Callahan ajustou o chapéu de abas largas conforme deixava a tenda. Embora esboçando movimentos descontraídos, suas palavras carregavam uma gravidade que ecoava no ar.— Não gosto de me repetir, senhor Donaldo, mas tem algo nessa floresta — disse ele, parando na entrada e virando-se levemente. Seus olhos brilhavam sob a luz difusa do amanhecer. — Algo que não pode ser explicado apenas com truques.Donaldo, recostado em sua cadeira de madeira entalhada, ergueu uma sobrancelha. Sua expressão era de ameno desprezo, mas seus dedos tamborilavam contra o braço da cadeira.— Um conselho, então: não subestime o que não entende. — Com isso, Callahan se virou e saiu, seus passos firmes sendo engolidos pela terra macia.Donaldo permaneceu em silêncio, o eco das palavras do comerciante se infiltrando em sua mente como uma brisa gélida. Ele odiava admitir, mas havia algo naquela floresta que o fazia hesitar. Ele, o grande conquistador, sentia-se inquieto em um lugar que deveria ser apenas mais uma p
O rio estendia-se como um espelho sombrio diante de Donaldo, refletindo fragmentos distorcidos de seu rosto. Ele estava só, sentado em uma rocha desgastada pelo tempo. A tenda, com suas sedas luxuosas e as mulheres que preenchiam suas noites, parecia pertencer a outro mundo, deixada para trás em um raro momento de introspecção. A garrafa de licor em sua mão tremia ligeiramente, como se sentisse o peso das memórias que atormentavam seu dono.A ironia o atingia como uma lâmina cega: um homem temido e respeitado por seu poder, acorrentado por algo tão imaterial quanto o passado.A traição. Uma cicatriz que nunca cicatrizara.Donaldo fechou os olhos, permitindo-se mergulhar nas lembranças. Anos atrás, ele era diferente. Jovem, impetuoso, os olhos reluzindo com uma ambição que parecia infinita. Ao seu lado estava Clara, sua esposa, uma mulher cuja inteligência rivalizava com sua beleza radiante. Clara era um sol em sua vida, iluminando caminhos que ele sequer sabia que existiam.Mas a fort
Donaldo olhou para o rio diante de si, o reflexo distorcido de sua face na água imóvel. Ele estava só, sentado em uma rocha gasta pelo tempo. A tenda e suas concubinas ficaram para trás, deixadas em um momento de introspecção que ele raramente permitia a si mesmo. O licor em sua mão tremia levemente, como se até mesmo ele sentisse o peso das memórias que o assombravam.Era irônico, ele pensou, que um homem temido e respeitado por seu poder pudesse ser tão assombrado por algo tão banal quanto o passado.A traição era uma cicatriz que jamais se fechara.Anos atrás, Donaldo era diferente. Mais jovem, mais cheio de vida, com olhos que reluziam com uma ambição voraz. Ele tinha uma esposa, Clara, que parecia ser o complemento perfeito para sua energia inabalável. Clara era inteligente e encantadora, uma mulher cuja presença iluminava qualquer ambiente.Mas a vida de Donaldo não era simples. Ele dedicara anos à construção de sua fortuna, movendo-se de um negócio
A escuridão havia caído como um véu de carvão sobre a floresta.Donaldo caminhava sozinho, o negrume em volta cortado apenas pela luz instável da tocha que tremeluzia em sua mão — como se até ela hesitasse desafiar a amplitude das Trevas. O ar era pesado, carregado de umidade e um cheiro acre de vegetação apodrecida. Cada passo parecia mais difícil do que o anterior, como se o chão abaixo de seus pés estivesse vivo e resistisse à sua presença.— Essas malditas árvores — murmurou ele, os olhos atentos ao menor movimento. — Acham que podem me deter?Mas, no fundo, ele sabia que a floresta era mais do que árvores. Sentia isso em seus ossos, um arrepio que não era causado pelo frio, mas pela percepção de que algo o fitava. Algo que sabia seus segredos.Naaldlooyee estava esperando.O bruxo surgira entre as sombras como uma extensão delas, sua presença tão natural quanto o farfalhar das folhas. Seu manto escuro parecia absorver a luz da tocha de Donaldo, tornando-o uma silhueta indistinta e
— Eu aceito — disse Kennett finalmente, sua voz baixa, mas firme.Naaldlooyee sorriu novamente, mas desta vez havia algo mais em sua expressão. Algo como triunfo.O ocultista estendeu a mão para selar o pacto, conforme a floresta parecia gritar em protesto.Naquele instante, Donaldo sentiu no âmago de seu ser: cruzava um limite que talvez jamais pudesse voltar.O céu sobre a floresta era um abismo sem fim, pesado, nuvens imóveis abafando até o sussurro do vento. Não havia estrelas para guiar os perdidos, apenas um manto de escuridão que aparentemente se fechava mais a cada instante.A primeira mudança foi quase imperceptível.Uma árvore, altiva e vigorosa no coração da mata, começou a fenecer. Suas folhas, antes verdes e brilhantes como jade, tornaram-se cinzentas, frágeis, e caíram como lágrimas silenciosas sobre o solo. Cada folha que tocava a terra era um aviso, um lamento de algo profundamente errado.Perto de um rio, Yara flagrava-se agachada, os olhos fixos na água turva que corr
A floresta ainda dormia sob o manto da madrugada. A névoa rasteira dançava sobre o solo úmido, conforme as folhas, orvalhadas pelo frescor da noite, sussurravam segredos ao vento. Lá, no coração desse antigo silêncio, duas sombras se moviam com a suavidade de felinos. Yara, de olhos afiados como a lâmina da sua adaga, conduzia seus passos firmes sobre as raízes da terra que tanto conhecia. Ao seu lado, Tupã, o caçador cuja respiração compassada seguia o ritmo da floresta, mantinha os sentidos em alerta, pronto para proteger a mulher que amava. Unidos, eram como duas metades de uma mesma alma — um elo forjado pela necessidade de sobrevivência e temperado no fogo do amor.A alvorada não tardaria a banhar os céus de laranja e ouro, mas aquela manhã não seria como as outras. Desta vez, a luz do sol traria consigo caçadores — não de presas, mas de almas humanas.Yara olhou de relance para Tupã, os olhos expressando a certeza e a preocupação que tentava esconder. Ele não precisava de palavr
A noite desceu sobre a floresta como um manto de veludo negro, ocultando os segredos e os medos que cresciam sob as copas altas das árvores. O vento murmurava canções antigas, que só aqueles de coração selvagem podiam compreender. Yara e Tupã caminhavam entre essas sombras, suas respirações sincronizadas com o pulsar da floresta viva, sentindo em cada passo o peso da perseguição que os rondava, como lobos famintos à espreita.A escuridão era um refúgio e um perigo. Ali, onde os raios da lua mal atravessavam o denso dossel de folhas, o casal sabia que a floresta poderia ser sua aliada ou sua ruína. As árvores, testemunhas silenciosas de séculos de histórias, pareciam abrigar segredos, oferecendo-lhes proteção, mas também alertando sobre o que viria.Tupã, com seus sentidos afiados, par
O sol nascente despontava no horizonte, tingindo de dourado as copas das árvores, mas a luz que quebrava a escuridão não trazia consolo. Pelo contrário, o amanhecer revelava o início de um novo desafio, e Yara e Tupã sabiam que a perseguição havia apenas começado.As marcas no solo eram inconfundíveis. Tupã, agachado junto a uma trilha de folhas amassadas, examinava os rastros com olhos atentos. Havia pegadas largas, impressas profundamente na terra úmida, pesadas como as intenções daqueles que as deixaram. Ele passou os dedos pelos sulcos no chão e estreitou os olhos.— Não são guerreiros comuns — murmurou Tupã, a voz grave cortando o silêncio da floresta. — São homens brancos, caçadores de recompensas. A paga deles é o peso de nossas cabeças.Yara se a