Ágata
Já faz algumas semanas que deixei meu pai sozinho e vim para a cidade grande, morar com a minha tia. Ela tem um pequeno Bufê e vim para ajudá-la e, se tudo der certo, fazer a minha tão sonhada faculdade.
Nasci numa cidadezinha do interior, meus pais eram caseiros em numa fazenda e, depois de um tempo com a morte do proprietário, as terras foram divididas e meus pais ganharam um pedacinho da terra e uma cabeça de gado pelos serviços prestados. Tínhamos uma pequena plantação, isso era nosso sustento. Quando tinha oito anos, minha mãe engravidou novamente e ganhei um irmão. Aurélio era lindo, um menino de ouro. Crescemos sem luxo, mas nunca nos faltou amor, éramos muito unidos, até que um dia vimos nossa família desmoronar...
Meu pai e eu tínhamos ido à cidade comprar alguns mantimentos que estavam faltando, era o dia do nosso piquenique na beira do lago, estava ansiosa, pois isso era nossa maior diversão, após fazer todas as compras, fomos embora num carro velho do meu pai.
Meu maior sonho era terminar os estudos na cidade grande, onde minha tia Márcia — irmã de meu pai — morava e ser promotora de eventos. Na escola sempre ajudava as professoras nas organizações das festas, queria muito ajudar meus pais e sabia que se realizasse esse meio sonho poderia até melhorar nossa casa e, quem sabe, comprar mais alguns animais.
Quando estávamos chegando em casa, o desespero foi tomando conta de mim, de longe vimos altas labaredas e nosso pesadelo começou, nossos vizinhos tentavam — em vão — apagar o fogo que já tinha tomado a casa toda. Tentamos entrar para salvar minha mãe e meu irmão, mas fomos impedidos. A casa era feita de madeira e podia desabar tudo.
E foi nesse dia que perdi a vontade de viver, eu sobrevivi para dar apoio ao meu pai, desisti de todos os meus sonhos, não poderia deixá-lo sozinho. Com muito esforço e ajuda dos nossos vizinhos, conseguimos construir uma pequena casa, com dois quartos, cozinha e banheiro.
Tia Márcia veio ficar conosco alguns dias e queria que eu voltasse com ela para estudar, mas não quis. Terminei meus estudos ali mesmo e disse que nunca mais sairia da fazenda. Algum tempo depois, meu pai foi taxativo e quase me expulsou de casa, não queria que desistisse dos meus sonhos por causa dele, e depois de muita discussão e anos tentando me convencer, resolvi me mudar. Cinco anos após a morte da minha mãe e de meu irmão... Aqui estou eu.
Hoje tenho uma festa para animar, gosto de quando fazemos festas infantis, me divirto muito com as crianças. Estou muito animada, meu coração diz que a partir de agora muita coisa vai mudar em minha vida.
****
A festa está muito animada, as crianças não ficam um minuto sem entrar no brinquedo que estou tomando conta, fui avisada de que um dos convidados irá fazer uma apresentação para entreter os baixinhos e que depois disso posso entregar uma sacolinha com doces e alguns apetrechos para que eles brinquem.
Acho muito engraçado o rapaz dançando e somente quando ele se aproxima de mim, para me ajudar com as sacolinhas, é que reparo como ele é lindo. Mas totalmente proibido para você — minha consciência grita e, com certeza, homens como ele, nunca se interessariam por mulheres como eu.
Trocamos algumas palavras, antes que ele se despeça e vá embora, volto para o meu trabalho e não o vejo mais, foi só mais um homem bonito que apreciei e que nunca mais verei.
****
Alguns meses depois...
Estou vivendo um sonho!
Se alguém me disse que apenas quatro meses após eu ter me mudado para a cidade, eu estaria trabalhando na organização de um dos maiores e mais badalados eventos da sociedade local e ainda seria sócia de uma empresa de organização de eventos, internaria a pessoa na hora, pois certamente ela estaria louca!
Até quinze dias atrás, tudo isso parecia um sonho, até que Deus resolveu mandar um anjo para me guiar, de repente, tudo virou realidade. Além de sermos contratadas para o evento, Luana se encantou tanto com nosso projeto que nos ofereceu sociedade.
Nosso primeiro grande evento foi um sucesso, tirando o pequeno acidente com a bandeja de taças...
“Estou perdida em pensamentos, quando escorrego em uma poça de água e vejo tudo em câmera lenta... copos voando... bandeja... só sinto ser aparada por braços fortes... Quando levanto a cabeça para ver quem é meu salvador, vejo que é o cowboy da festa infantil de Ferraz, perco-me dentro daqueles olhos intensos... Saio do meu devaneio quando ouço alguém gritando perto de mim.— SUA DESGRAÇADA!!! OLHA O QUE VOCÊ FEZ COM MEU CABELO??? — ela grita com o dedo em meu rosto. — E VOCÊ, BETO? VAI FICAR AÍ PARADO? — Ela vira para ele, que me ajuda ficar de pé.
— Janaína, fala baixo! Olha o escândalo! Foi um acidente... — ele fala entredentes.
— ACIDENTE NADA... QUERO ESSA VAGABUNDA NO OLHO DA RUA!!! AGORA!!! — Não sei o que falar nem como agir, isso nunca aconteceu comigo.”
― Ágata, minha filha! — Minha tia invade meu quarto com um jornal na mão, me fazendo voltar à realidade. ― Você precisa ler isso, olha o que estão falando sobre o evento de ontem! ― Enquanto me ajeito na cama dando um lugar para ela se sentar, me entrega o jornal e fico nas alturas ao me ver na primeira capa do caderno de eventos da cidade, ao lado de Luana.
― Nossa! Tia, isso é maravilhoso! Nunca imaginei que iria ter tanta repercussão, quer dizer, sabia que a mídia ia cobrir o evento, mas uma página somente sobre o Bufê é incrível!!! ― digo, tendo a certeza de que tudo o que aconteceu não foi um sonho.
Minha tia está com lágrimas nos olhos, sei o quanto ela lutou para abrir o pequeno Bufê, mas também sei que sua maior felicidade é saber que vou conseguir realizar meus sonhos... Sonhos que viraram metas e estão prestes a se concretizarem.
― Meu anjo... Agora tudo vai dar certo! ― ela deixa as lágrimas caírem por seu rosto. ― Na próxima semana, vamos à universidade fazer sua matrícula. — Eu havia prestado vestibular assim que cheguei à cidade, consegui até mesmo uma bolsa de cinquenta por centro nas mensalidades, porém, não tinha o dinheiro da matrícula. ― Agora, levanta e vem tomar o café que preparei, merecemos um café com tudo o que temos direito, depois de tanto trabalho e de todo esse sucesso ― Me abraça apertado.
ÁgataSomos interrompidas pelo telefone tocando, minha tia vai atender e volta dizendo que é um pedido de orçamento. E esse foi o primeiro de muitos que recebemos, no final da tarde já estávamos com todos os sábados agendados pelos próximos dois meses, isso significa que estaremos ocupados nas festas de fim de ano, não poderei passar as festas com meu pai. O telefonema mais inesperado foi de um dos hotéis mais importantes da cidade, que queria nos contratar para sua festa de réveillon.Passo o final de semana fazendo orçamentos e, diferente dos outros que costumava fazer, esses eram imensos, pois a maioria das festas que pegamos era para o triplo de pessoas que estávamos acostumadas.Fico feliz, mas, ao mesmo tempo, preocupada, pois teremos que aumentar o nosso quadro de ajudantes, as pessoas que nos ajudavam nas festas possuem outro emprego durante a semana, e o Bufê é uma forma de terem um aumento na renda mensal e todos são muito competentes no que fazem.A semana passa rápido, min
Beto— Que lugar maravilhoso, filho! — meu pai diz assim que chegamos ao resort.— Lindo mesmo. As ondas aqui são ótimas, e o hotel é coisa de primeiro mundo. — Acabamos de chegar e estamos tirando nossas malas do carro, finalmente, depois de tanto tempo irei tirar dez dias de férias com meu velho.Chamamos a atenção de algumas mulheres que estão conversando na recepção do hotel, senhor Júlio foi pai novo e quem vê nós dois andando juntos, pensam que somos irmãos, inclusive, já enganamos muita gente assim, principalmente, as mulheres.— Bom dia, senhorita... — Já vai começar. Júlio e sua primeira vítima.— Cristiane, mas pode me chamar de Cris — Pisca para ele, flertando descaradamente.— Cris... Lindo nome para uma linda mulher. Reservas em nome de Júlio e Roberto Castro, por favor. — Ela só falta babar, quando meu pai repete o nome dela. Ele está debruçado em cima do balcão.— Suítes 403 e 404... — Sua voz soa sensualmente, a atendente olha fixo para meu pai, tenho que me segurar pa
BetoAcabamos por ficar o resto do dia na praia, alugamos um armário para guardar nossos pertences e ficamos à tarde toda nos revezando entre mergulhos, risadas e conversas sem importâncias no quiosque e, sem querer me gabar, sei que chamamos bastante atenção das mulheres que passam por ali.Já é fim de tarde, quando exaustos, resolvemos voltar para o hotel. Meu pai me avisa que vai jantar com Cris, a recepcionista, enquanto eu só queria a companhia da minha cama, e foi exatamente essa companhia que tive depois de um banho relaxante. Estou tão cansado que mal deito e já caio em um sono profundo.***Acordo com batidas insistentes na porta, levanto ainda cambaleando de sono.— JÁ VAI! — Nossa, que insistente. Será que o hotel tá pegando fogo?Abro a porta, pronto para matar quem esteja do outro lado, mas fico totalmente sem rumo e paralisado ao ver quem está em minha porta.— Olívia? — Arregalo os olhos, ficando totalmente desperto. — O que você está fazendo aqui? — Seus olhos vermelho
Beto— Mas ela não pode obrigar a você fazer uma coisa que não concorda! — Saber disso me deixa impaciente, pois sei que com dona Luísa tudo é possível.— Até parece que você não a conhece. Acredita que ela ainda teve a coragem de me dizer que vai fazer a lista dos convidados, e ainda me proibiu de convidar alguns amigos do colégio porque eles "não sabem se comportar em festa refinada" — imita a voz da nossa mãe. — Simplesmente porque são bolsistas, disse que não terão condições financeiras para alugar as roupas e não vão saber se comportar. Fico me perguntando como ela pode ser tão mesquinha. Como pude nascer dela... — É, pelo jeito, dona Luísa está colocando as garras para fora, mas parece que ela não vai conseguir manipular minha irmã.— E o que você quer? — coloco os cotovelos em cima da mesa curioso e posso afirmar que estou gostando de conhecer um pouco mais essa pirralha.— Na verdade, quero uma festa simples, nada de valsa e vestido longo. Quero guardar o dinheiro da festa par
Ágata― Vamos, tia, se a senhora continuar com essa moleza, vamos chegar ao sítio no Ano Novo! ― Nunca vi pessoa mais enrolada do que a dona Márcia para sair, parece que vamos ficar fora por meses e não apenas uma semana. Deixamos o senhor Joaquim, nosso vizinho, encarregado de ligar as luzes e pegar as correspondências, do jeito que anda a violência na cidade, não podemos facilitar de jeito nenhum. ― Esqueceu de que vamos num fusca e não em uma Ferrari?! ― Meu pai mora no interior, num pequeno sítio a duzentos e cinquenta quilômetros daqui.― Para quem não queria viajar, você está bem apressadinha, hein, Ág! ― minha tia diz, conferindo pela centésima vez, se as portas e janelas estão fechadas.— Quero chegar antes do almoço e fazer uma surpresa para o papai. ― Quando resolvemos passar o Natal no sítio, avisamos que iríamos chegar ao final da tarde, mas não estamos aguentando de saudade.Estou muito empolgada, é a primeira vez que vou dirigir durante a viagem. Meu pai, com muito sacri
ÁgataFizemos juntos o almoço, enquanto conto em detalhes de como está minha adaptação na cidade grande, minhas novas amizades, sobre o Bufê, as mudanças que aconteceram tão rápido e ver a felicidade e o orgulho em seus olhos quando falei sobre a faculdade, não tem preço...— Filha, sua mãe e seu irmão devem estar muito orgulhosos de você! — Seus olhos estão cheios de lágrimas, é assim toda vez que falamos sobre nossa família. — Tenho certeza de que estão fazendo a maior festa pelas suas conquistas.— Eu sei, pai... — Sento ao seu lado, o puxando para um abraço. — Sinto tanta falta deles...Ficamos um bom tempo em silêncio e, assim como eu, meu pai deve estar lembrando dos momentos que vivemos quando a nossa família ainda estava completa.— Pai... O Aurélio tá escovando os dentes do Gugu de novo!!! — gritei, enquanto meu irmão segurava firme a boca do Gugu e tentava escovar os dentes dele. Ele sempre fazia isso dizendo que o cachorro estava ficando com mau hálito.— Filho... Solta o G
ÁgataAo lado da árvore de Natal, as crianças estão montando o presépio, essa sempre foi a hora mais esperada por todas elas.Todos os anos escrevem seus nomes e colocam na meia do papai Noel, na árvore e quando é quase meia-noite, um dos adultos presentes vai até a árvore, pega a meia e retira um nome e essa é a criança escolhida para colocar o Menino Jesus na manjedoura, que está vazia agora.As mulheres vão para a cozinha e começam a preparar as comidas mais demoradas, e após deixar os assados no forno, começam a arrumar a mesa para o almoço com o prato de todos trouxeram, sempre que nos reunimos para as festas, fazemos as refeições comunitárias.Como senti falta dessa união! É uma das pequenas coisas que não encontramos na cidade grande, lá é cada um por si.O dia começa a se despedir e, com isso, uma noite linda chega, todos vão para suas casas se arrumar para a ceia, mas antes teremos uma celebração de Natal, meu pai faz questão de comparecer todos os anos na pequena capela que
ÁgataHoje pela manhã liguei para Luana, que contou sobre a festa no hotel, que foi um sucesso.Nunca vi papai tão animado, me desacostumei a dormir cedo e, o pior de todos, acordar cedo, e quando falo cedo, não estou falando seis ou sete da manhã e sim quatro da manhã! Horário em que muita gente da cidade está indo deitar, nós estamos acordando, e sete da noite já estou quebrada…E assim foi nossa rotina nesses dias em que ficamos por aqui, Malu vinha para cá quase todas as tardes, assim como dona Francisca, que sempre vinha nos trazer algo diferente e maravilhosamente saboroso. Tenho que concordar com minha tia, ela realmente quer conquistar não só meu pai, mas como todos nós, pelo estômago.Dona Francisca está viúva há dez anos e não tem filhos, era professora e, praticamente todos nós, passamos por sua sala de aula, sempre esteve ao nosso lado principalmente depois que tudo aconteceu.Em algum momento, desconfiei que ela nutria uma paixão secreta pelo meu pai e parece que ele tem