— Ainda não, caro Ruvirik — disse o velho, tomando em mãos uma espada.
Retirou-a da bainha e, num pulsar de vida, a lâmina acendeu-se em brasas cintilantes, quase fosforescentes.
— É na profunda escuridão que a mais fraca luz se torna poderosa, a iminência do fim pode ser a nossa salvação. Confio a ti minha última fagulha de esperança, Ruvirik — foi o que ele disse enquanto sua pele empalidecia.
Ruvirik aceitou o fardo de carregar a anêmica esperança do que restava de um Reino que ruiu.
— Realmente acreditas que posso fazer algo contra os Inomináveis?… — ele murmurou consigo mesmo.
De repente, aquela obscura catedral estremeceu. Os cadáveres dos antigos soldados caíram aos montes sobre si mesmos. As trevas, gananciosas, engoliram por completo o pálido luar.
O ar consigo trouxe o mais pútrido dos odores e Aquilo que se esgueirava pelas sombras adentrou sem nem mesmo tocar a porta, pois a sua presença fê-la apodrecer até que nada além fragmentos restassem.
E a sua aura imunda nas trevas se destacou. A garra, longa e áspera, gotejou um líquido negro quando sob a débil luz de candelabros pálidos. Infinitos e inumanos pares de olhos cinzentos despertaram de um longo sono, e ele murmurou algo em sua imemorial língua gutural.
Ruvirik, cego em esperança, apontou a lâmina cintilante, desafiando a besta de presas cortantes, disposto a afundar-se nas profundezas da morte por sua convicção. E Barzai permitiu que o seu companheiro enfrentasse o destino.
E ele lutou com todas as suas forças. Tocava e atacava a própria escuridão com o desejo encarnado em sua pobre lâmina. Até mesmo foi capaz de desmembrá-lo uma vez, e, esperançoso, pensou poder matá-lo. No entanto, o Inominável, a fera profana, nada fazia além de brincar com aquele mero humano. E quando o seu grotesco riso retumbou para além da realidade, subjugou Ruvirik num único brandir de braço, fazendo-o afundar no piso manchado.
As brasas da espada perderam o sopro da vida, e um silêncio sinistro se fez presente. O Inominável rastejou de forma repugnante para o altar, e por aquela vidraça contemplou o véu negro que tomou para si a luz. E rosnou e gorgolejou para os seus irmãos, talvez convocando as suas presenças para juntos exterminarem aquele mundo, ou, então, contando-lhes do quão fáceis foram as suas vitórias. No entanto, um rosnado mais severo o repreendeu de repente.
Sangue podre ergueu-se dos incontáveis cadáveres humanos e lentamente cruzou o ar, indo de encontro ao corpo de Ruvirik. Então a espada foi tomada por chamas gélidas e escuras. Ruvirik, renascido, ergueu-se cambaleante.
E a sua voz distorcida era sombria.
— Nós… somos… muitos…!
O Inominável arqueou o corpo em completo silêncio. E numa velocidade incrível golpeou o rapaz.
O piso se quebrou e, num instante, o braço dele saiu rodopiando pelo ar, e Ruvirik, envolto por tristes chamas, flutuava após o contragolpe imprevisível.
Barzai temeu o que aquilo podia significar; todavia, disse, fraco:
— Mate-o Ruvirik…! Vingue o nosso povo…
Ruvirik suspirou profundamente e um estranho vapor deixou sua garganta, e, numa incompreensível fúria, berrou a plenos pulmões. E como um raio disparou sobre o Inominável.
E a batalha que se seguiu aos poucos se tornou cada vez mais bestial e brutal, pois Ruvirik golpeava e urrava como uma verdadeira fera em frenesi, e o seu oponente se transformava com cada dano infligido no seu corpo medonho, adotando um aspecto grotesco além do inimaginável.
Barzai, que a tudo observara aterrorizado, fechou os olhos, pois sentia que perderia a sanidade caso permanecesse um espectador; e rezou aos deuses para que dessem fim àquela fera, mesmo que já não soubesse a qual fera se referia. E se arrependeu amargamente do que fizera — de tê-lo entregue a lâmina —, pois a sonoridade profana daquela batalha conseguia ser ainda mais perturbadora do que o próprio Inominável. Barzai, ao se atrever a abrir os olhos, estremeceu, pois enfim confirmou o seu maior temor: Ruvirik fora, em verdade, alimentado por esperanças massacradas, raivas, rancores e amarguras que corromperam o seu espírito nobre.
Aquilo já não era Ruvirik.
— Pelos deuses! — urrou Barzai de repente, desesperado. — O que és tu?! Que os deuses me perdoem… nem homem, nem Inominável; o que diabos és tu?!
Ele indagava isto pois, em algum momento, o Inominável fora vencido, e de sua carne Ruvirik se alimentou com uma fome repulsiva. Mas o verdadeiro terror se esgueirava sobre ele. A sua aura havia mudado para algo muito além de um Inominável; uma verdadeira abominação.
Ele se virou maquinalmente, com punhados de carne em mãos, e Barzai gritou no ápice do pavor, pois no rosto dele tracejava até a nuca uma fileira de dentes tortos e monstruosos.
Ruvirik se ergueu com o corpo agora curvado. Quando tentou falar, um repulsivo murmúrio estridente deixou sua garganta. E quando estendeu a mão coberta por veias escuras, Barzai se afastou o mais rápido que pôde, como um animal assutado.
Então Ruvirik compreendeu e aceitou o seu destino iminente; e, deste modo, a sua aura indescritível se espalhou como uma névoa mórbida sobre todos os corpos, com exceção de Barzai.
Barzai se viu cercado por algo que jamais poderia compreender. A sua mente era incapaz de assimilar o que olhos presenciavam. Perguntou-se o que poderia nascer de tantas energias e intenções combinadas numa fúria animalesca e instinto de sobrevivência imparável.
E Barzai enlouqueceu completamente com o que viu. A aura desapareceu, e eis que se revelou um grande corpo monstruoso e disforme, de pele viscosa e gotejante, com braços e pernas se amontoando sobre si mesmos numa visão repugnante. E das costas se estenderam tentáculos longos e espessos cobertos por protuberâncias irregulares.
Aquela monstruosidade corrompida se agachou e, de suas bocas costuradas umas sobre as outras, lançou o mais grotesco dos sons num grave berro insano. Como vozes combinadas, a raiva, a dor e a angústia, o desprezo e as esperanças destruídas repercutiram por aquelas terras amaldiçoadas.
Enquanto se movia grotescamente para o altar, observando pela vidraça o céu sombrio, os seus gritos terríveis continuaram a ribombar, estremecendo a catedral e fazendo estourar toda a vidraçaria.
Barzai então disparou numa corrida cheia de loucura, bradando incoerências em plena histeria. Nem mesmo aquele corpo velho e frágil foi o suficiente para fazê-lo parar a fuga exasperada, cruzando os destroços de mármore banhados em sangue e no líquido negro. E por aquelas terras que se tornaram inférteis do dia para a noite, Barzai correu como ninguém havia feito. E jamais olhou para trás, nem mesmo quando nebulosas de todas as cores irromperam na escuridão às suas costas. E quando ia se aproximando de um colossal penhasco, gritou, eufórico, para a Mãe Terra:
— Ruvirik, o Corrompido, desafiou aqueles que deram vida aos Inomináveis, e eles atenderam ao seu demoníaco chamado! A aberração que aterrorizará até mesmos as entidades vindas dos cosmos nasceu nesta noite, e irá devastar toda a Terra numa demoníaca batalha com os Antigos Deuses! Os Antigos Deuses estão aqui!
Barzai encerrou a loucura profética atirando-se do precipício. O seu corpo se perdeu entre as rochas e as violentas investidas do mar, que estremecia diante da Grande Chegada.
Os Antigos Deuses tocaram o solo terrestre após incontáveis eras sem dar nenhum indício de existência, e o véu negro que se estendia pelo mundo foi subjugado por uma aurora boreal de beleza aterrorizante e inigualável, que se espalhava nos céus numa dança calma e ondulante.
E foi ditado o início do fim.
Estou atordoada. O meu corpo está anestesiado. Nunca senti algo tão bom.Há um peso sobre o meu abdômen.— Ah, finalmente voltou à realidade?Aquela maldita voz doce ecoa na minha mente. Ela está contente, sei disso.Eu te odeio.Precisei receber ajuda para levantar. Sinto que o meu corpo está mole. Aquela maldita está me ajudando. Apoia-me no seu ombro, e guia-me para fora do beco. Ainda é noite.Está frio.Eu estou quente.Há uma carroça negra no fim do beco, do outro lado da rua.— Como se sente? — ela pergunta.Não respondo.Eu te odeio.A mulher abre a porta. Cumprimenta o carroceiro, ajuda-me a entrar e sentar. E senta ao meu lado.Olho para baixo. Vejo um buraco no meu traje. Há sangue seco ao redor do rasgo, estendendo-se até a minha coxa.
Gotejava sangue quente sobre o piso imundo de um sagrado templo dourado. A Amaldiçoada Lâmina de Braltar repousava enterrada num decrépito altar negro cujas fissuras emanavam o Caos Nuclear.A Cavaleira Yeniffer caiu de joelhos, com um buraco no peito que despejou o rio vermelho sobre a armadura de prata. Estava entorpecida pelos fétidos e repulsivos fluídos e odores exalados pelos Nefastos, responsáveis pelos estridentes gritos de puro terror proferidos pelos desesperados habitantes da condenada Thalarion, a Cidade das Mil Maravilhas.Não há palavras, textos e imagens ou pinturas capazes de contarem sobre os Horrores que despencaram sobre Thalarion, a Cidade das Mil Maravilhas, pois não são os Nefastos um antigo mal desperto na Terra em Vigília ou Onírica, ou um mal Ancestral vindo dos confins do Cosmo que vaga por incontáveis Galáxias como os Antigos Deuses, tampouco os seus sucessores. São algo além da compreensão de um deus criador, pois
IA boca de fogo produz uma detonação; o projétil é disparado através da chuva pesada e enterra-se no meu ombro. O impacto fulminante espalha-se através do meu corpo em ondas, lança-me ao chão e me desperta.Eu grito de dor.Cubro o ferimento com a mão direita, e sinto o sangue se esgueirando entre os meus dedos. É tão gelado quanto a tempestade que desaba sobre os prédios sombrios.Um raio fende o céu e revela-me a identidade do vulto outrora negro, de chapéu pontudo e revólver na mão.É uma Caçadora.— Não atire! — eu imploro.Ergo a mão para ela. E, entre o meus soluços compulsivos, digo:— Sou uma de vocês! Uma Caçadora! Eu…O revólver dispara.A bala perfura a minha mão, atinge o solo e ricocheteia para a escuridão.A dor é insuportável e me faz soluçar ainda mais. Viro-me para
I: Conflito Híbrido — Tem certeza de que sentiu a presença dela nessa parte da floresta?… — quis saber Megora, ansiosa.— Não está sentindo o forte cheiro de cachorro molhado? — zombou Azazel. — Mas, sim, Lívia está por aqui.— Você é tão insensível…Azazel deu de ombros. Manobrou o carro com cautela, já que a chuva continuava a ganhar força. Mas não seguiu muitos metros adiante, visto que provavelmente ficariam atoladas na lama.— Vou te esperar aqui — declarou Azazel.— É sério que não vai me ajudar a encontrá-la?…— Está chovendo.— E você é de açúcar? — retrucou Megora, sarcástica.Azazel revirou os olhos.— Vai procurá-la ou não?Megora ignorou-a. Esticou-se e pegou um longo casaco preto. Depois abriu a porta e saiu, irritada. Mal andou cem metros quando a chu
Enterro o machado no corpo inerte uma última vez. Jorra sangue quente em meu rosto.A minha respiração pesa. Não consigo enxergar.Estou estático. Preciso ter certeza de que está morto.Ele não se move. E eu ergo o braço e o golpeio de novo. O fio do machado decepa a carne e atinge o piso. É de madeira.Posso ouvir o sangue deixando o seu corpo, entrando pelas fissuras do chão e gotejando no porão.Está morto.Agora tenho certeza.Toco o meu rosto, esperando encontrar ferimentos próximos aos olhos. Estão cobertos por uma bandagem. Rasgo-a.Está escuro. É noite.Ainda é noite...Imaginei ter decepado a cabeça dele. Agora, vejo que desmembrei o seu torso em diagonal.O traje negro de Caçador está ensopado. As vísceras aglomeradas repousam ao redor do machado fincado no chão.O