LeonardoCheguei em casa quase onze horas da noite, depois do meu encontro com Jéssica, deixei ela no lugar de sempre e fui para minha casa. Meu celular com várias chamadas perdidas da minha mãe, certeza de que dona Soraia me esperava acordada. Meu pai já deveria ter contado a boa notícia do convite para integrar a secretaria de saúde. Nunca pensei em me envolver com política ou algo do tipo por não me ligar muito nesses assuntos — queria mesmo ajudar aqueles que necessitavam e nada, além disso. Mas um convite tentador onde eu poderia ter um cargo maior do que na comunidade… Mal entrei em casa e dou de cara com mamãe no sofá sentada bebendo seu chá e meu pai ao lado dela. Pelo jeito, os dois decidiram me esperar acordados para que eu contasse minha decisão.— Filho até que enfim que voltou — meus pais se levantam e sou abraçado pelos dois recebendo os parabéns pela decisão e possível novo cargo.— Parabéns, Leonardo, não sabe como me alegro ao saber que aceitou o convite do Marcelo. S
JéssicaAo chegar em casa encontrei tudo em silêncio. Graças a Deus que minha tia com certeza estaria no pagode e poderia dormir em paz sem ter que ouvir o sermão da madrugada. Entrei no meu quarto, despindo minha roupa, pegando uma camisola de algodão e indo se deitar na cama. Larguei a bolsa em cima da minha penteadeira e deitada pensava na noite com Leonardo. Transamos como dois loucos no quarto de hotel, foi tudo intenso como sempre, mas no final era como se fosse uma despedida entre nós dois. Não consegui falar sobre a proposta da mãe dele, me calei ao ouvir ele contando que não pensava em casamento, não agora e que existia uma mulher que ele amava, mas que não era correspondido. Me confessou que antes de se relacionar comigo, existia outra mulher mais velha e amiga de longa data. Tudo que o Leonardo me contou essa noite, só me deixou, convencida que o nosso fim estava mais perto do que eu pensava. Por que ele contaria tudo isso para mim se não fosse para acabar tudo muito em bre
LeonardoDona Zélia me contava feliz sobre a vida no interior, a volta para a casa da neta e como a saúde andava perfeita e nem mesmo as dores de cabeça sentia.—Fico feliz que minha querida paciente anda se cuidando e tomando a medicação na hora certa — respondo ao aferir a pressão dela.—Filho, para que minha felicidade se complete eu quero apenas um bisneto pra segurar no colo.Me diz sem esconder a felicidade, porém eu respondo que Viviane é muito jovem ainda para ser mãe.A consulta é interrompida ao ouvir um grito vindo do lado de fora, peço para que ela permaneça sentada e saio do consultório apressado. Dou de cara com Viviane chorando desesperada enquanto Sofia tentava segurar a garota ao mesmo tempo que falava ao celular.—O que tá acontecendo aqui? Pergunto sem entender a situação. Pacientes cochichavam entre si, as funcionárias não sabiam o que fazer e Viviane chorava sem parar. Vou até ela a trazendo para meu peito tentando acalmá-la. Dona Zélia surge na recepção e tenta a
VivianeSozinha no banheiro, processava tudo ao mesmo tempo que segurava o choro. No consultório vovó, Sofia e Leonardo me aguardavam para sair. Perder e ganhar no mesmo dia era algo que jamais imaginava que aconteceria na minha vida. Sentada na tampa do vaso, passando a mão em meu rosto limpando minhas lágrimas. Depois que o Leonardo me levou para o consultório dele, para que me acalmasse e contei a ele sobre minha desconfiança, a Sofia apareceu com vovó ao lado e o resultado do exame de gravidez que havia colhido. Estava grávida do homem que eu perdi naquele dia — esperava um filho que nunca conheceria o pai e assim seria órfão. Como criaria uma criança sem o Pedro ao meu lado? Como cuidaria de um ser humano quando eu nem mesmo sabia lidar sozinha com minha vida — não era verdade a morte dele, dentro de mim algo me dizia que não passava de um engano é isso. Lucas com certeza estava errado e era o Pedro que iria aparecer daqui uns dias com seu sorriso, seu cheiro, tudo seu que apenas
LeonardoDepois que deixei Viviane em casa com a avó e Sofia eu voltei para a clínica. Todas as consultas do dia foram canceladas e uma confusão por conta da morte do Pedro. Dirigindo pelas ruas da comunidade as pessoas em frente às suas casas, senhoras de idade chorando e até as crianças. Era um amontoado de pessoas por todos os lugares. Pela primeira vez eu entendi a real importância que o homem tinha ali para com todos os moradores. Estacionei na porta da clínica, descendo do meu carro e entrando direto para o meu consultório. Me trancaria ali dentro para pensar com clareza e calma. Sentei-me em minha poltrona, passando a mão pelo rosto em total sinal de nervosismos. A morte de forma trágica desse homem era difícil demais de acreditar e aceitar. Ele que tanto se gabava de ser tão esperto morrer desse jeito? Meu celular vibra no bolso do meu terno, pego o aparelho vendo o nome do Marcelo no visor. Pelo que vejo as notícias ruins chegam rápido até mesmo aos ouvidos do governador.—Le
JéssicaNinguém nesse mundo está preparado para a morte. Seja ela de um familiar, amigo, companheiro ou apenas conhecido. A morte aproxima as pessoas da mesma dor e tristeza. Em todos esses anos vivendo com tia Maria, nunca a vi tão arrasada pela perda de alguém que nem família era. A morte do Pedro não deixou apenas minha tia abalada e sim todas as pessoas que o conheceram e conviveram com o Pedro por tantos anos. Ele não foi apenas o filho único do antigo chefe de Estrela Guia. Ele era amigo, protetor de muitos ali e a partida dele pegou a todos de surpresa. Esperava titia para juntas irmos até o velório que infelizmente seria com caixão lacrado e apenas uma pequena despedida para que todos pudessem dar o adeus para ele. Não encontrei o Leonardo nem mesmo falei com ele durante os dias que se passaram e tentaria conversar durante a cerimônia. Era estranho saber que não me encontraria, mas com o Pedro andando pelas ruas da comunidade. Usando seu jeans e suas camisetas, ou quando ele s
VivianeO momento em que o padre e o pastor falam sobre a morte e encerram o discurso sobre a morte é quando me dou conta que no momento que aquele caixão descer aquela sepultura, o homem que fez parte da minha vida e pai do meu filho realmente partiu.Estamos no cemitério para o enterro e o lugar estava tomado por moradores, conhecidos e de longe eu vi o seu Neto ao lado de um outro homem mais velho que o Pedro. Os dois conversavam sem tirar os olhos de mim e mesmo fingindo que não prestava atenção eu sabia que era sobre mim que eles falavam. Certeza de que estavam curiosos como eu viveria sem o Pedro agora. Não apenas aqueles dois como todos de Estrela Guia. Nem todo mundo respeita a dor e o luto das pessoas. Fofocas sobre mim já corriam pelas ruas e Vitória precisou se controlar por várias vezes. Tinha consciência que falariam pelas costas da presença do Leonardo ao meu lado. Ele estava sendo um amigo no momento mais difícil da minha vida.De pé em frente a sepultura, controlava me
SoraiaEsperava a chegada da cafetina, enquanto bebia meu chá aguardava a vinda daquela mulher. A tia da tal Jéssica me ligou na noite anterior, avisando que daria o seu preço e claro ela pediu o valor que eu já imaginava. O cheque com o valor combinado, a documentação da casa em um bairro bem distante da favela e a documentação seria passada para o nome da garota depois que a tia assinasse tudo que eu mandasse. Sem procurar meu filho, sem ter contato com Leonardo, as duas iriam desaparecer da favela assim que o dinheiro fosse descontado da minha conta. E isso significava imediatamente.Vi quando Maria entrou no restaurante usando os trapos que ela achava ser roupa. Ao lado, uma garota de uns 25 anos, jovem demais para Leonardo, mas bonita demais para tentar qualquer homem de sangue quente.Ao ver as duas se aproximando, Jéssica de cabeça baixa e a tia com seu sorriso triunfante no rosto.— Boa tarde, dona Soraia!Maria diz assim que se senta à minha frente e a sobrinha permanece cala