Capítulo 26 — “Algumas respostas não curam, mas abrem espaço para a dor respirar.” — Marjorye Sandalo Maeve Jhosef O quarto parecia menor naquela noite.Não pelas paredes ou pelo teto que sempre estiveram ali, imóveis, mas pela presença do que não era dito, do que pairava entre a tela inacabada, o carvão nos dedos e a carta que tremia entre minhas mãos.Isaac me observava em silêncio do retrato inacabado. Seu olhar cravado em mim era uma mistura de desafio e súplica. Não era só um esboço; era uma confissão feita à força, um sussurro que minhas mãos libertaram antes que minha mente tivesse tempo de recusar.O envelope repousava como um peso antigo entre os dedos. Azul, desbotado nas bordas, com aquela caligrafia que ainda me fazia doer o peito: “Para Maeve, quando estiver pronta”.Mas quando, Ezra? Quando a gente está realmente pronta pra ouvir o que pode destruir tudo que restou de pé?Encostei a carta contra o peito e fechei os olhos. O retrato de Isaac continuava ali. Firme. Terno
Capítulo 27 — “Às vezes, o recomeço não grita; ele apenas respira diferente.”Maeve Jhosef Acordei com o coração mais leve do que nos últimos meses.Sem pesadelos. Sem o peso de um nome ecoando na cabeça. Só o som morno da vida acontecendo do lado de fora da janela. Carros passando. Pássaros discutindo nos galhos. Um sol tímido espiando pelas frestas da cortina.Talvez fosse só um bom dia.Ou talvez fosse o começo de algo novo.Levantei com calma. Tomei banho ouvindo uma playlist antiga, daquelas que costumávamos usar para pintar paredes ou terminar trabalhos da faculdade às três da manhã. Vesti um conjunto simples, elegante. Terno claro, camisa azul celeste. Delicado, firme. A maquiagem foi suave, os lábios num tom natural. Pela primeira vez em semanas, gostei do que vi no espelho.Eu parecia… viva.Na mesa da cozinha, Zola me olhou com a testa franzida.— O que foi? — perguntei, pegando uma maçã.— Você parece… legal. Feliz, até. — Ela estreitou os olhos. — Isso é suspeito.Sorri e
Capítulo 28 — “Há silêncios que desarmam mais do que mil palavras.”Isaac Aubinngétorix Ela apareceu com luz nos olhos.E eu… não soube o que fazer com aquilo.Maeve entrou na sala de reuniões como se tivesse deixado para trás um peso invisível. Como se, de alguma forma, tivessem lhe devolvido o fôlego que a dor lhe roubara por meses. O jeito como olhou ao redor, como disse “bom dia”, até mesmo o modo como se sentou… tudo nela parecia diferente. Mas não era uma diferença ruidosa — era a serenidade de quem, depois da tempestade, aprendeu a andar entre os destroços sem cortar os pés.E eu fiquei ali, sentado, tentando fingir que não a observava.Mas observava.Cada gesto, cada palavra, cada ausência de provocação. Esperava que a qualquer momento viesse o sarcasmo, o olhar afiado, a ironia cruel que ela vinha usando como escudo desde que voltou. Mas nada disso aconteceu. Maeve foi gentil. Cordial. Quase doce.E isso me desestabilizou.Durante toda a reunião, lutei para manter a expressã
Capítulo 29 — “Às vezes, o sol retorna pelos olhos de quem aprendemos a amar em silêncio.”Isaac Aubinngétorix Havia algo na forma como ela sorria agora que me tirava o ar.Não era um sorriso pleno, nem algo teatral. Era quase um sopro, um reflexo delicado no canto dos lábios — mas que dizia tanto. E era isso que me desconcertava. Desde o início, eu soube decifrar dor, raiva, tristeza… mas alegria? Esperança? Essa eu não esperava ver nela tão cedo. Não depois de tudo.Passei o dia inteiro tentando entender o que havia mudado.Na reunião da manhã, Maeve anotava coisas em seu caderno com um foco que não via há semanas. De vez em quando, olhava pela janela como se o mundo lá fora estivesse mais interessante que nossos gráficos de projeção. Mas havia luz em seu rosto. Uma luz que não vinha de mim, e isso… talvez fosse o que mais me incomodava.Estava diferente demais. Serena demais. Como se tivesse, de alguma forma, feito as pazes com algo que nem sabíamos que estava em guerra dentro del
Capítulo 30 — "Algumas verdades só encontram espaço quando a embriaguez silencia os medos."Isaac Aubinngétorix Eu deveria estar me preparando para um simples encontro familiar. Era isso que todos diziam. Uma despedida para Nevan, uma celebração antes da partida do garoto para a faculdade de medicina. Mas cada vez que eu pensava em voltar para aquela casa, o ar parecia me faltar.A casa dos Eldridge sempre teve o poder de me desmontar.Era onde eu e Ezra brincávamos quando pequenos, onde ele me contava seus planos, onde nos despedimos em silências longos quando fui para a guerra. Onde a presença de Maeve sempre pareceu um sol quente demais para meu inverno constante.E agora, ela havia me convidado para voltar. De forma espontânea. Quase leve. Como se tudo que existia entre nós fosse passível de ser esquecido.Desde que ela retornou com aquele brilho inédito nos olhos, não paro de pensar na razão da sua mudança. O convite para a festa foi apenas o ponto final da frase que eu ainda nã
Capítulo 31 — “Às vezes, a intimidade mais profunda mora no silêncio entre dois corpos que apenas se permitem estar.”Maeve Jhosef Acordei com a estranha sensação de que algo dentro de mim havia mudado. Não como uma ruptura, mas como uma rachadura sutil, onde a luz começa a entrar devagar, sem pedir permissão.A claridade da manhã se infiltrava pelas frestas da cortina de linho, tingindo o quarto com tons dourados e suaves. Por um instante, fiquei deitada, imóvel, sem coragem de mexer o corpo, como se qualquer movimento pudesse espantar o que havia de sagrado naquela cena.Isaac estava ao meu lado.Dormia profundamente, o peito subindo e descendo num ritmo tranquilo que contrastava com o turbilhão que se espalhava em meu peito. O lençol subia até sua cintura, e a camisa social que ele usava na noite anterior ainda cobria parte do seu torso. Eu, por minha vez, continuava com o vestido, amassado pelas horas e pelos sonhos — ou pela ausência deles.Não houve sexo.Nem pressa. Nem promes
Capítulo 32 — “Alguns verões não aquecem a pele, mas reacendem a alma.”Maeve JhosefMeses haviam passado desde que li a carta.Meses em que algo dentro de mim se reorganizou em silêncio, como a mobília de uma casa que, depois da tempestade, precisa reencontrar seu lugar. Os cantos ainda doíam, as lembranças continuavam a existir — não há como arrancar o amor da carne sem deixar cicatrizes —, mas agora havia também espaço para respirar.E nesse espaço, a vida começou a acontecer de novo.A expansão da Jhosef Industries para Seatlan tomava forma. O projeto que antes era apenas uma ambição no papel agora se erguia como um marco do que fomos capazes de construir, mesmo com as ausências. E talvez por isso, mamãe insistiu que deveríamos comemorar. “É o início de uma nova era”, disse ela, com aquele brilho nos olhos que sempre me fez acreditar que tudo era possível.Planejamos uma festa de verão.Na casa dos meus pais, com vista para o lago e piscina de borda infinita. Um cenário quase cine
Capítulo 33 — “Algumas histórias são escritas na pele para que não se percam no tempo.”Maeve Jhosef A festa havia ganhado vida como a própria estação prometia.O som dos risos misturava-se ao toque suave da música que ecoava do sistema de som da casa. Crianças corriam pelo gramado com os pés molhados, adultos equilibravam taças de vinho como se a alegria fosse frágil demais para ser derramada. Era uma celebração em sua essência mais pura — leve, solar, quase mágica.E mesmo assim, ele continuava ali, à margem.Isaac observava como quem não sabe se pertence ou se apenas foi convidado pela insistência da vida. Seus olhos varriam o cenário com uma distância quase melancólica, como se cada som alto o fizesse se recolher mais um centímetro por dentro.Aproximei-me devagar, com um copo de limonada entre os dedos, tentando não parecer que o observava há minutos demais.—Você vai mesmo passar a festa toda vestido como se fosse o responsável pelo evento? — brinquei, encostando ao lado dele n