A música reverberava pelas paredes do camarim enquanto eu esperava Teri se apresentar. A batida eletrônica ecoava, preenchendo cada canto da boate com uma energia pulsante e sedutora.O espaço era quase idêntico àquele que eu conhecia tão bem, e, ao mesmo tempo, completamente diferente. Eu nunca tinha estado ali naquela linha do tempo, nunca tinha pisado naquele chão ou sentido o cheiro da mistura de perfume barato e fumaça de cigarro, mas meu corpo reconhecia cada detalhe como se pertencesse àquele lugar.A familiaridade era inquietante.Era como se duas versões da realidade colidissem dentro de mim, me deixando suspensa entre o passado e o presente. O sofá de couro vermelho no canto, as luzes piscando de forma irregular no teto, o espelho manchado que refletia a movimentação apressada das dançarinas se arrumando… eu conhecia tudo aquilo. Eu vi tudo aquilo se esvair em fogo, cinzas e fumaça.Mas, ao mesmo tempo em que tudo era estranhamente familiar, eu me sentia quase como uma estra
— Comprar esse prédio? Oferecer o dobro do valor? — Teri me olhava como se eu tivesse acabado de sugerir que viajássemos para Marte. — Você é louca! Eu nem tenho esse dinheiro!— Você tem uma boa parte guardada no colchão, embaixo da cama... — comecei a falar, mas ela logo me interrompeu, os olhos se estreitando.— Como você sabe disso?Cruzei os braços e sorri de lado.— Nós somos melhores amigas há três anos, Teri. E a proposito: isso não é seguro. Guarde em um banco. E vê se me escuta dessa vez!Ela suspirou, balançando a cabeça, mas o choque já havia se transformado em mera incredulidade. A essa altura, já havia aceitado que eu sabia mais sobre ela do que deveria.— Tá bom, gênio do futuro, e como você acha que a gente vai conseguir comprar essa espelunca? Eu até tenho algumas economias, mas não chega nem perto do valor que eu imagino que precisaria.Fazia sentido. Quando Teri estava disposta a comprar o apartamento para nós duas, ela tinha três anos a mais de economias.— Nós com
A exaustão pesava sobre meus ombros como uma âncora, mas, por mais que Teri tivesse insistido para que eu ficasse e descansasse um pouco, dormir era um luxo que eu ainda não podia me permitir. A última vez que me lembrava de ter dormido de verdade foi na outra linha do tempo, envolta nos braços de Nicolas, com sua respiração quente contra minha pele e o conforto absoluto de saber que eu era dele, assim como ele era meu. Agora, tudo aquilo não passava de um borrão distante, um sonho que se dissipava a cada segundo que eu permanecia acordada.Eu precisava resolver as pendências antes que minha mente desmoronasse por completo. Queria voltar para casa e aproveitar o pouco de normalidade que ainda restava — minha mãe, meus filhos, a sensação de que pelo menos ali, entre eles, eu estava segura.Entrei no carro da minha mãe, que estava usando emprestado, e segui para o apartamento que dividia com Miguel. Na outra linha do tempo, neste exato momento, ele já saberia que os filhos estavam morto
Os dias foram passando, e eu me sentia mais viva do que nunca. Cada manhã, acordava na casa da minha mãe e encontrava meus filhos ao meu lado, algo que nunca pensei que voltaria a ter. Cada pequeno momento era um presente.Adorava acordar cedo e preparar o café da manhã enquanto Heitor tentava espremer a laranja sozinho, fazendo bagunça no balcão, e Manuela bebia seu leite devagar, distraída com algum desenho na TV. Pequenos momentos caóticos que, de alguma forma, faziam meu coração transbordar de alegria enquanto o cheiro de café fresco se espalhava pela cozinha, e minha mãe cantarolava alguma música antiga enquanto organizar a mesa. Eu me pegava sorrindo sozinha ao observá-los, sentindo-me em casa pela primeira vez em anos.Era incrível como uma linha do tempo diferente poderia mudar tudo. Na outra realidade, minha mãe estava morta, meus filhos estavam mortos… e eu? Eu tinha sido destruída. Mas aqui, eu tinha todos eles comigo. E, por mais que a vingança ainda estivesse em curso, aq
O motor do carro roncava suavemente enquanto Pedro, no banco do motorista, tamborilava os dedos no volante, lançando um olhar desconfiado para a imponente mansão à sua frente. A entrada luxuosa, com um longo caminho de pedras bem alinhadas, ladeado por jardins perfeitamente aparados, destoava completamente do veículo onde estávamos. Ele soltou um suspiro exagerado antes de se virar para mim e Teri.— Meu carro parece um sobrevivente da guerra sendo jogado no meio de um desfile da Fórmula 1. — Pedro resmungou, analisando a frota de carros importados estacionados logo à frente.Teri riu, apoiando o cotovelo na janela aberta.— Se a Ayla estiver certa, logo, logo, você vai poder trocar esse ferro-velho por algo que combine melhor com seu novo status de empresário de sucesso.Ele bufou, fingindo descrença.— Ainda não sei como você me convenceu a largar meu emprego seguro na boate pra seguir os devaneios de uma maluca.— Tem razão, sabe... — Teri arqueou a sobrancelha e apontou para mim.
~NICOLAS~— Me dá só uns minutinhos, Letícia. Eu vou ajudar a professora da Amélie e da Mia — murmurei, ainda segurando aquela mulher nos braços.Letícia suspirou, impaciente, cruzando os braços com um olhar que deixava claro o que ela pensava sobre a situação. Seus dedos bateram contra o tecido fino do vestido de grife, denunciando seu tédio.— Não demora. O brunch no Milani tem horário, Nicolas.Ela enfatizou meu nome como se eu precisasse ser lembrado de que estava prestes a atrasá-la. Mas, naquele momento, minha atenção já estava completamente desviada para a mulher em meus braços. Apenas segui para dentro de casa, ignorando Letícia e focando na sensação estranha que se instalava em meu peito conforme a carregava.Seu corpo era pequeno, delicado. Leve demais. Mas, de alguma forma, parecia pesar toneladas contra mim. Era o peso da familiaridade. Um reconhecimento que eu não conseguia explicar.Algo nela me chamava. Algo nela me confundia.E o mais irritante era que eu não sabia o q
~AYLA~O silêncio preenchia a sala depois que Nicolas saiu, mas dentro de mim, tudo era caos. Meu coração ainda martelava no peito, e meus pensamentos giravam sem parar.De algum forma, Nicolas se lembrava do nome Nyx.Ele batizou aquela foto com um nome que fazia todo o sentido para nós dois, mas que, nesta realidade, ele não poderia saber. Como ele poderia ter qualquer tipo de memória da outra linha do tempo? Como aquela fotografia existia? Como ele sabia que aquela imagem carregava algo especial, algo que o fascinava?Eu sabia que de alguma forma era possível romper esse véu entre as realidades. Eu e Teri ainda tínhamos nossas tatuagens. Teri ainda sonhava comigo ao ponto de saber que eu era real. Mas Nicolas…Ele não tinha esses sonhos, tinha?O peso dessa constatação me sufocava. Será que em algum canto da mente dele, enterrado sob tudo o que essa linha do tempo havia lhe proporcionado, ainda restava alguma lembrança de nós?Eu estava tão perdida nos meus pensamentos que levei al
Depois de um longo dia de trabalho, sentei-me na sala da gerência ao lado de Teri, exausta, mas satisfeita. O estúdio estava ganhando vida, e eu finalmente estava começando a sentir que tudo estava dando certo. As turmas estavam quase completas, e eu tinha passado o dia inteiro ensinando, sentindo a adrenalina e a alegria de ver cada aluna se desenvolver.— Acho que finalmente conseguimos — comentei, girando levemente a cadeira enquanto observava os papéis de contabilidade sobre a mesa.— Conseguimos? — Teri riu, levantando as sobrancelhas. — Quer dizer que você finalmente aceitou que eu sou uma excelente administradora e que sem mim essa sua academia não passava do papel?— Eu diria que você é boa o suficiente para merecer um aumento — rebati com um sorriso, e ela arqueou ainda mais as sobrancelhas.— Esse seria um excelente argumento. Se eu não fosse sua sócia.Rimos juntas e ficamos em silêncio por um instante, ambas concentradas na papelada. Até que, de repente, soltei um suspiro