Mesmo que não trouxesse boas energias para seu dia, Amélia amava admirar Jade cantando, era como observar os anjos cantando no céu, com belas nuvens branquinhas e um lindo céu azul, límpido e vivo.
A forma como seus lábios dançavam a cada nota proferida, o balançar suave de seus quadris desejosos ao avançar da música, o agraciar de seus cabelos sedosos a cada movimento dado em sua dança particular, o verdadeiro paraíso.
Ela adorava tudo aquilo, era, definitivamente, um dos melhores momentos da sua vida. Jade era como uma obra de arte viva, a autêntica Monalisa, tão bela quanto os quadros de Vincent Van Gogh, de Pablo Picasso ou Leonardo da Vinci.
Era a sua própria Adele Bloch-Bauer ou Suzanne Valadon. Era sua verdadeira musa, sua bela arte. Uma explosão de cores e sentimentos no céu.
Como William Shakespeare dizia: “O amor não se vê com os olhos mas com o coração. O amor é como a criança: deseja tudo o que vê. Quando fala o amor, a voz de todos os deuses deixa o céu embriagado de harmonia. É muito melhor viver sem felicidade do que sem amor.”
Amélia estava perdidamente apaixonada, enxergando sua amada como o ser mais perfeito de todo o mundo. Era surreal sentir aquilo, tão gostoso e temeroso. Sentia medo e uma vontade devastadora de ter mais disso.
Ela era apenas uma telespectadora sortuda demais por ter tal beleza tão perto de si, disponível livremente para seus olhos e ouvidos, para o seu coração. Talvez não tão perto ou livre quanto gostaria, mas aquilo teria que servir, já se sentia abençoada demais por ter o seu próprio paraíso morando debaixo do mesmo teto que si. Portanto, teria que servir por enquanto, pelo menos.
— Bom dia, linda flor.
Essa era outra coisa que amava. A criatividade doce da garota de sempre presenteá-la com carinhosos apelidos. Toda manhã Amélia ganhava um novo pseudônimo temporário, se sentindo cada vez mais amada e adorada por sua musa. Era como um sonho envolvendo seu corpo e a levando para um universo perfeito.
— Bom dia, minha deusa.
Gostava de entrar nas doçuras de seu amor, sendo o mais gentil possível, mostrando para Jade, todos os dias, que merecia nada menos que o melhor do mundo.
◇
Após um café da manhã reforçado e um belo banho quentinho para acordar os ânimos, as duas se arrumaram como sempre e logo estavam na faculdade. A grande estrutura clássica e moderna, ao mesmo tempo, surgia em suas visões, rodeada por alunos de todos os tipos de cursos possíveis. Havia literatura, medicina, matemática, administração. Cada segmento possuía seu bloco próprio, havendo uma organizada divisão para todos. O vento esvoaçava os cabelos castanhos de Jade, que balançava como pequenas fadas, dando-lhe um ar angelical. Não que a garota precisasse, mas o universo adorava contribuir para que tal coisa se tornasse cada vez mais real e avassaladora.
Sem surpreender Amélia, de repente todos estavam perto de Jade, querendo sua atenção. Eram seus colegas de curso ou amigos da faculdade, pessoas que entraram na sua vida logo que chegaram à Nova York, alguns anos atrás.
Eram relativamente populares na escola, conhecendo um bom número de pessoas. Mesmo sendo estudiosas e dedicadas aos seus futuros, adoravam ir a festas e baladas, curtir a vida e conhecer novos lugares, aproveitar os momentos. Eram fiéis parceiras de aventuras, sempre juntas em tudo. E tão rápido quanto um redemoinho, haviam se tornado conhecidas pelos outros estudantes.
Amélia não se importava tanto com a atenção. Até gostava, na verdade. Era sempre bom ter companhia e alguém para conversar, colocar o papo em dia, passar o tempo. Não via problema nisso. A situação desconfortável eram os olhares direcionados a sua melhor amiga, maliciosos ou desagradáveis. Estava mais preocupada em esconder Jade de todos aqueles asquerosos do que socializar ou dar atenção às pessoas ao redor.
Distraída com sua árdua missão, não percebeu que já haviam chegado em seus respectivos blocos, em direções opostas. Amélia cursava Letras. Adorava ler e escrever, mergulhar no universo da literatura e conhecer novos mundos fantásticos. Portanto, possuia planos para o seu futuro. E Jade estava na arquitetura. A garota era fascinada por edificações e interiores desde bem pequena, seu passatempo era planejar casas diversas ou decorar em programas de criação. As duas amavam os cursos, mas infelizmente, por serem tão diferentes, tinham pouquíssimas aulas, quase nulas, juntas. Passando a maior parte dos seus tempos separadas, em ambientes distantes.
Aquela definitivamente não seria uma de suas raras aulas compartilhadas. Isso destruía Amélia, apertava seu coração ter que ficar longe de sua amiga, de sua companhia doce e gentil.
Imaginar seu anjo só em uma sala cheia de olhos gulosos e escrotos com segundas intenções, deixava-a enojada e com vontade de guardar Jade em um potinho. Entretanto, não podia fazer aquilo. Sua amada era livre e ela não tinha direito de interferir de tal forma em sua vida. Por isso, contentava-se em apenas lamentar-se por tal infortúnio durante seus horários separados.
Se despediram para, então, Jade partir, em direção ao seu mundo e seu desejado futuro.
Ela não sabia, mas havia levado uma parte de Amélia consigo para a aula, assim como sempre fazia quando ia embora. A parte mais importante para o ser humano.
O coração.
E mesmo assim, a mais velha não se importava com isso, era impossível se preocupar, lutar ou intervir.
A garota poderia destruí-lo quantas vezes achasse conveniente, destroça-lo e jogar fora. Amélia não se importava. Já não era mais seu há muito tempo e, mesmo que quisesse, não poderia fazer nada.
Estava completamente perdida e apaixonada por Jade.
Não havia brechas, era isso e ponto. Assim como tudo na terra, Amélia havia desistido de resistir, mudar o destino. Porque, para ela, amar sua amiga era como seu destino, sua alma-gêmea. Talvez, em alguma outra vida, tenha a sorte de possuí-la para si, como sua amada, como o seu amor. Era uma batalha perdida e, pela primeira vez na vida, não se importou, de forma alguma, em perder.
Durante anos, esteve em uma batalha. Tentou resistir, mas era inevitável. Se encontrava presa nas teias pegajosas do amor, como uma pequena presa, prestes a ser devorada pela temida aranha. Não podia desistir, tinha que tentar. Mesmo que soubesse a verdade, o esforço era inútil, estava perdida, derrotada, não havia mais nada que pudesse fazer. O amor que possuía em seu coração era forte demais para acabar tão repentinamente, sem sequer ter sido vivido verdadeiramente. ◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇◇ Encontravam-se no meio do ano letivo. O fim do semestre era caótico: trabalhos
Há tanto tempo que não provava aquilo, às vezes pensava que havia esquecido como eram as sensações. Depois de semanas enclausurada em uma enxurrada de provas e trabalho maçante na biblioteca, finalmente encontrou um tempo para espairecer. Era extremamente necessário para o seu corpo um pouco de descanso ou relaxamento, geralmente procurava isso em bares ou festas, mas, dessa vez, Amélia faria algo diferente. Claro, o local escolhido não era o mais indicado para isso, com todos os problemas e confusões que o cercavam. Uma aura completamente caótica e energética. Era disso que precisava, um pouco de energia. Sabia que não poderia encontrar um melhor, não para ela, pelo menos. Um palco de luta clandestina. Era uma das partes proibidas da cidade mais desejadas por Amélia, a verdadeira representação de aventura e adre
Amélia e o tal "Lobo Mau esbarraram naquela mesma noite. A química entre os dois era palpável, como a clássica tensão sexual dos livros. Carnal e sedenta. De uma forma ou outra, se encontrariam profundamente. E, foi exatamente o que aconteceu, perdendo-se um no outro. Se de longe ele era fenomenal, de perto era um espetáculo. Toda a áurea confiante e dominadora só tornara tudo ainda mais excitante. Sabia bem o que fazer, seus atos deixavam claro toda experiência que possuía. E Amélia não negava, havia sido incrível. Perdera as contas de quantas vezes repetiram o mesmo processo, de modos diferentes. Estavam tão esgotados que, no final, só se embolaram nos lençóis macios e dormiram profundamente. Não houvera diálogos ou papos rasos. Não era necessário. Conheciam as necessidades do outro e sabiam como saciá-las, satisfazê-las. Não houve troca de números, expectativas ou qualquer outra coisa que pudesse planejar um outro esbarrão futuro. A
Jamais em sua vida tinha visto as coisas da forma como estavam no momento. A cor escarlate tingia tudo em sua frente, tornando o cenário macabro e horripilante. Era como um show de horrores, o próprio inferno terrestre. Luzes piscavam e cegavam sua visão, era como se demônios possuíssem seu corpo e ordenassem seus atos. Não comandava seus movimentos, perdera completamente o poder e controle, era como se não soubesse absorver o que estava em sua frente, acontecendo nesse exato momento. Só sentia uma explosão prestes a acontecer dentro de si. Chegara tão perto do mais novo casal que nem havia percebido tal ato. Sua respiração ofegante esvoaçava levemente os cabelos castanhos de Jade, o mesmo ar sendo compartilhado pelos três, uma distância mínima havia ali. As expressões que tomavam conta dos seus rostos eram de pu
Há exatos três semanas, dois dias, dezesseis horas, quarenta minutos e cinco segundos estava sem falar com Jade. Era tão dependente de sua relação que não conseguia ficar sem contar todos os míseros segundos que passavam distantes, sem contato. Não ousaram se olhar, permanecer no mesmo cômodo e tentar uma reconciliação. A mínima comunicação possível era escassa, quase inexistente. Como duas estranhas que esbarram na rua. Sem importância ou relevância. Todo o tempo da relação fora descartado como nada em míseros segundos, em um mísero pronunciamento. Nunca havia sentido aquilo. Um verdadeiro vazio, como um buraco negro sugando todo e qualquer sentimento do seu corpo. Ou um furacão, destruindo qualquer simples sinal de alegria ou vida em seu corpo. Se sentia prestes a ser levada pelo mais temido dos terremotos. Ter
Num estado profundo e solitário de amargor, Amélia sentia que precisava de alguma emoção em sua vida, necessitava sentir algo diferente de toda aquela dor e sofrimento. Para ela, toda a confusão que sua vida havia se tornado precisava normalizar, organizar tudo em seu devido lugar. Porém, antes de qualquer coisa, tentaria encontrar uma forma de extravasar toda aquela mágoa, ira e raiva. Não podia carregar esses sentimentos consigo, traria apenas malefícios para si. Deveria extravasa-los e jogá-los fora do seu sistema, para bem longe de si. Portanto, procurou por algum método que fosse eficaz o suficiente para o que precisava. O sexo, antes seu grande parceiro nesse tipo de problema, não ajudava mais. O vazio após o ato era pior que antes, como se apenas contribuísse para o buraco negro que era o seu coração. O se
Aquela luta era diferente das outras, não que possuísse grande conhecimento prático. Apenas continha informações teóricas, tudo que já havia assistido e lido também. Era diferente de subir em um palco e lutar de verdade, cara a cara com o oponente. Não conhecia sua adversária. Aparentemente, era nova na área. Talvez causasse um certo temor, mas estava amargurada demais para se importar. Conhecia bem a teoria de toda a coisa, os movimentos, os momentos certos de agir e confrontar.
Amélia estava estranha, distante e distraída. Não conversava mais comigo ou fazia nossos passatempos de sempre; maratonar novas séries, passear pela cidade, conhecer novos lugares ou sair para festas. Ela poderia até pensar que conseguia disfarçar seus sentimentos e sensações, mas eu a conhecia, sabia quando algo estava errado ou fora do lugar. Era bem óbvio a mudança drástica. Somos melhores amigas a tanto tempo, nem sequer conseguiria definir. Desde pequenas estamos juntas em todos os momentos importantes que já ocorreram em nossas vidas ou até mesmo os péssimos. Não importava a situação. Estávamos sempre uma ao lado da outra, conhecendo tão bem nossas particularidades e desejos; compartilhando nossas experiências; vivendo juntas. Era assim desde o nosso pequeno vilarejo, que possuía tantos traumas para nós duas. Último capítulo