— Eu sei exatamente o que você tem em mente. — Brinquei, puxando um baralho da mochila.
Nicolas arqueou uma sobrancelha, a sombra de um sorriso brincando nos lábios.
— Ah, sabe?
— Sei. — Joguei o baralho sobre o colchão inflável. — Vamos jogar Truco ou Paciência?
O silêncio foi seguido por uma risada baixa e rouca.
— Você tá de brincadeira.
— O que mais a gente faria no meio do nada, no meio da chuva?
Ele se inclinou para frente, os olhos me percorrendo devagar, como se estivesse memorizando cada detalhe. O biquíni molhado ainda colava ao meu corpo depois da correria para a barraca, e a forma como ele me olhava fazia meu estômago se revirar em antecipação.
— Bom… eu até aceitaria, mas só se for uma versão stripper.
Mordi o lábio, fingindo ponderar.
~NICOLAS~O sol filtrava-se entre as folhas altas das árvores, criando padrões dourados no chão de terra batida. A brisa fresca da manhã ainda carregava o cheiro da chuva da noite anterior, e o mundo ao nosso redor parecia novo, mais vivo. Mas nada parecia mais vivo do que a mulher ao meu lado.Ayla se espreguiçou ao sair da barraca, vestindo minha camisa por cima do biquíni. Seus cabelos estavam bagunçados, e o rosto ainda trazia os vestígios do sono, mas nunca a vi tão bonita quanto agora, despenteada, com as marcas da noite passada ainda visíveis na pele.— Meu corpo inteiro dói… — murmurou.Minha risada foi baixa, puxando-a contra o meu peito para matar as saudades que eu já sentia dela.— Isso quer dizer que eu fiz um bom trabalho.Ela ergueu a cabeça apenas para me dar um tapa fraco no ombro antes de se esti
~AYLA~O apartamento estava um caos de roupas espalhadas sobre a cama e sapatos descartados pelo chão enquanto eu tentava decidir o que vestir para a exposição. Minhas mãos apertavam um vestido preto simples, mas elegante, contra o corpo enquanto me olhava no espelho, ponderando se aquilo era o suficiente para uma noite que, de alguma forma, parecia maior do que eu esperava.Atrás de mim, Teri deslizava um batom vermelho nos lábios, sentada na beira da cama, observando minha indecisão com um sorriso de canto.— Isso é só uma exposição ou você está se arrumando para um casamento? — ela provocou, cruzando as pernas e me analisando com aquele olhar afiado que sempre lia além do que eu dizia.— Cala a boca — murmurei, revirando os olhos, mas sentindo meu rosto esquentar.Ela riu, mas sua atenção voltou par
~AYLA~O casarão era simplesmente deslumbrante.As colunas imponentes e as enormes janelas de vidro refletiam as luzes da noite, dando ao lugar um ar clássico e sofisticado. Dentro, a arquitetura antiga misturava-se a uma iluminação estratégica, destacando cada obra exposta sem perder o charme rústico do ambiente. As paredes altas estavam repletas das fotografias de Nicolas, algumas monocromáticas, outras em tons vibrantes, mas todas carregadas de uma sensibilidade artística inegável.Havia um burburinho de vozes por toda parte. Pessoas elegantes caminhavam com taças de champanhe nas mãos, observando cada imagem com atenção e comentando sobre a genialidade do artista. Repórteres circulavam, prontos para captar cada detalhe da noite, e fotógrafos registravam o evento com flashes incessantes.Mas nada disso me chamou tanto a atenç&at
Eu nem precisei dizer nada. No instante em que entrei no cômodo e nossos olhares se encontraram, Nicolas me puxou contra ele e me envolveu em um abraço forte, seu perfume amadeirado misturando-se ao calor do seu corpo.— A coisa mais difícil foi passar a noite toda longe de você. — Sua voz era baixa, quase um sussurro contra minha pele. — Ainda mais vendo você nesse vestido.Senti o calor subir pelo meu pescoço e me afastei ligeiramente para encará-lo.— E eu achando que você estava ocupado demais sendo o centro das atenções. — Brinquei, apertando levemente a lapela do seu terno.— Eu estava. Mas mesmo assim, meus olhos só procuravam você.Minhas mãos permaneceram espalmadas contra seu peito enquanto eu tentava ignorar a maneira como meu coração acelerava. Respirei fundo e sorri.— A exposiç&ati
O primeiro sinal de que algo estava errado foi o teto.Ainda meio adormecida, minha visão se ajustou à penumbra do quarto e, antes mesmo de entender o que estava acontecendo, meus olhos encontraram uma rachadura discreta no canto do teto. Uma fissura fina e comprida, daquelas que sempre estiveram ali, mas que, com o tempo, a gente se acostuma a ignorar.Meu estômago revirou.Pisquei algumas vezes, sentindo o coração acelerar sem motivo aparente.O segundo sinal foi o cheiro.Não era o aroma amadeirado da colônia de Nicolas misturado com o leve resquício de vinho da noite anterior. Não era o perfume dele impregnado nos lençóis ou o toque sutil de tinta e papel fotográfico que ainda flutuava no casarão.Não.O cheiro era outro.Sabão em pó comum, um leve perfume de lavanda que eu conhecia bem e um frescor caracterí
Eu parei abruptamente na garagem do prédio, sentindo meu corpo congelar no mesmo instante. Meus olhos se fixaram no SUV preto estacionado à minha frente, e um arrepio gelado percorreu minha espinha. Era o mesmo carro. O mesmo modelo, o mesmo tom escuro de tinta refletindo a luz fria do estacionamento. Meus pulmões se recusaram a funcionar, e minhas mãos começaram a tremer sem controle.Um turbilhão de lembranças veio com força total, atingindo-me como uma onda avassaladora. O som ensurdecedor do impacto, o estilhaçar dos vidros, o capotamento, os gritos. Meus filhos. Meus filhos. A dor me atingiu como se tudo estivesse acontecendo de novo. Meu peito se apertou, e minha visão ficou turva. Uma crise de pânico. Não agora. Não agora.Pressionei as mãos contra as têmporas, tentando me ancorar no presente. Respira.— Não é agora… — murmurei para mim mesma, tentando ignorar a sensação de sufocamento.Eu precisava buscá-los. Eles estavam vivos. Eu só precisava entrar no carro e dirigir. Era s
Meu coração batia forte. Eu queria seguir aquele carro. Precisava saber quem estava dirigindo, quem tinha sido o responsável por tudo. Mas eu não tinha como. Tudo o que eu tinha era um SUV com os freios sabotados, um Uber a cinco minutos de distância e duas crianças que eu precisava proteger como uma leoa.Então, fiz a única coisa que podia naquele momento: anotei a placa do Fiat Mobi roxo. Meu peito subia e descia rapidamente, a adrenalina ainda correndo nas minhas veias enquanto meus olhos seguiam o veículo até que ele desaparecesse na rua."Eu vou pensar nisso depois," prometi a mim mesma, engolindo a vontade de sair correndo atrás daquela sombra do passado.O Uber encostou no meio-fio, e eu respirei fundo antes de abrir a porta traseira e ajudar Heitor e Manuela a entrarem. Meu corpo ainda tremia de leve, mas minha prioridade agora era tirá-los dali em segurança.— Mamãe, vamos abandonar nosso carro? — Heitor perguntou, inclinando a cabeça.Sim. Porque o carro foi sabotado. Porque
O relógio da cozinha marcava quase dez da noite quando finalmente terminei de procurar coisas para fazer na casa da minha mãe. O jantar já tinha sido servido, as crianças já dormiam profundamente no quarto que minha mãe preparara para eles, e eu ainda estava tentando absorver tudo.Minha mãe estava viva.Meus filhos estavam vivos.Eu tinha passado horas com eles, contando histórias, ouvindo suas vozes animadas e memorizando cada traço de seus rostinhos enquanto seus olhinhos pesavam de sono. Eu os abracei mais forte do que nunca, e mesmo que Manuela tivesse cochilado primeiro, Heitor permaneceu acordado o suficiente para questionar:— Você tá estranha, mamãe.Engoli em seco, afastando os cabelos da testa dele e dando um beijo ali.— Eu só senti muita saudade de vocês.Ele bocejou e fechou os olhos, mas não antes de sussurrar:— A gente se vê amanhã...Aquelas palavras ficaram presas no meu peito enquanto eu saía do quarto. Eu tinha meus filhos de volta. Mas sabia que aquela felicidade