POV CLARANão tenho certeza de quanto tempo ficamos ali, sem dizermos nada, cada um com seus mil pensamentos passando pela cabeça. Eu tinha muito a falar, mas parecia que bastava ficar ali, ao lado dele, até o dia amanhecer. E quando Flora chegasse, eu sorria e diria que a amava e explicaria que agi sem pensar há anos atrás e queria ficar ao seu lado, se me permitisse. E que se não aceitasse, eu entenderia e não ficaria chateada.- Ele bateu em você? – Pedro me surpreendeu com a pergunta.Demorei um tempo a responder:- Doeu mais o que ele fez com a minha mente... E a alma. – Abaixei a cabeça.- Por que permitiu?- Porque desde que nasci eu vivi criticando a minha mãe. Então o destino talvez tenha decidido que eu tinha que estar no lugar dela um pouco... Para que entendesse que há coisas que não tem explicação.- Por que nunca me deu uma explicação? Por que virou as costas e foi embora como se eu não significasse nada para você? Me traía com ele?- Eu lhe dei uma explicação, embora nã
- Não quero que fuja novamente, Clara. Arranjarei uma forma de livrá-la disto tudo. Vamos ter que alegar legítima defesa e terá que falar tudo que Patrick fez. Precisa denunciá-lo.Eu ri:- Isso vai contra seus princípios... E não quero mudar isso, Pedro. Me indique um bom advogado. Eu fugiria, como sempre... Mas fico em dúvida entre ir e cuidar de Flora.- Eu cuidarei de Flora.- Isso significa que quer que eu vá?- Não... Não quero que fuja. Pela primeira vez na vida, lute pelo que acredita.- E acha que acredito que alguma coisa acontecerá com Patrick? – eu ri – Ele é intocável.- Não em Noriah Norte. Não comigo como juiz.Levantei e peguei minha bolsa. Retirei de dentro da carteira a foto dele, que eu carregava desde que a resgatei da lareira de Patrick, quando morava ainda num morro que pertencia a Gold Coast, na Austrália.A imagem impressa estava gasta e manchada das vezes que Patrick jogava combustível sobre minhas lembranças, ameaçando queimá-las.Entreguei-lhe a foto.- A fo
- Por Deus, Clara... Acorde! – Ouvi a voz ao longe me chamando, enquanto alguém balançava minha cabeça.Tentei falar, mas minha voz não saía e eu não conseguia abrir os olhos. Minha respiração estava acelerada e parecia que o coração batia a ponto de saltar para fora do peito.Senti meu corpo ser erguido, ainda dolorido. Abri os olhos e deparei-me com Patrick. O som estridente dos fogos de artifício coloridos iluminavam o céu.- Não... Não pode ser. Viemos juntos para o inferno? Eu nem fui tão ruim assim. E se eu fui, você deveria estar abaixo do inferno... – A dor não era nada em meio à tantas coisas que eu tinha para dizer a Patrick.- Inferno? – Ele ficou confuso.- Para onde está me levando, seu psicopata?- Psicopata? – Parou de andar comigo ainda em seus braços.Olhei para o lado e vi o mar.- Você... Me trouxe para Gold Coast? – Balancei a cabeça, atordoada.- Gold Coast?- Só sabe me imitar agora? – eu ri, sentindo dor na barriga, tocando-a e fazendo careta – Claro que sim...
Parei, disposta a ficar observando-o por uma, duas, três horas, dias, meses, anos...Dei um passo e ele deu outro. Estávamos a uma curta distância, no meio da rua. Nossos olhos se encontraram e senti uma forte pontada na cabeça, fazendo-me gemer de dor.- O que houve? – Ele diminuiu a distância entre nós – Você está molhada... E... Com cara de dor.- Minha cabeça está doendo muito... – Confessei.- Meu Deus! – Ele me abraçou – Achei que tinha fugido, Clara!O afastei e sorri:- Eu fugi... Me perdoe. Mas nunca mais farei isto, Pedro. Não devia tê-lo deixado para trás, sozinho.- Bem... Me deixou sozinho por 15 minutos – olhou no relógio e sorriu – Me deve a virada do ano.Toquei sua boca levemente inchada, já sem o sangue.- Meu pai... – Fiquei em dúvida do que realmente tinha acontecido, já que minha cabeça doía e eu tinha alguns flashes estranhos com Patrick, a mãe dele, Austrália e Artemis, como se realmente estivesse vivido aquilo, embora imaginasse que foi só um sonho.- Seu pai c
POV Patrick“Não, na verdade é agora eu lhe digo que você é um filho da puta protegido pela mãe que não tem voz nem vez. Não sabe tomar decisões e se continuar se escondendo atrás da saia dela será um otário, perdedor a vida inteira. Dinheiro não traz felicidade... E você ama o surf, ama estar sozinho, ama a sua vida rodeada de mulheres, sem compromisso algum.”Fiquei martelando na cabeça as palavras ditas por Clara Versiani, enquanto olhava para o mar, os fogos de artifício ainda colorindo o céu escuro com o mar abaixo dele.Retirei meu calçado e fui andando até encontrar as primeiras ondas. Contei até a sétima e fiquei ali, torcendo para que tivesse um ano cheio de prosperidade e sonhos realizados.Mas qual era o meu sonho? O meu maior sonho era ser reconhecido no surf, o esporte ao qual eu tanto me dedicava.Desde cedo comecei a surfar, inicialmente com a prancha de morey buggy, onde aprendi a remar contra as ondas. Depois meu pai me deu a primeira funboard amarela que adesivei por
- Escolha uma que conhece ao menos... Não é preciso escolher uma estranha.- Mãe, eu não casarei.- Não pode abrir mão da nossa herança.- Não era “nossa”, mãe. Era minha. Se tia Dorinha quisesse que você ficasse com o dinheiro, deixaria seu nome no testamento. E talvez até pedisse que a senhora casasse com um desconhecido. Sei que não pensaria duas vezes para pôr a mão na grana. Mas eu não farei.Levantei e fui para o meu quarto. Ela pegou meu braço, apertando-o com força a ponto de machucar. Agora as lágrimas escorriam pelo seu rosto:- Você não vai viver da porra do esporte. Já vai fazer 30 anos. Será que não entende que é velho demais para isso?- Kelly Slater tem 27. E em 1998 chegou ao pentacampeonato. Posso não ser mais tão jovem... Mas também não tão velho. Sou bom no que faço. – Pisquei o olho e puxei com força meu braço que estava em poder dela.Fui para o meu quarto e comecei a botar minhas coisas numa mochila.- Onde pensa que vai? – Ela gritou.- Irei embora.- Embora? Pe
- Ana Carolina – ele respondeu de forma debochada – Nininha... Ana... Aninha... Ou simplesmente Nina, como ela preferia ser chamada.- Você sempre soube quem eu era! – Fiquei pasmo.- Acha que sou idiota, Pedro Moratti? Quantos Moratti você acha que existem em Laranjeiras?- Por que nunca disse nada? – Clara perguntou, atordoada.- Ana? – Josephine balançou a cabeça, com os olhos lacrimejando – A mãe de Pedro era a Ana?- Sim... Tudo leva a crer que meu pai era o amante da mãe de Pedro... E estava ao volante do carro quando houve o acidente. – Clara explicou.Josephine me olhou, com o semblante entristecido, dando para perceber a dor em seus olhos:- Eu sinto muito, Pedro.- Não, não sinta... – falei enquanto soltava Joaquim, que caiu na calçada – Você não tem culpa de nada, Josephine.- Vai fazer o que, moleque? Comer a minha filha para se vingar? – Joaquim continuou provocando.- Você foi o responsável pela morte da minha mãe. – Falei olhando em seus olhos, como desejei a vida intei
POV ClaraAbril de 2002.Eu estava sentada na poltrona ao lado da mesa de telefone, vendo a enorme quantidade de caixas para organizar. Nunca imaginei que fazer uma mudança de casa dava tanto trabalho. Estava cansada e enjoada e decidi dar uma pausa. Minha vida tinha virado literalmente do avesso, em todos os sentidos.Liguei para Renan:- Olá, irmão preferido. Como está?Ouvi o som da risada dele do outro lado da linha:- Ainda achando que você casar aos 22 anos é uma loucura.- Na minha opinião loucura é sair pelo mundo sem voltar por anos, abandonando uma família que o ama.- Vamos voltar este assunto?- Enquanto eu estiver viva, sim. E como a possibilidade de eu morrer nos próximos sete meses é praticamente nula, terá uns bons meses para me convencer a desistir de tentar fazê-lo voltar.- Como assim sete meses? Aconteceu alguma coisa? Você não está bem?- Se eu não estivesse, você voltaria, independente do raio de lugar onde esteja?- Clara, não brinque comigo!Respirei fundo. Não