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Noite dos Sorrisos

A noite havia recaído sob a cabeça de Amber que lia em sua escrivaninha o livro "Alice no país das maravilhas" de Louis Carrol, sua mãe Elizabeth ainda não havia chegado e tampouco seu irmão Ber. E era assim que Amber passava seu tempo livre, se prendia sobre as teias soltas da literatura.

– Nossa como é instigante o gato que tem a capacidade de evaporar e desaparecer acho que já vi um sorriso assim antes! Habilidades fantasiosas como esta seriam muito úteis no nosso dia a dia.

As vezes Amber inseria contextos fantásticos no mundo real. Obviamente de brincadeira, mas seria interessante se suas invenções pudessem andar por aí, e claro, se todos os visse.

Amber achava os livros da saga de Alice fascinantes isto porque retratavam universos paralelos, em sua maioria as resoluções vinham de algo completamente sem sentido. Mas o que a deixava mais familiarizada era o gato de sorriso debochado, ele evaporava, criava o caos e saia de fininho sem nem ser culpado por jogar um contra o outro.

Seu jeito sarcástico era único, mas ela garantia que já havia o visto por aí onde não lembrava só lhe era familiar. Talvez porque lesse demais! Faria sentido que as estórias estivessem se misturando em sua mente. Talvez fosse isso. Não! Definitivamente o sorriso debochado vinha de alguém. Mas quem era ela não conseguia lembrar. Era como se conhecesse esse alguém há muito tempo atrás, mas não se recordasse dele mais.

São tantas pessoas que vem e vão ao indo e vindo infinito que às vezes não nos lembramos de pessoas que desempenharam um papel considerável em nossas vidas. Amber sentia-se assim. Como se tivesse apagado alguém importante de sua memória. Mas quem afinal? As pessoas importantes para ela eram sua mãe, irmão, seus falecidos pai e avô materno e claro Mary sua melhor amiga que sempre que podia a visitava. Então de quem esquecera? Talvez só estivesse vendo um padrão ou rosto que imaginava. Isso poderia ser mais comum do que pensava. Mas a familiaridade daqueles contornos imaginários que projetava não encaixava em fantasia, mas em pura e real memória.

De fato, conhecia alguém assim. Quase o via projetado em reflexo ao gato, como se sobrepusesse a imagem. Pensava ela absorta na idéia de que sorrisos assim são reais. Ela fechou os olhos por um instante e quando os abriu novamente viu uma criatura pálida e com os cabelos brancos, tão sorridente de orelha a orelha seus lábios vermelhos como sangue contrastavam em seu rosto.

Ele estava com roupas finas e antigas, um terno branco, ele olhava fixamente para Amber se esticando na escrivaninha a qual estava sobre. Ele era estranho até para uma assombração, parecia atrasado, perdido, e deslocado sob o tempo e espaço, mesmo diante a tudo isto contrastava uma vida jovem e luxuosa, porém interrompida.

Seu sorriso era obrigatório, amedrontador, perturbador, mas sob tudo isso seu olhar era de gratidão, pelo quê, nem Amber ainda sabia. Não haveria o que saber naquele momento. Desde mais cedo já havia sentido um arrepio e uma presença estranha, mas agora era diferente, pois o via límpido em sua frente.

Nunca havia visto nada tão amedrontador nem tanto familiar como este ser lhe era. Podia-se se sentir temerosa, mas suas feições não eram novidade e sim formatos familiares. O ser que a muito imaginava era ele. E agora estava em sua frente como uma invenção que se torna realidade e se apresenta ao seu criador.

De sua boca não se conseguia sair nada. Nem grito, berro ou sussurro poderia soar claro por suas cordas vocais bloqueadas de medo. Ele a olhava, ela o olhava, um devolvendo o olhar para o outro de forma fixa e hipnotizante, não dava para se ter uma noção do que o ser era nem qual intenção tinha, mas não poderiam ser boas, pensava a jovem.

Amber não conseguia dizer absolutamente nada. O ser deu uma grande gargalhada e saltou sob os ombros da jovem, já no teto o ser mergulhou em trevas involucras e desapareceu.

Amber ainda esperava um silêncio dentro de si para poder se recompor, parar de chorar. Mas estava tão angustiada que seu choro parecia ser a única voz de sua cabeça. Era de fato uma infeliz contraria ver algo que não se deveria ver. Quem acreditaria do fundo de suas almas que coisas assim são reais? Dizem por aí que a genialidade beira a loucura, então devemos temê-la quando não somos geniais. Amber não se sentia genial e esse era seu fato mais amedrontador. Odiava recordar-se de sua mãe dizendo; isso é coisa da sua cabeça!

Quando seu irmão chegou ela desceu rapidamente as escadas, o cumprimentou, e logo sua mãe chegou respectivamente, jantaram em silêncio, pois não tinham como conversar. Se não fosse pela face eram meros estranhos uns dos outros. Em algum momento perderam a conexão um para com o outro. Havia um muro ou trincheira que os separavam do entendimento.

Amber tivera sempre conflitos de interesse com sua mãe e por dera era adolescente e quase nunca concordava com a suposta mente atrasada que as mães têm! Porém teria de ter essa conversa com sua mãe e seu irmão. Afinal dizem que o diálogo é a solução para qualquer problema. Ou talvez não seja.

Amber terminou primeiro, levou o prato para a pia e preparava-se para dizer algumas palavras – Eu vi algo hoje mais cedo – Disse desconfiada, pois sua mãe não acreditava nestas coisas.

– O que você viu – Disse a sua mãe direta e crua numa entonação seca e sem paciência.

– Parecia um alguém em sombras no meu quarto com um sorriso que parecia ser debochado...

E sua mãe respondeu – Aonde você quer chegar com isso? Enlouqueceu filha não há nada assim, nem aqui nem em lugar algum – E continuou – Não se lembra do incidente na casa de minha mãe? Você deveria parar de ver os filmes do Tim Burton estão Te deixando maluca!

– Não estou maluca – E completou – Foi um erro meu contar a você.

– Calma mãe. Irei com ela ver o quarto – Disse Ber tentando tirar o foco da conversa e evitar uma discussão.

Já no quarto...

– Viu Amber não há nada! Você deve ter imaginado às vezes o escuro nos prega peças.

– Pode ser tava lendo a Alice só com a lampada da mesinha e é uma história excêntrica – Disse ela em concordância para não gerar discussões. Embora soubesse que nada do que dissera fazia sentido, a mentira parecia melhor para a situação, pensando bem se não tivesse contado nada à sua mãe teria evitado tudo. – Omissão um, verdade zero! Comece logo a omitir as coisas sua besta! – disse a si mesma, repensando seus fracassos contínuos.

– Mais do que excêntrica, se cuida guria. E não pare de ver seus filmes e ler seus livros, também gosto deles. Como é o nome daquele filme que passa na sessão da tarde? Os fantasmas se divertem?

– Eu vou continuar pode deixar – Disse num clique seco sem sequer complementar.

Ber saiu do quarto e Amber preparava-se para dormir, pegou seu cobertor favorito vestiu uma camisola bege e adormeceu com o rosto no travesseiro, pois não queria olhar para o teto de seu quarto. Tinha medo de ver uma mancha negra e o ser sorridente emergindo dela trajando suas roupas antigas e seus cabelos loiro-descoloridos, Amber tinha dúvidas se a assombração poderia ser de um garoto albino, talvez.

Simplesmente aceitava a incompreensão, para ela era algo rotineiro, não lhe era dada a confiança diante de fatos como esse.

Tudo no quarto a fazia lembrar-se do caminhante noturno. Nessas horas era melhor fechar os olhos para o que a rodeava, e deixar as coisas simplesmente onde estavam. Pensava ela, pedindo para que tudo que vira durante todos os anos ser mera loucura.



N.T: Louis Carrol é um escritor, é o autor de Alice no país das maravilhas e Alice através do espelho.

N.T: Caminhante noturno é uma canção da banda de rock Os mutantes.

N.T: Tim Burton é um diretor, escritor e produtor norte-americano responsável por diversos filmes de sucesso que sempre carregam uma fotografia e um visual sombrio ou gótico.

N.T: Beatlejuice ou os fantasmas se divertem (no Brasil) é um filme escrito e dirigido por Tim Burton.

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