Meu coração batia forte. Eu queria seguir aquele carro. Precisava saber quem estava dirigindo, quem tinha sido o responsável por tudo. Mas eu não tinha como. Tudo o que eu tinha era um SUV com os freios sabotados, um Uber a cinco minutos de distância e duas crianças que eu precisava proteger como uma leoa.Então, fiz a única coisa que podia naquele momento: anotei a placa do Fiat Mobi roxo. Meu peito subia e descia rapidamente, a adrenalina ainda correndo nas minhas veias enquanto meus olhos seguiam o veículo até que ele desaparecesse na rua."Eu vou pensar nisso depois," prometi a mim mesma, engolindo a vontade de sair correndo atrás daquela sombra do passado.O Uber encostou no meio-fio, e eu respirei fundo antes de abrir a porta traseira e ajudar Heitor e Manuela a entrarem. Meu corpo ainda tremia de leve, mas minha prioridade agora era tirá-los dali em segurança.— Mamãe, vamos abandonar nosso carro? — Heitor perguntou, inclinando a cabeça.Sim. Porque o carro foi sabotado. Porque
O relógio da cozinha marcava quase dez da noite quando finalmente terminei de procurar coisas para fazer na casa da minha mãe. O jantar já tinha sido servido, as crianças já dormiam profundamente no quarto que minha mãe preparara para eles, e eu ainda estava tentando absorver tudo.Minha mãe estava viva.Meus filhos estavam vivos.Eu tinha passado horas com eles, contando histórias, ouvindo suas vozes animadas e memorizando cada traço de seus rostinhos enquanto seus olhinhos pesavam de sono. Eu os abracei mais forte do que nunca, e mesmo que Manuela tivesse cochilado primeiro, Heitor permaneceu acordado o suficiente para questionar:— Você tá estranha, mamãe.Engoli em seco, afastando os cabelos da testa dele e dando um beijo ali.— Eu só senti muita saudade de vocês.Ele bocejou e fechou os olhos, mas não antes de sussurrar:— A gente se vê amanhã...Aquelas palavras ficaram presas no meu peito enquanto eu saía do quarto. Eu tinha meus filhos de volta. Mas sabia que aquela felicidade
A música reverberava pelas paredes do camarim enquanto eu esperava Teri se apresentar. A batida eletrônica ecoava, preenchendo cada canto da boate com uma energia pulsante e sedutora.O espaço era quase idêntico àquele que eu conhecia tão bem, e, ao mesmo tempo, completamente diferente. Eu nunca tinha estado ali naquela linha do tempo, nunca tinha pisado naquele chão ou sentido o cheiro da mistura de perfume barato e fumaça de cigarro, mas meu corpo reconhecia cada detalhe como se pertencesse àquele lugar.A familiaridade era inquietante.Era como se duas versões da realidade colidissem dentro de mim, me deixando suspensa entre o passado e o presente. O sofá de couro vermelho no canto, as luzes piscando de forma irregular no teto, o espelho manchado que refletia a movimentação apressada das dançarinas se arrumando… eu conhecia tudo aquilo. Eu vi tudo aquilo se esvair em fogo, cinzas e fumaça.Mas, ao mesmo tempo em que tudo era estranhamente familiar, eu me sentia quase como uma estra
— Comprar esse prédio? Oferecer o dobro do valor? — Teri me olhava como se eu tivesse acabado de sugerir que viajássemos para Marte. — Você é louca! Eu nem tenho esse dinheiro!— Você tem uma boa parte guardada no colchão, embaixo da cama... — comecei a falar, mas ela logo me interrompeu, os olhos se estreitando.— Como você sabe disso?Cruzei os braços e sorri de lado.— Nós somos melhores amigas há três anos, Teri. E a proposito: isso não é seguro. Guarde em um banco. E vê se me escuta dessa vez!Ela suspirou, balançando a cabeça, mas o choque já havia se transformado em mera incredulidade. A essa altura, já havia aceitado que eu sabia mais sobre ela do que deveria.— Tá bom, gênio do futuro, e como você acha que a gente vai conseguir comprar essa espelunca? Eu até tenho algumas economias, mas não chega nem perto do valor que eu imagino que precisaria.Fazia sentido. Quando Teri estava disposta a comprar o apartamento para nós duas, ela tinha três anos a mais de economias.— Nós com
A exaustão pesava sobre meus ombros como uma âncora, mas, por mais que Teri tivesse insistido para que eu ficasse e descansasse um pouco, dormir era um luxo que eu ainda não podia me permitir. A última vez que me lembrava de ter dormido de verdade foi na outra linha do tempo, envolta nos braços de Nicolas, com sua respiração quente contra minha pele e o conforto absoluto de saber que eu era dele, assim como ele era meu. Agora, tudo aquilo não passava de um borrão distante, um sonho que se dissipava a cada segundo que eu permanecia acordada.Eu precisava resolver as pendências antes que minha mente desmoronasse por completo. Queria voltar para casa e aproveitar o pouco de normalidade que ainda restava — minha mãe, meus filhos, a sensação de que pelo menos ali, entre eles, eu estava segura.Entrei no carro da minha mãe, que estava usando emprestado, e segui para o apartamento que dividia com Miguel. Na outra linha do tempo, neste exato momento, ele já saberia que os filhos estavam morto
Os dias foram passando, e eu me sentia mais viva do que nunca. Cada manhã, acordava na casa da minha mãe e encontrava meus filhos ao meu lado, algo que nunca pensei que voltaria a ter. Cada pequeno momento era um presente.Adorava acordar cedo e preparar o café da manhã enquanto Heitor tentava espremer a laranja sozinho, fazendo bagunça no balcão, e Manuela bebia seu leite devagar, distraída com algum desenho na TV. Pequenos momentos caóticos que, de alguma forma, faziam meu coração transbordar de alegria enquanto o cheiro de café fresco se espalhava pela cozinha, e minha mãe cantarolava alguma música antiga enquanto organizar a mesa. Eu me pegava sorrindo sozinha ao observá-los, sentindo-me em casa pela primeira vez em anos.Era incrível como uma linha do tempo diferente poderia mudar tudo. Na outra realidade, minha mãe estava morta, meus filhos estavam mortos… e eu? Eu tinha sido destruída. Mas aqui, eu tinha todos eles comigo. E, por mais que a vingança ainda estivesse em curso, aq
O motor do carro roncava suavemente enquanto Pedro, no banco do motorista, tamborilava os dedos no volante, lançando um olhar desconfiado para a imponente mansão à sua frente. A entrada luxuosa, com um longo caminho de pedras bem alinhadas, ladeado por jardins perfeitamente aparados, destoava completamente do veículo onde estávamos. Ele soltou um suspiro exagerado antes de se virar para mim e Teri.— Meu carro parece um sobrevivente da guerra sendo jogado no meio de um desfile da Fórmula 1. — Pedro resmungou, analisando a frota de carros importados estacionados logo à frente.Teri riu, apoiando o cotovelo na janela aberta.— Se a Ayla estiver certa, logo, logo, você vai poder trocar esse ferro-velho por algo que combine melhor com seu novo status de empresário de sucesso.Ele bufou, fingindo descrença.— Ainda não sei como você me convenceu a largar meu emprego seguro na boate pra seguir os devaneios de uma maluca.— Tem razão, sabe... — Teri arqueou a sobrancelha e apontou para mim.
~NICOLAS~— Me dá só uns minutinhos, Letícia. Eu vou ajudar a professora da Amélie e da Mia — murmurei, ainda segurando aquela mulher nos braços.Letícia suspirou, impaciente, cruzando os braços com um olhar que deixava claro o que ela pensava sobre a situação. Seus dedos bateram contra o tecido fino do vestido de grife, denunciando seu tédio.— Não demora. O brunch no Milani tem horário, Nicolas.Ela enfatizou meu nome como se eu precisasse ser lembrado de que estava prestes a atrasá-la. Mas, naquele momento, minha atenção já estava completamente desviada para a mulher em meus braços. Apenas segui para dentro de casa, ignorando Letícia e focando na sensação estranha que se instalava em meu peito conforme a carregava.Seu corpo era pequeno, delicado. Leve demais. Mas, de alguma forma, parecia pesar toneladas contra mim. Era o peso da familiaridade. Um reconhecimento que eu não conseguia explicar.Algo nela me chamava. Algo nela me confundia.E o mais irritante era que eu não sabia o q