LeonardoDona Zélia me contava feliz sobre a vida no interior, a volta para a casa da neta e como a saúde andava perfeita e nem mesmo as dores de cabeça sentia.—Fico feliz que minha querida paciente anda se cuidando e tomando a medicação na hora certa — respondo ao aferir a pressão dela.—Filho, para que minha felicidade se complete eu quero apenas um bisneto pra segurar no colo.Me diz sem esconder a felicidade, porém eu respondo que Viviane é muito jovem ainda para ser mãe.A consulta é interrompida ao ouvir um grito vindo do lado de fora, peço para que ela permaneça sentada e saio do consultório apressado. Dou de cara com Viviane chorando desesperada enquanto Sofia tentava segurar a garota ao mesmo tempo que falava ao celular.—O que tá acontecendo aqui? Pergunto sem entender a situação. Pacientes cochichavam entre si, as funcionárias não sabiam o que fazer e Viviane chorava sem parar. Vou até ela a trazendo para meu peito tentando acalmá-la. Dona Zélia surge na recepção e tenta a
VivianeSozinha no banheiro, processava tudo ao mesmo tempo que segurava o choro. No consultório vovó, Sofia e Leonardo me aguardavam para sair. Perder e ganhar no mesmo dia era algo que jamais imaginava que aconteceria na minha vida. Sentada na tampa do vaso, passando a mão em meu rosto limpando minhas lágrimas. Depois que o Leonardo me levou para o consultório dele, para que me acalmasse e contei a ele sobre minha desconfiança, a Sofia apareceu com vovó ao lado e o resultado do exame de gravidez que havia colhido. Estava grávida do homem que eu perdi naquele dia — esperava um filho que nunca conheceria o pai e assim seria órfão. Como criaria uma criança sem o Pedro ao meu lado? Como cuidaria de um ser humano quando eu nem mesmo sabia lidar sozinha com minha vida — não era verdade a morte dele, dentro de mim algo me dizia que não passava de um engano é isso. Lucas com certeza estava errado e era o Pedro que iria aparecer daqui uns dias com seu sorriso, seu cheiro, tudo seu que apenas
LeonardoDepois que deixei Viviane em casa com a avó e Sofia eu voltei para a clínica. Todas as consultas do dia foram canceladas e uma confusão por conta da morte do Pedro. Dirigindo pelas ruas da comunidade as pessoas em frente às suas casas, senhoras de idade chorando e até as crianças. Era um amontoado de pessoas por todos os lugares. Pela primeira vez eu entendi a real importância que o homem tinha ali para com todos os moradores. Estacionei na porta da clínica, descendo do meu carro e entrando direto para o meu consultório. Me trancaria ali dentro para pensar com clareza e calma. Sentei-me em minha poltrona, passando a mão pelo rosto em total sinal de nervosismos. A morte de forma trágica desse homem era difícil demais de acreditar e aceitar. Ele que tanto se gabava de ser tão esperto morrer desse jeito? Meu celular vibra no bolso do meu terno, pego o aparelho vendo o nome do Marcelo no visor. Pelo que vejo as notícias ruins chegam rápido até mesmo aos ouvidos do governador.—Le
JéssicaNinguém nesse mundo está preparado para a morte. Seja ela de um familiar, amigo, companheiro ou apenas conhecido. A morte aproxima as pessoas da mesma dor e tristeza. Em todos esses anos vivendo com tia Maria, nunca a vi tão arrasada pela perda de alguém que nem família era. A morte do Pedro não deixou apenas minha tia abalada e sim todas as pessoas que o conheceram e conviveram com o Pedro por tantos anos. Ele não foi apenas o filho único do antigo chefe de Estrela Guia. Ele era amigo, protetor de muitos ali e a partida dele pegou a todos de surpresa. Esperava titia para juntas irmos até o velório que infelizmente seria com caixão lacrado e apenas uma pequena despedida para que todos pudessem dar o adeus para ele. Não encontrei o Leonardo nem mesmo falei com ele durante os dias que se passaram e tentaria conversar durante a cerimônia. Era estranho saber que não me encontraria, mas com o Pedro andando pelas ruas da comunidade. Usando seu jeans e suas camisetas, ou quando ele s
VivianeO momento em que o padre e o pastor falam sobre a morte e encerram o discurso sobre a morte é quando me dou conta que no momento que aquele caixão descer aquela sepultura, o homem que fez parte da minha vida e pai do meu filho realmente partiu.Estamos no cemitério para o enterro e o lugar estava tomado por moradores, conhecidos e de longe eu vi o seu Neto ao lado de um outro homem mais velho que o Pedro. Os dois conversavam sem tirar os olhos de mim e mesmo fingindo que não prestava atenção eu sabia que era sobre mim que eles falavam. Certeza de que estavam curiosos como eu viveria sem o Pedro agora. Não apenas aqueles dois como todos de Estrela Guia. Nem todo mundo respeita a dor e o luto das pessoas. Fofocas sobre mim já corriam pelas ruas e Vitória precisou se controlar por várias vezes. Tinha consciência que falariam pelas costas da presença do Leonardo ao meu lado. Ele estava sendo um amigo no momento mais difícil da minha vida.De pé em frente a sepultura, controlava me
SoraiaEsperava a chegada da cafetina, enquanto bebia meu chá aguardava a vinda daquela mulher. A tia da tal Jéssica me ligou na noite anterior, avisando que daria o seu preço e claro ela pediu o valor que eu já imaginava. O cheque com o valor combinado, a documentação da casa em um bairro bem distante da favela e a documentação seria passada para o nome da garota depois que a tia assinasse tudo que eu mandasse. Sem procurar meu filho, sem ter contato com Leonardo, as duas iriam desaparecer da favela assim que o dinheiro fosse descontado da minha conta. E isso significava imediatamente.Vi quando Maria entrou no restaurante usando os trapos que ela achava ser roupa. Ao lado, uma garota de uns 25 anos, jovem demais para Leonardo, mas bonita demais para tentar qualquer homem de sangue quente.Ao ver as duas se aproximando, Jéssica de cabeça baixa e a tia com seu sorriso triunfante no rosto.— Boa tarde, dona Soraia!Maria diz assim que se senta à minha frente e a sobrinha permanece cala
VivianeVovó foi para a missa, eu estava sozinha em casa sentada no sofá da sala. Passava um pouco das 7 da noite e a dona Noca havia convidado vovó para dormir na casa dela e acabei deixando. Era a noite do meu aniversário, completei 19 anos tendo um dia como qualquer outro. Pela manhã vovó me ajudou com o almoço e Cris preparou a massa dos bolos que seriam entregues à tarde. Dei graças a Deus que dona Noca chamou vovó para ficar com ela, assim poderia ter a casa somente para mim.A televisão ligada em um canal qualquer enquanto eu pensava em tudo que aconteceu nos últimos dias. Pedro havia sido enterrado há 5 dias. Recordar que àquela hora da noite nós dois estaríamos comemorando meu aniversário, ele teria preparado uma surpresa. Felizes faríamos planos quando ele me entregasse o anel. Depois que encontrei o anel de noivado no cofre do Pedro, mantive a caixinha guardada nas minhas coisas. Sem coragem para usar e lembrar dele. A memória dele estava por cada canto daquela casa. Na coz
JéssicaAproveitava a noite no bar do seu Manoel, titia saiu com algumas amigas e como não queria ficar sozinha em casa decidi me distrair um pouco. Depois do encontro com a mãe do Leonardo, ele sumiu, sem atender minhas ligações ou responder minhas mensagens. Sentia que a mãe havia feito minha caveira para ele, com certeza mentindo que eu quis aceitar o dinheiro, que fui atrás de tudo e no final eu era a golpista que queria se dar bem às custas de um homem com dinheiro e importante como o Leonardo. O exame de gravidez negativo como eu esperava, eu tendo que suportar as reclamações da tia Maria, porque para ela o dinheiro e a casa não eram suficientes. Titia queria muito mais do que ela havia recebido. O som tocando um pagode qualquer, moradores comentando sobre a morte do Pedro e eu apenas ouvia calada, bebendo minha cerveja sem pensar em nada além de mim mesma. Nos últimos meses tantas coisas aconteceram na minha vida, perdas, alegrias, tristezas e decepções. Mas o que eu poderia es