As luzes do laboratório piscavam intermitentemente, refletindo o estado caótico da mente de Daniel. Ele mal havia dormido nas últimas quarenta e oito horas, obcecado pela ideia de que o buraco negro SG- cento e três estava escondendo algo que os cálculos e modelos não conseguiam prever. Era como se todo o seu treinamento científico fosse insuficiente para lidar com o que estava diante dele.
O buraco negro, que antes era uma ameaça distante e misteriosa, agora parecia um convite tentador. As flutuações eletromagnéticas, os sinais enigmáticos que ele captara, ainda ressoavam em sua cabeça. Mas, estranhamente, não havia pânico em seu coração. Havia uma curiosidade insaciável, quase como se aquilo estivesse destinado a acontecer. Naquela manhã, ele se sentou com Clara, sua parceira de pesquisa e a única pessoa que parecia compartilhar, ao menos em parte, de seu entusiasmo. Clara, uma jovem cosmóloga com uma mente afiada, estava mais cautelosa. Enquanto Daniel via as evidências como um caminho para algo grandioso, Clara estava preocupada com o que poderia dar errado. — Você está realmente disposto a seguir adiante com isso? — perguntou ela, sua voz suave, mas carregada de preocupação. — Estamos falando de uma jornada que, honestamente, não temos como prever onde vai parar. Daniel sabia que ela tinha razão. Ele sabia que o que planejavam era arriscado, talvez até suicida. Mas algo dentro dele queimava com uma intensidade inegável. — Clara, estamos diante de uma descoberta sem precedentes. Tudo o que estudamos, todas as nossas teorias sobre o universo, sobre buracos negros e multiversos, podem estar prestes a ser comprovadas. Não podemos ignorar isso. Clara o encarou por um longo momento. Os olhos castanhos dela eram profundos, como se estivessem tentando enxergar a lógica por trás daquela loucura. Finalmente, ela suspirou. — Certo. Mas faremos isso do jeito certo. Precauções máximas. E se houver o menor sinal de que isso está saindo de controle, você me promete que voltaremos. Daniel assentiu, mas no fundo sabia que não haveria volta. Naquela mesma noite, os dois se prepararam. Eles estavam a poucos metros da maior façanha científica de suas vidas. O telescópio, programado para capturar e ampliar as flutuações, estava ajustado. Porém, ao invés de apenas observar, Daniel propôs algo radical: usar uma tecnologia experimental que simulava uma interação direta com o buraco negro. Se ele estivesse certo, essa interação poderia abrir um canal para além do horizonte de eventos. Quando Clara ativou os controles, uma vibração percorreu o ar. Não era apenas uma sensação física; havia algo tangível, como se o próprio espaço ao redor começasse a se distorcer. As luzes no laboratório escureceram por um breve segundo, e então... silêncio. A tela do monitor mostrou algo que eles nunca esperavam ver. Não era apenas uma imagem de um buraco negro; era um vislumbre de outro lugar. A imagem tremulava, oscilava, mas o que estava do outro lado era inconfundível: uma paisagem alienígena, semelhante à Terra, mas distorcida, onde o céu era púrpura e os continentes flutuavam como ilhas no espaço vazio. Clara respirou fundo, seus olhos arregalados. — Isso é... outro universo? Antes que Daniel pudesse responder, algo aconteceu. O campo de energia que eles haviam gerado ao redor do experimento começou a puxá-los. A sensação era incontrolável, como se o próprio tecido da realidade estivesse se dobrando. Eles tentaram desligar os controles, mas já era tarde. O buraco negro os puxava para dentro. Em um piscar de olhos, o laboratório desapareceu. Daniel e Clara sentiram seus corpos flutuando, girando no vácuo. A realidade ao redor se desfazia, fragmentando-se em pedaços distorcidos de luz e sombras. Não havia som, exceto o pulsar rítmico que Daniel reconheceu dos sinais captados. Era como se o próprio buraco negro estivesse respirando, os conduzindo para além de tudo o que conheciam. Então, em um clarão de luz, tudo se acalmou. Eles estavam de pé, em um lugar desconhecido. O céu púrpura que haviam visto antes agora se estendia acima deles, repleto de estrelas que Daniel não conseguia reconhecer. O ar era denso, quase vibrante, como se estivesse carregado de uma energia que atravessava seus corpos. Ao longe, estranhas estruturas flutuavam, cidades inteiras suspensas no vazio. Clara caiu de joelhos, tentando respirar. Daniel a ajudou a se levantar, mas sua mente estava fixada em uma única questão: Onde exatamente estavam? Este não era apenas um universo paralelo. Era algo muito além. E, mais perturbador, sentia que estavam sendo observados.O ar era pesado, quase irreal, e cada respiração parecia trazer consigo um fluxo de energia desconhecida. Daniel e Clara estavam em pé, tentando processar o que viam ao redor. Tudo era ao mesmo tempo familiar e alienígena. As florestas ao longe tinham cores que não existiam no espectro da Terra, e o horizonte se curvava de uma maneira impossível, como se o próprio espaço fosse maleável.— Isso… isso não pode ser real — disse Clara, a voz trêmula. Ela olhava para o céu púrpura com uma mistura de assombro e medo.— É real — respondeu Daniel, ainda fascinado pelo que seus olhos captavam. — Estamos em outro universo. Além do horizonte de eventos. Não é uma simulação, não é uma visão. Estamos aqui.Clara se levantou com a ajuda de Daniel e olhou ao redor. O ambiente parecia deserto, mas havia algo perturbador em sua quietude, uma sensação de que o mundo à sua volta estava apenas adormecido, esperando algo para despertar.— Precisamos entender como isso aconteceu — ela disse, sua mente já v
O silêncio que seguiu a declaração da figura era esmagador. Daniel e Clara permaneciam imóveis, seus corações batendo com força no peito. A figura à sua frente era indistinta, envolta em um brilho que desafiava qualquer definição, como se fosse composta de pura energia. Seus contornos flutuavam entre formas humanas e alienígenas, mudando constantemente, mas os olhos, ou o que pareciam ser olhos, permaneciam fixos neles, brilhando com uma inteligência ancestral.— Vocês... nos esperavam? — Clara conseguiu balbuciar, sua voz tremendo. — Como isso é possível?A figura inclinou-se levemente em sua direção, e a sensação de ser observada aumentou, como se milhares de mentes estivessem focadas neles ao mesmo tempo.— Vocês dois carregam a marca do buscador — disse a figura, suas palavras ecoando não só no ar, mas nas profundezas da mente de Daniel e Clara. — Desde o momento em que olharam para o horizonte de eventos, desde que decifraram os sinais... estavam destinados a chegar aqui. Não foi
O laboratório estava silencioso, exceto pelo som incessante das teclas enquanto Daniel e Clara digitavam freneticamente, analisando os dados que haviam recebido após seu retorno. As flutuações de energia que eles captaram antes e depois da jornada para o universo paralelo agora faziam sentido de uma maneira que nunca imaginaram. Era como se cada pulso, cada variação, fosse parte de uma linguagem codificada, uma mensagem enviada através de dimensões.— Está ficando mais forte — disse Clara, seus olhos fixos na tela. — As flutuações estão aumentando, como se algo estivesse pressionando essa barreira entre os universos.Daniel assentiu, concentrado. Ele podia sentir a tensão no ar, o tempo correndo contra eles. Embora estivessem de volta à Terra, ele não conseguia afastar a sensação de que ainda estavam sendo observados, como se a presença que sentiram na torre tivesse atravessado junto com eles.— Temos que localizar a fonte dessas flutuações — ele disse, com a voz firme. — Não podemos
O vento gelado da Sibéria assobiava em torno de Daniel e Clara enquanto eles trabalhavam freneticamente. Cada segundo parecia uma eternidade, enquanto o colapso iminente entre os universos se aproximava. Os detectores estavam em alerta máximo, e o campo de energia ao redor deles oscilava violentamente, quase como se a própria realidade estivesse sendo rasgada.— A instabilidade está piorando! — gritou Clara, ajustando os parâmetros do estabilizador que haviam trazido. — Se não conseguirmos desacelerar essas flutuações agora, não vamos ter chance de controlar o colapso!Daniel, suando sob o frio intenso, estava tentando ajustar o fluxo de energia para estabilizar a barreira. Mas algo parecia errado. A sombra que os confrontara antes havia falado como se o caos fosse inevitável, como se houvesse algo além do controle deles. Ele olhou para Clara, seus olhos carregando a dúvida que pairava sobre sua mente.— E se não for suficiente? — Daniel murmurou, mais para si mesmo do que para Clara.
O silêncio após o tumulto era quase ensurdecedor. O frio cortante da Sibéria, por um breve momento, pareceu perder a intensidade. Daniel e Clara permaneciam imóveis, encarando a fenda contida, enquanto tentavam recuperar o fôlego. O peso da última hora ainda os pressionava.Daniel finalmente quebrou o silêncio.— Precisamos encontrar o Guardião. Ele é a nossa única chance de selar isso de vez.Clara assentiu, mas o cansaço e a incerteza estavam claros no rosto dela. O Guardião, a enigmática figura que lhes dera pistas fragmentadas antes, parecia estar em todos os lugares e lugar nenhum ao mesmo tempo. Ninguém sabia ao certo se ele era um aliado ou apenas uma entidade indiferente, observando o caos se desenrolar.— Mas como? — Clara perguntou, seus olhos fixos em Daniel. — Ele nos encontrou da última vez. Como vamos achá-lo agora?Daniel hesitou. A verdade é que ele não sabia a resposta. Mas o pouco que tinham aprendido sobre o Guardião sugeria que ele poderia estar mais perto do que i
Clara viu Daniel dar o passo final em direção à fenda, e seu coração parecia parar. O caos do outro lado pulsava, como se a própria escuridão o aguardasse, ansiosa para envolvê-lo. Ela gritou seu nome, mas o som foi abafado pela energia vibrante ao redor deles. O Guardião observava em silêncio, como um espectador distante e implacável do destino que se desenrolava.O tempo parecia desacelerar. Clara sentiu as lágrimas escorrerem pelo rosto, enquanto as mãos de Daniel tremiam levemente, a poucos centímetros da ruptura. O brilho pulsante da fenda lançava sombras distorcidas sobre o rosto dele, e, por um momento, ele olhou para trás, seus olhos encontrando os de Clara.— Não... — ela sussurrou, incapaz de aceitar o que estava prestes a acontecer.Mas o destino estava selado.Assim que a ponta dos dedos de Daniel tocou a energia da fenda, o mundo ao redor deles explodiu em uma onda de luz e som. Clara foi lançada ao chão, o impacto da energia a fazendo perder o fôlego. A fenda brilhava co
A noite na Sibéria caía silenciosa e mortal, enquanto Clara permanecia estática no mesmo lugar onde a fenda havia sido selada. O frio era implacável, mas ela mal o sentia. Sua mente estava em um redemoinho de pensamentos, dilacerada pelo sacrifício de Daniel. A ruptura havia desaparecido, mas o vazio que ele deixara era profundo demais para ser ignorado.Com os olhos fixos no horizonte, Clara lutava para entender o que viria a seguir. O Guardião havia partido, e com ele as respostas que ela tanto buscava. O caos parecia contido, mas a presença sombria e inquietante de tudo o que havia acontecido ainda pairava no ar. E agora, ela estava sozinha.Porém, conforme o vento uivava ao redor, algo começou a mudar. Primeiro, foi uma leve sensação de calor, uma presença que parecia contradizer o frio cortante. Depois, veio o sussurro — suave, quase inaudível, mas inconfundível.— Clara...Ela se virou abruptamente, seu coração disparando. A voz... era familiar demais para ser ignorada.— Daniel
O caos ao redor de Clara e Daniel começou a se contrair, como se estivesse sendo pressionado por forças invisíveis. A escuridão líquida pulsava, cada vez mais densa. Clara sentia a opressão crescente, mas, ao mesmo tempo, a determinação dentro dela não vacilava.— Precisamos encontrar o Guardião novamente — Clara disse, sua voz cortando o silêncio. — Ele sabe mais do que está dizendo. Há uma saída, Daniel, eu sei disso.Daniel assentiu lentamente, mas sua expressão ainda estava sombria. Ele não era mais o mesmo. O caos havia começado a corroê-lo, transformando-o de maneiras que Clara não conseguia entender completamente. Mesmo assim, algo dentro dele parecia resistir.— O Guardião não dá respostas fáceis — Daniel murmurou. — Ele joga com o equilíbrio, não com nossas esperanças. Ele nunca quis que nós vencessemos, apenas que retardássemos o inevitável.Clara balançou a cabeça. Ela se recusava a aceitar a ideia de que tudo o que fizeram até ali fosse em vão.— E se o caos não for o inev