Carolina tomou dois goles seguidos de suco de laranja, nos cantinhos da boca, ainda tinha resquícios de ketchup vermelho.Ao ouvir a pergunta de Juliana, ela parou um instante, pensativa, antes de responder:— O papai é muito bom comigo.Juliana e Maia trocaram um olhar. Por um momento, acharam que talvez tivessem exagerado nas suspeitas.Mas então Carolina continuou:— Tudo o que eu quero, o papai compra. Mas ele nunca me abraça nem me dá beijo. A mamãe disse que é porque ele tá sempre muito cansado.Não demonstrar carinho de forma espontânea...Isso, sim, era preocupante.Havia algo errado ali.O que exatamente, Juliana ainda não sabia dizer. Mas sentia que não era apenas cansaço.Ela olhou o horário no celular, já estava na hora de voltar. Pegou a mãozinha de Carolina e as três seguiram de volta para o hotel.Quando chegaram, Larissa e Joaquim já haviam encerrado a briga.Ele estava de pé, próximo à janela, fumando em silêncio.Larissa, sentada no sofá, tentava conter o choro, os ol
Joaquim era um covarde. Um frouxo completo.E, para Maia, não existia tipo de homem mais desprezível que esse.Se um sujeito não consegue nem proteger a própria esposa e filha... Vai proteger quem, então?O desprezo por ele era geral e absoluto.Justo quando Larissa se preparava pra discar o 190, o celular dela começou a tocar.— Alô? A Srta. Larissa? Aqui é da Polícia da Cidade A. O Sr. Rodrigues foi preso por suspeita de causar distúrbios públicos...“Sr. Rodrigues?”Larissa ficou sem reação. Que Sr. Rodrigues era esse? Joaquim estava ali, na frente dela. Existia outro?Só Juliana entendeu na hora.Assim que a ligação terminou, ela disse, com calma:— Foi o Felipe.Aquele nome... Joaquim conhecia bem. Talvez até bem demais.Nas últimas semanas, a casa estava virada do avesso. Raul e Sarah brigavam dia sim, dia também, sempre aos gritos.E o nome “Felipe” aparecia com uma frequência assustadora.Sarah insistia que Felipe era filho bastardo de Raul, fruto de um caso antigo fora do casa
Juliana achava que, quando Isaac disse que já a tinha visto antes, ele estivesse se referindo à internet.Afinal, toda aquela confusão entre ela e Viviane tinha viralizado. Foi um verdadeiro furacão nas redes sociais e ficou entre os assuntos mais comentados por quase duas semanas. Não seria nada surpreendente se Isaac tivesse esbarrado em alguma coisa.Isaac, então, disse:— Onde eu te vi... Não posso contar.Se revelasse, conhecendo o jeito do Bruno, sabia que os próximos dias seriam um inferno.Juliana franziu a testa, confusa.— Não pode contar?Era algo tão constrangedor assim?Mas, como Isaac não quis entrar em detalhes, Juliana também não insistiu. O principal motivo de sua visita era saber sobre Felipe. Como já tinha conseguido as informações que precisava, preferiu não atrapalhar mais o reencontro entre pai e filho.Ao sair do escritório, para sua surpresa, viu que Hildo ainda estava do lado de fora, esperando.— Sr. Hildo. — Chamou ela.Ele se virou ao ouvi-la.Tinha um olhar
Ele estava claramente defendendo a Larissa.A relação entre os dois deixava Juliana com uma sensação esquisita, havia algo ali, algo sutil, difícil de explicar.Mas esse tipo de coisa não dava para sair falando por aí.Fazer isso poderia acabar prejudicando a Larissa.— Juliana, isso é um assunto de família. Não diz respeito a uma estranha como você!De qualquer forma, ela não tinha o menor direito de se meter.Juliana, no entanto, não se abalou nem um pouco. Fez um som de desprezo com a boca e retrucou:— Olha só, eu nem falei nada... Para que essa defensiva toda? O que foi, você mesmo se sente um covarde?— Juliana! — Gritou ele.— Sr. Rodrigues, aqui é uma delegacia. Por favor, mantenha a compostura. — Interrompeu um dos policiais.Juliana era praticamente a queridinha de todos ali.E Joaquim? Ele teria coragem de levantar a voz com a protegida da casa?Se fizesse isso, o pessoal estaria pronto para dar o troco.A cara de Joaquim ficou ainda pior, tão fechada que parecia prestes a p
Depois do grito de Joaquim, o saguão inteiro mergulhou num silêncio sepulcral.O que foi que ele acabou de dizer?Que Larissa só queria o divórcio pra correr atrás... De outro homem?Larissa arregalou os olhos, incrédula.— Homem?Joaquim era seu primeiro amor, desde a adolescência.Em mais de vinte anos, ele tinha sido o único homem da sua vida.E agora... Agora ele vinha insinuar que ela teve outro?Era o cúmulo da humilhação.Um tapa seco cortou o ar, a mão de Larissa acertou em cheio o rosto de Joaquim.O golpe não só virou o rosto dele como também o trouxe de volta à realidade.Quando viu as lágrimas escorrendo dos olhos da esposa, a culpa e o desespero bateram de uma vez.Joaquim se desvencilhou dos policiais que ainda o seguravam e esticou os braços, querendo abraçá-la.Mas Larissa deu dois passos pra trás.A recusa dela fez o gesto dele morrer no ar, vazio.— Lari, fui eu que falei besteira! Eu... Eu não quis dizer isso, me deixa explicar...Carolina não entendia exatamente o q
Cidade A, Hospital Aliança.— Saiam da frente! Com licença! Abram caminho!— Corram! Chamem o doutor, agora!Médicos e enfermeiros avançavam às pressas pelo corredor, empurrando uma maca direto para sala de cirurgia.Larissa vinha logo atrás, cambaleando, amparada por Juliana, que a segurava pelos ombros, tentando conter o desespero.— Calma… A Carol vai ficar bem. Ela vai sair dessa, Larissa…Tudo tinha acontecido apenas quinze minutos antes.Carolina, tomada pelo desespero, correu pra fora da delegacia… E foi atropelada.Aquela menininha tão cheia de vida agora estava ali, imóvel, olhos fechados, o corpinho coberto de sangue.Era impossível olhar para ela e lembrar da criança alegre e sorridente de poucas horas atrás.A tragédia veio como um raio. Em um segundo, tudo virou do avesso.— Carol… Meu amor… Por favor, fica bem… — Larissa mal conseguia formar palavras. A voz falhava entre os soluços.Seus olhos estavam tão inchados de tanto chorar que mal conseguiam se manter abertos.Do l
Enquanto Joaquim estava na sala de transfusão, Larissa parecia ter perdido a alma.Sentou-se no chão, sem forças nem pra chorar.O olhar vazio.A pele, pálida como papel.As palavras de Joaquim ainda ecoavam na sua cabeça, martelando sem parar:"Quer se livrar de mim logo para correr atrás daquele cara da outra noite, é isso?"Mas... Ela nunca teve outro homem!Nunca traiu Joaquim!Nem em pensamento.Em questão de minutos, mil pensamentos se atropelavam dentro dela.Todos desesperadores.Todos pesando como pedras no peito.As vozes ao redor, as tentativas de consolo, os olhares... Tudo parecia distante, abafado, sem peso, sem cor.Como se o mundo estivesse acontecendo em outra frequência.Trêmula, com a voz rouca e quase sem vida, Larissa finalmente murmurou:— Eu... Preciso ir ao banheiro um momento...Ela precisava de espaço.Precisava respirar. Pensar. Ou talvez só desabar.Maia se mexeu, pronta pra ir atrás, mas Juliana a segurou pelo braço.— Ju, ela tá péssima... — Disse Maia, o
Como se tivesse finalmente tomado uma decisão, Raul cerrou os punhos com força.Juliana vinha observando cada detalhe. Cada microexpressão.E então, sem conseguir mais segurar a pergunta que martelava na sua mente há anos, soltou:— Raul… Vocês já sabiam, né? Que eu não tenho nenhum laço de sangue com a família Rodrigues?— Sim, nós... A resposta escapou da boca de Raul sem passar pelo filtro.Instintiva. Automática.E quando percebeu o que havia dito... Já era tarde demais.Mas o olhar de Juliana não foi de surpresa.Foi de confirmação.Como se, no fundo, ela sempre soubesse.E agora, só tivesse recebido a prova final.Essa dúvida a acompanhava havia muito tempo.Mas nunca teve coragem ou espaço para colocá-la em palavras.Agora, não precisava mais adivinhar.A verdade estava ali, nua, crua... E gelada.Por fora, os Rodrigues pareciam bons pais.Sarah e Raul eram educados, sorridentes, sempre preocupados com a imagem da família.Mas esse bom só valia para quem carregava o mesmo sangu