Aquela frase ainda ecoava na minha cabeça. E percebi, ali naquele restaurante caríssimo, num país em que morar era também um privilégio, por conta de tudo que aquela paisagem marítima perfeita proporcionava, que Renan e eu tínhamos conseguido vencer. Não éramos como Joaquim Versiani. E não éramos como Josephine.Renan limpou minhas lágrimas e disse, num fio de voz:- Eu... Senti tanta, mas tanta saudade...- Achei que nunca mais nos encontraríamos... – Confessei, ainda chorando.- Clara, poderia me apresentar seu “conhecido”? – Patrick pôs a mão no meu ombro.- Ah, claro... – sorri, limpando as lágrimas e abrindo espaço entre meu irmão e meu marido – Patrick, este é Renan, meu irmão.Patrick abriu um sorriso e pareceu ficar tranquilo:- Prazer, Renan... Por um momento achei que você pudesse ser... – Olhou-me seriamente – Outra pessoa...Procurei não pensar que Patrick achou que Renan fosse Pedro.Os dois se cumprimentaram até que finalmente olhei para o lado, vendo Talía. Fui em sua d
Mais um ano se passou. Pus um piercing no umbigo. Sofri quando Britney Spears e Justin terminaram o namoro. Assisti O Senhor dos Anéis mais de dez vezes. Me apaixonei por Aragorn. Não aprendi a surfar, mas sabia nadar o mínimo para não morrer afogada. Por 365 dias eu acordei cedo para entrar no mar e ficar no fundo contemplando a beleza daquele lugar antes que a praia lotasse de surfistas. Percebi que dormir até tarde não era a melhor coisa do mundo, mas respeitar os outros em seu sono seguia sendo a melhor opção. Chorei escondido ao som de “How you Remind Me” achando que a letra havia sido escrita para mim. O número de telefone da nossa residência havia sido trocado três vezes e nunca entendi de fato o motivo. Não falei nem vi mais meu irmão.Eu estava fotografando com a minha Nikon de última geração Kelly no mundial de surf. O mestre do surf, por sua vez
2003POV PedroEu estava abrindo a porta do carro quando observei a mulher entrando no carro ao lado. O estacionamento da faculdade não era muito claro à noite, mas ainda assim o rosto dela, mesmo dentro do automóvel, não me era estranho.Flora Amorin! Claro, era ela!Dei a volta por trás do meu próprio carro e bati no vidro do motorista, que se abriu.Flora sorriu e girou a chave, desligando o automóvel:- Pedro? Não acredito! – Abriu a porta e me abraçou.- Quanta coincidência encontrá-la justo aqui... Não me diga que está cursando Direito também!- Não, claro que não. Este ano me formo em Arquitetura na verdade.- Legal! Mas aqui é a maior faculdade de direito da região... – Ri.Ela riu e balançou a cabeça:- Estou aqui a negócios. Meu pai quer algu
Evitei olhá-la de novo, sentindo o meu próprio coração acelerar, sabendo o quanto eu ainda sofria, cada dia, cada hora, cada minuto. E também não havia saído desde então a não ser para vez ou outra comer alguma coisa com meus colegas de faculdade. Minha vida se transformou em estudos e projetos para o futuro.- Ela não pensou em nós. – Falei de forma séria.- Você não tem ideia do que Clara passava.- Eu tenho... Presenciei coisas, Flora. E ela nunca quis mudar aquilo.- Mudar? – ela riu ironicamente – Clara sofreu nas mãos do pai desde sempre. Hoje eu compreendo tanto suas atitudes... Mas na época eu era jovem e não entendia.- Não há nada que justifique o que Clara fez conosco, Flora. E quer saber? Eu não desejo mais falar dela. Não me faz bem. Sabe quando a lembrança ruim &eacu
- Josephine? – Me impressionei ao vê-la na frente da minha casa, certamente me esperando.De súbito senti meu coração acelerar, achando que fosse algo sobre Clara. Um recado... Uma notícia... Ou que simplesmente aquela mulher me dissesse que estava ali para me acordar do pesadelo que eu estava tendo há anos... E que voltaria para 1999, ao lado da “minha querida”, recomeçando os nossos planos exatamente de onde paramos: a casa, os dois filhos, a rede na varanda, os cachorros...- Eu... Gostaria de conversar com você, Pedro. É possível?- Claro! Entre. – Abri o portão e ela me acompanhou.Josephine Versiani era uma mulher bonita, embora sofrida. Sua beleza estava escondida sob os cabelos sem corte, o rosto natural, com olheiras profundas e as roupas gastas.Ela sentou-se antes mesmo de eu convidar. Fiz o mesmo, me pondo ao seu lado.- O que desej
- Você não deve ter sabido do que houve...- Não... – Fiquei curioso.- Quando falamos sobre a sua mãe... E tudo que houve... Eu tive coragem de falar ao meu marido tudo que sempre desejei, que estava entalado na minha garganta há mais de vinte anos... Depois disto arrumei as minhas malas...- E não foi embora... Porque ele teve um infarto! – Meio que previ o que ela diria.Josephine respirou fundo e pegou minhas mãos novamente:- Eu fui. – Sorriu de forma triste.- Você... Conseguiu? – Fiquei impressionado e senti meu coração acelerar.Fiquei feliz por ela. E senti orgulho por Josephine ter, depois de tantos anos, conseguido se libertar.- Fui embora... Mas não consegui me livrar dele.- Como assim?- Joaquim teve um AVC.- De novo?Ela riu:- Parece loucura, não é mesmo? Mas Clara
Joaquim ficou me olhando, sem dizer nada. E eu não sabia se aquilo me deixava bem, por saber que ele nunca mais falaria ou faria mal a qualquer outra pessoa ou me dava raiva, por querer que ele pudesse ao menos tentar se defender e brigar comigo.Balancei a cabeça, atordoado e respirei fundo:- A vida inteira eu pensei em encontrá-lo e vingar o estado em que você deixou minha mãe... Numa cama de hospital, sem perspectiva de voltar a ser quem sempre foi. Eu... Tinha tantas coisas para lhe dizer. Esperei fazer 18 anos para ter acesso ao processo, já que minha vó me impediu de todas as formas a ter acesso ao seu nome. Quando cheguei a maioridade, pareceu que tudo conspirava para eu não conseguir saber a verdade... – Ri – E talvez fosse o destino agindo... Em favor de mim e Clara.Joaquim virou o rosto e olhou para o teto. Peguei sua face o obriguei-o a me encarar, mesmo a contragosto:- Sabe o que é mais estranho nisto tudo? Eu vim aqui para falar da minha mãe... Mas tudo que consigo pen
- Por me beijar? Sente por ter me dado um beijo, é isto? – Ela ficou confusa.- Eu... Sinto muito por... Tê-la tocado sem talvez você querer...- Sabe que não precisa pedir permissão de uma mulher para um beijo, não é mesmo?- Eu sei... – Ri, balançando a cabeça e me flagrando do quanto estava sendo idiota.- Eu também quis. Não se culpe.- Não estamos fazendo nada errado, Flora.- Eu... Sei. – Ela desviou os olhos dos meus, parecendo confusa.O garçom acompanhou um casal e puxou a cadeira para a mulher que se sentou de costas para nós. Quando o homem ocupou o lugar à frente dela, deparamo-nos com Renan Versiani. E os olhos dele estavam fixos nos de Flora.Observei-a imediatamente e percebi o quanto ficou inquieta e constrangida com a situação. E aquele olhar... Ah, eu conhecia aquele olhar. Era de amor... Amor verdadeiro, daquele que nada apagava da mente. Amor que não importava o que acontecesse, ainda estaria dentro de seu coração.Remeti-me à noite na minha casa, quando olhamos Ti