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Amber
Amber
Por: Terry N S de Moura
Fragmentos do Diário

28 de março de 1997...

– Querido diário adoraria saber o porquê de chover tanto hoje, aqui em Granada quase não chove, apesar do Frio rotineiro dos pampas. Parece até que a natureza se voltou contra nós meros seres humanos. Já faz dois dias que chove sem parar, era tão bom se ela cessase – Estava escrito no primeiro parágrafo de uma das páginas do diário de Amber.

Havia escrito noite passada, antes de cair-se no mais profundo sono.

Olhou o despertador que tilintava o alarme das seis da manhã. O atingiu com toda a força das mãos.

– A hora não me importa no momento, estou só em meu quarto e ainda é manhã. Posso descansar mais um pouco antes de ir para a escola. Seis da manhã que nada, Ber e Elizabeth que tomem café da manhã sem mim, isso se Ber acordar. – Foi o que viera a seguir dos parágrafos.

Redondamente enganada estava Amber, pois não teria mais paz e tampouco liberdade para continuar por mais alguns minutos em seus sonhos.

Sua mãe entrou no quarto e num tom enérgico e rigoroso falou – Amber ainda está na cama há esta hora – Disse como se já soubesse a resposta.

– Onde deveria estar? Não tenho o que fazer aqui nessa cidade, estou de saco cheio! Nem dormir eu posso? – Disse a jovem em tom mal-humorado e sonolenta para sua mãe.

– Eu tentei filha, mas você não me ouve mais, além do que você não tem saco para eu estar enchendo! Então levante, pois estou indo trabalhar e sei que se não acordar agora perderá o ônibus da escola. Até mais tarde. – Então a porta é fechada lentamente.

– Como se não a conhece, tudo que Elizabeth quer é dizer que é uma boa mãe, mas quando tento conversar com ela o que ganho é ser chamada de estranha – Pensava Amber na teia de pensamentos ainda sonolentos.

Amber vivia a ver coisas estranhas, talvez desde pequenina visse. Uma vez saira de férias para visitar sua avó que morava numa casa de campo e ao andar pelos pastos viu seu avô montado no sanchopança o cavalo que estava desaparecido.

A questão é que seu avô já havia falecido há um ano. Fora chamada de várias coisas menos de verdadeira. Todos sabem que em momentos como esse é muito difícil acreditar no improvável. Ainda mais o improvável sendo o que era. E sanchopança não ajudou nem um pouco, pois apareceu depois como se nada houvesse acontecido. Segundo a jovem seu avô havia o trazido, novamente recebeu puxões de orelha.

...

– Finalmente tive coragem de sair da cama, fui direto para a cozinha para comer algo, e que estranho tão cedo e Bernardo já estava de pé. Ber é meu irmão mais velho, desde a morte de nosso pai há sete anos ele é a única figura masculina da casa e rezo para que continue assim. – Aparecera em seguida na folha de fichário presa ao caderno. Frase esta do diário de Amber, ao qual nunca havia sido visto por ninguém. Nem mesmo por sua melhor amiga ou irmão. Ninguém tinha permissão para dissecar o conteúdo que lá havia.

Era cheio de fragmentos, comentários assíduos sobre pessoas que conhecia além de confissões não tão tolas assim.

– Amber já acordou – Disse seu irmão em tom de surpresa, pois a jovem nunca levantava sem ser sacolejada.

– Já! A chata me acordou antes de ir para o trabalho e não consegui pegar no sono de novo.

De fato, sua mãe havia a acordado, mas não era esse o motivo de sua saída repentina.

Na realidade sua mãe a chamou, mas ela voltou a deitar-se na cama, foi neste momento que havia sentido um arrepio em seu quarto e por ser sensitiva saiu de lá correndo com medo de que visse algo sobrenatural.

– Ela não é chata Amber, só é ocupada, você já tem dezesseis anos, entende como o mundo funciona – Disse o irmão dela trazendo-a de volta para o presente.

– Ela não conversa comigo, não é como você, quando vou dizer algo que sinto ou o que penso, ela se afasta. Como convivo com alguém assim? Lembra-se da vez na casa da nossa avó?

– Dê tempo a ela! Além do que isso foi há muito tempo, você tinha doze anos. Em todo caso ela queria acabar com sua fantasia, você havia perdido nosso pai e o nosso avô ela fez o que considerou certo. Agora me dê licença mocinha que não ganho nada se não for trabalhar.

Ele pega um casaco e o guarda-chuva e cruza a porta em direção à rua.

– É estranho ver meus familiares tão vigorosos ao fazerem algo, numa determinação que chega a ser sobrenatural e eu aqui, sem graça esperando a hora de ir à escola. Não que não goste de aprender, mas às vezes a companhia dos colegas de sala acaba com qualquer vontade, principalmente quando é negativa. Samantha aquela nojenta! Minha colega de sala que sai com todos os meninos. Tão superficial e ainda se acha melhor que qualquer outra garota. Talvez toda piranha se considere um alguém de bom gosto e muito, mas muito santa!

– Agora resolveu rivalizar comigo vê se pode. Como se fosse me rebaixar batendo nela. Se bem que ela mereceria. Uma vez derrubou calda em mim no intervalo e tive de assistir aula com a blusa suja. Claro que ela fez de propósito. – Estava assidua a ponto de cospir veneno em Samantha se a vise naquele momento em questão.

Finalmente o ônibus chega e para em frente a sua casa, como sempre dois minutos para as sete, chega à escola às sete e dez. Vez ou outra o ônibus enguiçava no meio do caminho, mas Amnesty sabia resolver problemas como esse.

Ela levantava o latão do ônibus, dava uma tragada no cigarro, mexia em alguma coisa, assoprava a fumaça com o canto da boca e logo dava partida novamente no ônibus. Sem sequer amassar seus lindos cachos de cabelo.

Amber achava Amnesty estimulante. Claro que ela era uma vírgula entre vários pontos, Amnesty era malvista por vários moradores conservadores. Primeiro por ser uma mulher independente e segundo, por dirigir o ônibus escolar. Isto sem mencionar o fato de Amnesty ser fumante. Mesmo que tentasse evitar os cigarros no serviço era impossível esconder seu vício de toda a população. Por isso todos sabiam que ela tragava ao fumo.

Vários pais já haviam ido a escola se queixar, alegando que uma influência negativa como a dela seria desestimulante para as meninas. O diretor a adorava. Talvez fosse esse o motivo para não levar a sério as reclamações dos pais. Muito ao contrário disto, na realidade o diretor achava que ela trazia um espírito de independência ao qual deveria ser seguido pelas meninas.

Havia várias especulações a respeito dela, mas tudo que se sabia era que ela era de Gramado, e veio morar com a avó em Granada, isso já fazia quatro anos. Há três anos trabalha na escola, como motorista e auxiliar de serviços gerais.

Algumas maldosas como Samantha falavam que ela e o diretor se encontravam no quarto de limpeza. O que poderia muito bem ser uma verdade para qualquer um que não conhecesse Amnesty, mas para quem convivia com ela nunca ouviriam ofensa maior.O que se ocorre é que pessoas na maioria das vezes são maldosas e nem sequer se dão conta disso, para Amber, por exemplo, Amnesty seria incapaz de se envolver com um gordo careca que não tem dinheiro!

Amber saiu de dentro de sua casa com o barulho da buzina do ônibus escolar a qual havia sido apelidado de “amarinete” devido à tosca cor amarela-mostarda que era o automóvel e mais velho que aquela lataria seria somente um camburão da segunda guerra-mundial.

Amber teria entrado logo no ônibus se não fosse pela visão mais louca que já tivera de estar sendo desenrolada ali mesmo naquele momento.

Um velho matusquela cortava a grama do vizinho vestido de cowboy, Amber coçou os olhos e tornou a olhar, o velhinho estava lá. Ela passou direto de seu ônibus em direção ao gramado do vizinho lunatizada na imagem.

O velho balançava a estrela de xerife no peitoral do casaco que recobria seu corpo magricelo com suas mãos, em seguida se ouviu a buzina do ônibus. Amber virou e olhou para Amnesty em seguida tornou a fitar o velho, mas para sua surpresa ele havia desaparecido.

Aparentemente Amnesty estava com o prazo apertado e não queria que Amber se demorasse. Dava para notar em seu rosto rubro e seus lábios crispados como que engolisse insultos, possivelmente Amnesty estava tendo um dia ruim.

Então Amber deu as costas para a casa do vizinho e andou em direção ao ônibus que estava parado na estrada que separa sua casa da casa-vizinha.

Coisas como essa aconteciam o tempo todo. Às vezes como se fosse um sonho, outras como devaneio e outras como brincadeira. Sim, brincadeira! Uma vez Amber arrumou uma amiga ainda quando pequena. E para sua surpresa ela desaparecia diante de estranhos, com uma timidez intrigante. Todos achavam que Amber havia criado uma amiga imaginária inclusive seu irmão Bernardo.

Mas ela sabia que a menina era real. Achou que estava amalucada quando se viu maior, e a menina, porém ainda tinha um metro e quinze e a mesma fita azul no cabelo.

Foi então que se desvenciliou da menininha e nunca mais a viu. Mas sabia que ela estava em algum lugar por aí e que não era fruto de sua mente fértil. Como muitos pensavam. Simplesmente deveria haver diferentes formas de se viver, e nem todos poderiam ver seres que já partiram deste plano terreno.

– Coloquei o pé sob os degraus para entrar no automóvel e vi a motorista Amnesty com seus laços e faixas sob seu cabelo cacheado e ruivo, sob suas sardas um cigarro em sua boca que soltava fumaça por todo ônibus, dizem que ela tem esse nome por causa de um concerto de bandas. Eu discordo, é só uma coincidência. Ela só fumava Camel, se era pela marca ou para se sentir um camelo ambulante só ela mesma sabe. Queria ver o que aconteceria se o diretor a pegasse fumando em serviço, do jeito que as coisas são ela engoliria o cigarro e mascaria tudo! – Novamente havia acidez em seu diário mesmo que Amnesty fosse uma pessoa a quem admirasse. Não podia evitar tornara-se hábito criticar por ser criticada, às vezes se achava injusta por tais atos e vinha tentando corrigir isso já há algum tempo.

Se havia uma coisa que irritava o diretor era quem fumava em serviço ou em ambientes fechados. Nem seu carinho por Ambesty a tiraria de uma situação como esta. Ele dizia – JÁ FAZ MAIS DE QUINZE ANOS QUE É PROIBIDO FUMAR EM AMBIENTES FECHADOS! SE TIVER AMOR AO SEU TRABALHO CONTROLE-SE – Dizia batendo seus punhos contra a mesa. Ele era pioneiro em banir o fumo, não se via na escola tabaco tampouco substâncias proíbidas – Muito obrigado! – Ele dizia passando a mão na careca lustrosa, orgulhoso de si.

Neste momento o ônibus se aproximava da escola, já se podia ver o prédio acinzentado de um único andar que tinha um grande portão em forma de grade que separava o muro e o restante da propriedade. – Finalmente havia chegado até a escola. A chuvinha chata havia cessado, eu poderia ver Mary no intervalo e conversar um pouco. Pena que Mary não é da mesma sala que eu, também não haveria como, pois, ela é mais velha e se encontra uma série à frente. – Mary era a melhor amiga de Amber desde que havia entrado na escola, elas eram dois patinhos feios. Amigas entre si e inimigas das outras, ao menos era o que diziam as outras meninas. Viviam fazendo muxixos sobre elas – As estranhas que ouvem música doida! – Elas se aborreciam no começo, mas depois notaram que aquelas garotas eram vazias e os meninos que se interessavam por elas mais ainda.

Por isso Amber estava tão só, em sua sala ela só tinha um único amigo próximo, seu nome era Filipe. Um alguém que digamos era visível de longe com suas roupas antiquadas e seu jeito geek de ser.

Segundo os valentões, as pessoas como o Filipe eram reconhecíveis apenas pela forma de andar ou falar. Talvez porque ele tivesse o que eles não tinham os parafusos no lugar. Uma ótima pessoa segundo Amber, mas que sempre passava alguma vergonha. Não por sua culpa, mas sim dos outros que o deixavam constrangido com brincadeiras de mau gosto.

Ele sempre demonstrara ter uma queda por Amber. Embora a garota fosse sua amiga desde muito nova não passavam disso, amigos. Talvez o garoto quisesse ser algo mais. Pois demonstrava um olhar profundo para Amber. Como aqueles apaixonados em devaneio.

Amber nunca deixou claro que não o gostava desta maneira, pois nunca necessitou. O garoto sempre lhe foi muito educado e conveniente nas horas que conversavam, mas se precisasse lhe dizer algo do tipo saberia exatamente o que falar para não o magoar.

– Mary está no terceiro e eu no segundo ano, sinceramente não sei o que farei ano que vem sem ela por aqui o Filipe quebra o galho, mas não me entende. No intervalo lá estava eu num canto reservado conversando com Mary...

– Tem um aluno novo ele é da minha sala, todas as meninas falavam dele, não é daqueles nojentos e fedidos, pra mim era um daqueles agradáveis e fofos – Amber estava empolgada tanto que haverá falado até demais, tal tanto que Mary dava gargalhadas das gafes de sua amiga.

– Como meninas são bobas às vezes o rapaz nem sequer notou a garota e ela já fez juras de amor ao vento. Exatamente igual aos meninos que fantasiam com garotas que nem sequer sabem de sua existência sob a face da terra, é aquela típica maldição do "eu te quero, mas você não me quer". Não acredito que falei tal coisa para Mary. Ela nunca me deixará esquecer essa gafe.

A manhã havia passado rápido para Amber já era quase uma hora quando Amnesty e o ônibus haviam a deixado em casa. Ela iria retornar ao tédio e as sombras de seu quarto, ela não saia, não recebia visitas não era para menos que vivia estressada e cabisbaixa sob a película do seu destino.

N.T: Amnesty foram concertos de música beneficentes em prol de reverter em verba aos necessitados. Teve colaboração de bandas como o U2.

N.T: Camel é uma marca de cigarros. Também existe uma banda de rock progressivo com o mesmo nome. A banda é inglesa e ocupa um cargo Cult entre bandas do mesmo gênero que a sua como Yes e Caravan.

N.T: Xerife é um cargo ocupado por um policial chefe, assim como delegado.

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