim para ele, porque já fazia muito tempo que ela não o fazia. Sempre que falavam, ela lançava palavras afiadas como facas.Mas vê-la sorrir desse jeito agora, com essa serenidade, só o fez sentir um desespero crescente.— Lúcia, para de drama! Não é hora de fazer cena! A gente volta pra casa e aí você faz o escândalo que quiser!Lúcia, naquele momento, parecia uma flor murcha prestes a cair no chão. Não havia mais vida em seus olhos.Sílvio sentiu o pânico crescer em seu peito e puxou a corda com mais força.
Ao ouvir Lúcia falando como se estivesse se despedindo da vida, Sílvio ficou ainda mais irritado:— Lúcia, você pode calar a boca por um segundo?Ela estava prestes a morrer, tinha a chance de dizer suas últimas palavras, mas ele não conseguia ter paciência para ouvi-las.Mas logo não haveria mais som algum. Em breve, ela ficaria em silêncio para sempre, e ele nunca mais teria que se incomodar com sua voz.“Sílvio... A partir de agora, você vai querer me ouvir, mas eu já não estarei mais aqui.”Lúcia sorriu, mas era um sorriso amargo, carregado de tristeza:— Se você ainda tem algum respeito pelo que fomos, enterre-me junto com meus pais. Quero reencontrá-los. Não me deixe longe deles, senão eu não vou conseguir achá-los.— Lúcia, eu mandei você calar a boca! Agora não é hora de drama! Sim, seus pais morreram, mas os meus também! Você só está passando pelo que eu já passei! O que você quer, agir como seu pai? Quando algo dá errado, a solução é morrer? Se eu pensasse como você, teria me
A gerente caiu na gargalhada, uma risada que fazia ecoar pela montanha coberta de neve:— Mortos! Todos mortos! Todos eles! Que morram mesmo! Sob essa neve branca, limpos, sem deixar rastros! Não sobrou ninguém!Diziam que a alegria em excesso trazia desgraça. As pessoas que a feriram estavam mortas, e ela deveria estar feliz com isso.Mas, enquanto ria, uma tristeza profunda a tomou. Seu nariz, vermelho e ardido pelo frio, começou a escorrer, e lágrimas quentes encheram seus olhos. A dor na garganta explodiu, e as lágrimas desceram, desenhando caminhos molhados por suas bochechas congeladas.A gerente, derrotada, tombou sobre a neve. Suas mãos e pés estavam amarrados tão firmemente que ela mal conseguia se mover, muito menos levantar.O vento cortante era como lâminas afiadas. A neve caía pesada, como agulhas, ferindo seu rosto coberto de lágrimas.— Mortos. Todos mortos. Eu matei... Matei... Não vou escapar também... — Ela murmurou, com um sorriso vazio de desespero.Ela sabia que nã
Lúcia sentiu a barra de sua roupa ser levantada repentinamente pelo vento.Ela olhou para Sílvio. Ele ainda era o homem bonito que conheceu, só que agora sem a inocência de antes, mais maduro.Quem diria que ela morreria ao lado do homem que tantas vezes desejou sua morte?O vento da montanha soprava forte, e a sensação de sufocamento aumentava a cada segundo.De repente, Lúcia lembrou-se do dia em que, na faculdade, como presidente do grêmio estudantil, estava encarregada de receber os calouros. Sua amiga Giovana a havia levado, no meio de uma multidão de estudantes, até Sílvio.Ela ergueu os olhos e o viu vestindo uma jaqueta jeans desbotada, fina demais para o inverno rigoroso daquele dia. Estava nevando, e Lúcia, mesmo usando um casaco grosso, sentia frio. Mas ele, com aquela roupa leve, parecia não se importar.O olhar que trocaram não foi amistoso. Ele franziu a testa, sem demonstrar o menor interesse em agradá-la. Era a primeira vez que Lúcia via um homem agir assim com ela, e i
Assim que Lúcia caiu na água, Sílvio mergulhou logo atrás.As feridas em suas mãos mal tinham começado a cicatrizar, e a água gelada e cortante invadiu os cortes com a força de mil facas, fazendo Sílvio cerrar os dentes de dor.Ele nadou até Lúcia, cujos longos cabelos negros, como tinta espalhada, flutuavam na água profunda, lentamente se abrindo como algas misteriosas.Seus braços estavam soltos, como se ela estivesse esperando a chegada da morte.Antes que Lúcia pudesse reagir, sentiu seu braço ser puxado por uma mão firme, calejada. Seu corpo inteiro foi arrastado e pressionado contra um peito forte e quente, como uma parede de aço, encaixando-se perfeitamente.Ela tentou falar, mas a água gelada se infiltrou em sua boca, garganta e pulmões, fazendo-a engasgar violentamente.Seus olhos começaram a pesar, sua visão ficou turva e duplicada. Ela mal conseguia distinguir o homem à sua frente. Uma hora era o rosto de Sílvio, e na outra, parecia o jovem Abelardo.Ela piscou, tentando enx