Beto
Acabamos por ficar o resto do dia na praia, alugamos um armário para guardar nossos pertences e ficamos à tarde toda nos revezando entre mergulhos, risadas e conversas sem importâncias no quiosque e, sem querer me gabar, sei que chamamos bastante atenção das mulheres que passam por ali.
Já é fim de tarde, quando exaustos, resolvemos voltar para o hotel. Meu pai me avisa que vai jantar com Cris, a recepcionista, enquanto eu só queria a companhia da minha cama, e foi exatamente essa companhia que tive depois de um banho relaxante. Estou tão cansado que mal deito e já caio em um sono profundo.
***
Acordo com batidas insistentes na porta, levanto ainda cambaleando de sono.
— JÁ VAI! — Nossa, que insistente. Será que o hotel tá pegando fogo?
Abro a porta, pronto para matar quem esteja do outro lado, mas fico totalmente sem rumo e paralisado ao ver quem está em minha porta.
— Olívia? — Arregalo os olhos, ficando totalmente desperto. — O que você está fazendo aqui? — Seus olhos vermelhos, deve ter chorado muito. — Entra. — Ela me olha, não acreditando muito no que estou falando, eu também estaria achando estranho se estivesse no lugar dela, nunca fomos próximos e nunca conversamos muito.
— Me desculpa — Olívia diz entrando em meu quarto. — Não queria atrapalhar seu descanso...
— Vamos fazer o seguinte, eu vou tomar um banho rápido e já volto pra gente conversar, ok? — Ela não diz nada. — Bem... fique à vontade — digo, também sem saber como continuar essa conversa.
Tomo um banho rápido e não consigo imaginar o motivo de Olívia ter aparecido por aqui. Ninguém, além de Orlando, sabe onde estou. Arrumo-me rapidamente e vou conversar com minha irmã.
MINHA IRMÃ.
Sei que ela é inocente e não deve pagar pelas atitudes da nossa mãe, mas é difícil olhar para ela e não lembrar que a traição só veio à tona quando ela engravidou de Olívia.
Quando retorno ao quarto, Olívia está sentada no mesmo lugar que a deixei, ela enxuga os olhos quando percebe a minha presença.
— Você já tomou café? — Ela nega com a cabeça. — Vou pedir para trazerem algo, enquanto conversamos. — Ligo e peço para me trazerem um café completo, não sei o que ela gosta de comer, então, peço um pouco de tudo suficiente para duas pessoas. Sento-me num sofá próximo e fico esperando com que ela comece.
— Beto... Mais uma vez, quero te pedir desculpas, mas não sabia a quem mais podia recorrer, e você... é meu único irmão.
— O que ela fez dessa vez? — Tenho certeza de que minha mãe deve ter aprontado algo, apesar de não ter muito contato com Olívia, não quero que ela passe o que passei e sei que minha mãe não tem um gênio muito fácil de se lidar.
— Bem... — Ela aperta as mãos, nervosa. — Você sabe que ano que vem faço quinze anos. — É difícil esquecer essa data, ela praticamente nasceu na mesma época que meus pais assinaram o divórcio. — Sei que você pouco se importa comigo ou com os meus sonhos... sempre me tratou com indiferença e... — Se levanta e começa a andar de um lado ao outro pelo quarto.
Somos interrompidos pelo serviço de quarto, que veio trazer nosso café. A copeira gentilmente organiza tudo na mesa e sinalizo para Olívia se sentar.
— Olívia... Me perdoa... Você sabe que é difícil pra mim, já conversamos so... — Não me deixa terminar.
— Eu sei que cada vez que olha para mim, lembra-se de tudo o que sofreu, mas, eu só quero poder conversar... Eu queria... queria poder ter meu irmão na minha vida. Contar pra ele meus sonhos, minhas conquistas... — Suas palavras fazem com que eu me sinta um lixo. É como se tivesse acabado de levar um soco no estômago.
— Vamos fazer assim, juro que vou tentar estar mais presente. — Ela abre um sorriso sincero. — Mas, não espere muito de mim. Eu posso te machucar muito.
— Obrigada. — Ela levanta me dando um abraço, e quase me derruba da cadeira. Fico sem reação diante de sua atitude, mas acabo retribuindo o abraço. Essa é a primeira vez que permito esse tipo de afeto, e posso até dizer que gostei do sentimento que surgiu em mim ao dar o primeiro abraço sincero em minha irmã. — Sei que você vai ser o melhor irmão do mundo. Você já é para mim, tenho orgulho de ser sua irmã — diz beijando meu rosto. — Trouxe um presente para você, espero que goste. — Ela vai até sua bolsa e tira um pequeno embrulho. — Não sabia o que comprar, mas acho que pode ser bastante útil.
Abro o embrulho e vejo uma linda caneta MontBlanc nas cores preta e dourada.
— É linda, Oli! Não precisava, deve ter sido muito cara.
— Economizei minhas mesadas e disse para mamãe que precisava comprar um vestido novo, você sabe como ela gosta de esbanjar e nem me questionou quando não apareci com nenhum vestido novo em casa. — Essa sua atitude já demonstra que ela é bem diferente da nossa mãe.
— O que está olhando? — Seus olhos estão cheios de lágrimas.
— Você... Você me chamou de Oli... — Não sei explicar o que estou sentindo, mas acho que a sua simplicidade está fazendo com que eu mude minhas atitudes.
— Bem... Vamos sentar para terminar o café. E você ainda não me explicou o que está fazendo e como chegou até aqui. — Ela senta novamente em seu lugar.
— Meus pais estão hospedados aqui também... — Quase engasgo com o que acabo de ouvir. — Chegamos agora há pouco e eu briguei com a mamãe. — Meu pai vai surtar quando souber que eles estão hospedados aqui. Já vi que nosso momento de tranquilidade deu errado. — Ela veio com a ideia de fazer uma festa de quinze anos para toda a sociedade.
— Mas esse não é o sonho de toda garota da sua idade? — pergunto levantando uma sobrancelha, lembrando-me da alegria de Alice em sua festa. Rodrigo e eu estávamos vestidos iguais a dois pinguins e fomos obrigados a dançar a famosa valsa com as meninas.
— Sim, mas eu desenho... E desde pequena meu sonho é fazer intercâmbio em Paris e fazer um curso de Moda, assim que terminar o ensino médio... — Ela suspira. — A mamãe disse que isso não dá dinheiro, que filha dela não nasceu para trabalhar e, ainda me disse, que tenho que me preocupar em conhecer os garotos da sociedade e arrumar um marido rico, que possa me sustentar... Eu não quero essa festa, quero estudar fora... E quando disse isso, ela surtou e quase me bateu quando a enfrentei... — Fico indignado ao saber, ela pode não ser o melhor exemplo de mãe, mas nunca levantou a mão para mim. — Eu fugi do quarto onde estava e a deixei lá, sozinha. Dei uma volta na praia e, foi aí, que me encontrei com um amigo seu, o Orlando. Ele que indicou o hotel para meu pai e hoje ele perguntou se já tinha encontrado com você, já que estávamos hospedados no mesmo lugar, foi quando voltei correndo e perguntei o número do seu quarto na recepção.
Beto— Mas ela não pode obrigar a você fazer uma coisa que não concorda! — Saber disso me deixa impaciente, pois sei que com dona Luísa tudo é possível.— Até parece que você não a conhece. Acredita que ela ainda teve a coragem de me dizer que vai fazer a lista dos convidados, e ainda me proibiu de convidar alguns amigos do colégio porque eles "não sabem se comportar em festa refinada" — imita a voz da nossa mãe. — Simplesmente porque são bolsistas, disse que não terão condições financeiras para alugar as roupas e não vão saber se comportar. Fico me perguntando como ela pode ser tão mesquinha. Como pude nascer dela... — É, pelo jeito, dona Luísa está colocando as garras para fora, mas parece que ela não vai conseguir manipular minha irmã.— E o que você quer? — coloco os cotovelos em cima da mesa curioso e posso afirmar que estou gostando de conhecer um pouco mais essa pirralha.— Na verdade, quero uma festa simples, nada de valsa e vestido longo. Quero guardar o dinheiro da festa par
Ágata― Vamos, tia, se a senhora continuar com essa moleza, vamos chegar ao sítio no Ano Novo! ― Nunca vi pessoa mais enrolada do que a dona Márcia para sair, parece que vamos ficar fora por meses e não apenas uma semana. Deixamos o senhor Joaquim, nosso vizinho, encarregado de ligar as luzes e pegar as correspondências, do jeito que anda a violência na cidade, não podemos facilitar de jeito nenhum. ― Esqueceu de que vamos num fusca e não em uma Ferrari?! ― Meu pai mora no interior, num pequeno sítio a duzentos e cinquenta quilômetros daqui.― Para quem não queria viajar, você está bem apressadinha, hein, Ág! ― minha tia diz, conferindo pela centésima vez, se as portas e janelas estão fechadas.— Quero chegar antes do almoço e fazer uma surpresa para o papai. ― Quando resolvemos passar o Natal no sítio, avisamos que iríamos chegar ao final da tarde, mas não estamos aguentando de saudade.Estou muito empolgada, é a primeira vez que vou dirigir durante a viagem. Meu pai, com muito sacri
ÁgataFizemos juntos o almoço, enquanto conto em detalhes de como está minha adaptação na cidade grande, minhas novas amizades, sobre o Bufê, as mudanças que aconteceram tão rápido e ver a felicidade e o orgulho em seus olhos quando falei sobre a faculdade, não tem preço...— Filha, sua mãe e seu irmão devem estar muito orgulhosos de você! — Seus olhos estão cheios de lágrimas, é assim toda vez que falamos sobre nossa família. — Tenho certeza de que estão fazendo a maior festa pelas suas conquistas.— Eu sei, pai... — Sento ao seu lado, o puxando para um abraço. — Sinto tanta falta deles...Ficamos um bom tempo em silêncio e, assim como eu, meu pai deve estar lembrando dos momentos que vivemos quando a nossa família ainda estava completa.— Pai... O Aurélio tá escovando os dentes do Gugu de novo!!! — gritei, enquanto meu irmão segurava firme a boca do Gugu e tentava escovar os dentes dele. Ele sempre fazia isso dizendo que o cachorro estava ficando com mau hálito.— Filho... Solta o G
ÁgataAo lado da árvore de Natal, as crianças estão montando o presépio, essa sempre foi a hora mais esperada por todas elas.Todos os anos escrevem seus nomes e colocam na meia do papai Noel, na árvore e quando é quase meia-noite, um dos adultos presentes vai até a árvore, pega a meia e retira um nome e essa é a criança escolhida para colocar o Menino Jesus na manjedoura, que está vazia agora.As mulheres vão para a cozinha e começam a preparar as comidas mais demoradas, e após deixar os assados no forno, começam a arrumar a mesa para o almoço com o prato de todos trouxeram, sempre que nos reunimos para as festas, fazemos as refeições comunitárias.Como senti falta dessa união! É uma das pequenas coisas que não encontramos na cidade grande, lá é cada um por si.O dia começa a se despedir e, com isso, uma noite linda chega, todos vão para suas casas se arrumar para a ceia, mas antes teremos uma celebração de Natal, meu pai faz questão de comparecer todos os anos na pequena capela que
ÁgataHoje pela manhã liguei para Luana, que contou sobre a festa no hotel, que foi um sucesso.Nunca vi papai tão animado, me desacostumei a dormir cedo e, o pior de todos, acordar cedo, e quando falo cedo, não estou falando seis ou sete da manhã e sim quatro da manhã! Horário em que muita gente da cidade está indo deitar, nós estamos acordando, e sete da noite já estou quebrada…E assim foi nossa rotina nesses dias em que ficamos por aqui, Malu vinha para cá quase todas as tardes, assim como dona Francisca, que sempre vinha nos trazer algo diferente e maravilhosamente saboroso. Tenho que concordar com minha tia, ela realmente quer conquistar não só meu pai, mas como todos nós, pelo estômago.Dona Francisca está viúva há dez anos e não tem filhos, era professora e, praticamente todos nós, passamos por sua sala de aula, sempre esteve ao nosso lado principalmente depois que tudo aconteceu.Em algum momento, desconfiei que ela nutria uma paixão secreta pelo meu pai e parece que ele tem
BetoNunca podia imaginar que depois de uma corrida maravilhosa, o destino nos passaria a perna, e nos levaria ao hospital, em vez de estarmos celebrando o noivado e a vitória de Rodrigo.Dia após dia fui vendo o sofrimento de todos ao nosso redor. Alice estava, assim como Luana, desesperada com a falta de respostas, a cirurgia havia sido um sucesso e, segundo os médicos, ele tinha que encontrar um motivo para sobreviver, e é nessa hora que minha ficha cai. Nós não somos nada e ainda ficamos brigando e não aceitamos aquelas pessoas que Deus colocou em nossas vidas, isso faz com que eu repense em minha relação com Olívia.Desde que voltei da praia, não estive com ela, nem ao menos liguei, e só de pensar que posso não ter a oportunidade de ser presente em sua vida, uma dor aperta em meu peito, então resolvo ligar e a convido para um cinema, ela aceita na hora, ainda não acreditando que a convidei para sair. Me despeço de todos no hospital, e vou para casa me arrumar para encontrá-la.C
ÁgataApós ter recebido essa ligação, digamos, um pouco “estranha”, volto para o quarto que, em alguns minutos já está todo arrumado e eu super exausta.Olho para o relógio e percebo que estou um pouco atrasada, me arrumo rapidamente e saio correndo, para minha sorte, na pracinha próxima de casa tem um táxi parado, passo o endereço do bar e, após vinte minutos, estacionamos em frente ao Boemia, pago a corrida e percebo que estou dez minutos atrasada.— Droga! — Nunca gostei de chegar atrasada em meus compromissos, não gosto de esperar e também não gosto de deixar ninguém me esperando.O bar não está muito cheio, quando entro avisto Alice sentada numa mesa acompanhada com um homem, assim que ela me vê sinaliza para que eu me aproxime. O homem que está sentado com Alice é realmente muito bonito e estou lembrada de tê-lo visto aqui.— Oi... — digo tímida. — Me desculpe o atraso. — Alice está abatida, com certeza o estado do Rodrigo não deve ser dos melhores.— Imagina, Ág, acabei de cheg
BetoMarquei de me encontrar com Janaína no Boemia, ela insistiu para que eu fosse buscá-la em seu apartamento, mas neguei. Quero deixar claro que o que aconteceu conosco nunca mais irá acontecer, já que sabia muito bem das minhas condições quando aceitou sair comigo, para evitar que ela faça qualquer charme para que eu a leve embora, resolvo ir de táxi. Para a minha felicidade, assim que entro no Boemia, percebo que não está muito cheio e acho perfeito, pois se Janaína pensar em criar qualquer cena, menos pessoas irão presenciar. Léo está encostado no bar conversando com uma de suas garçonetes e, pelo olhar dela, deve ser uma bronca, pois ela está com o rosto corado e parece envergonhada.— Fala, Léo! — cumprimento-o, dando um tapinha em suas costas.— Beto, como vai? — Ele se vira para mim e a pobre garçonete aproveita para desaparecer da frente dele.— Ah, cara, indo né... Tudo o que aconteceu com Rodrigo tirou a gente do eixo...— Eu sei, agora mesmo estava conversando com Alice