O sol se escondia devagar por entre os galhos das árvores do sítio da minha tia Marta, tingindo o céu de tons alaranjados que pareciam saídos de uma pintura. Eu estava sentada na varanda de madeira, sentindo o cheiro da terra úmida que vinha depois da chuva da tarde. Era um lugar tranquilo, onde os sons da cidade não tinham vez, e tudo parecia suspenso no tempo.— Gosta de silêncio assim? — perguntou Marcio, sentado ao meu lado. Ele tinha uma maneira curiosa de falar, como se cada palavra fosse escolhida com cuidado.Olhei para ele, um pouco surpresa. Não esperava que ele quebrasse o silêncio.— Gosto. Me faz pensar melhor.Ele sorriu, um sorriso que me desconcertou. Marcio era o tipo de pessoa que parecia estar sempre em paz consigo mesmo. Talvez fosse o trabalho dele como veterinário, sempre lidando com animais, vidas simples e puras. Ou talvez fosse só ele mesmo, com aquele jeito tranquilo e firme que me fazia querer ficar mais tempo perto.— Pensar melhor? Sobre o quê?— Sobre tud
O parque chegou na cidade, e a novidade se espalhou mais rápido que fofoca em dia de feira. Eu estava empolgada, claro. Era o tipo de coisa que não acontecia todo dia naquele canto do interior. Assim que vi os brinquedos gigantes sendo montados na pracinha, corri para o sítio.— Tia Marta! Vamos ao parque hoje à noite? — perguntei, já cheia de expectativas.Ela levantou os olhos da costura, ajeitou os óculos na ponta do nariz e soltou um suspiro tão longo que quase me fez desistir.— Raila, eu não tenho mais idade pra essas coisas. Você acha que vou ficar rodopiando naqueles brinquedos? Minha coluna não aguenta.— Ah, tia! Nem precisa ir nos brinquedos, vai pela companhia. Vai ser divertido.— Divertido? Minha diversão é um chá quente e um capítulo da novela. Você pode ir sozinha, querida. Aproveite enquanto tem pique. — E voltou para a costura como quem encerra o assunto.Fiquei um pouco desapontada, mas a ideia de perder o parque não era uma opção. Então, me arrumei sozinha, coloque
Marcio MelloO vento fresco que soprava sob a varanda trazia o cheiro doce de terra molhada e flores-do-campo. A chuva tinha parado havia pouco tempo, e o céu ainda carregava tons de cinza, com alguns raios de sol ousando abrir caminho entre as nuvens. Eu estava sentado num banco de madeira envelhecida ao lado de Raila, observando o horizonte distante. O sítio da tia dela era um daqueles lugares que pareciam resistir ao tempo, com o som dos grilos e o canto dos pássaros preenchendo o silêncio.— Sabe, Raila. — comecei, com a voz mais baixa do que eu pretendia. — Eu nem sei por que tô falando disso, mas... já faz tempo que eu carrego umas coisas aqui dentro.Ela virou o rosto na minha direção, os olhos castanhos dela me encarando com uma curiosidade tranquila. Raila tinha aquele jeito de ouvir sem interromper, sem parecer apressada para responder. Era como se cada palavra tivesse peso.— Carrega o quê, Marcio? — perguntou, sem julgar, apenas querendo entender.Respirei fundo, sentindo
O sítio sempre teve um jeito de me puxar de volta, mesmo quando não havia motivo aparente. Desde que a vaca doente melhorou, eu poderia muito bem ter encerrado as visitas, mas algo mais forte me fazia pegar a estrada de terra e reaparecer por lá. Raila era a razão, mesmo que eu não dissesse em voz alta.Cheguei no fim da tarde, quando o sol tingia o céu com tons de laranja e rosa. O som dos galos e o cheiro de grama cortada criavam um cenário que parecia sempre o mesmo, mas nunca cansativo.— Já era hora de aparecer. — disse Raila, saindo da cozinha com um sorriso de canto. — Achei que tinha esquecido do caminho.— Esquecer? Difícil com o café que você faz. — respondi, rindo. O jeito como ela revirou os olhos me fez rir ainda mais.— Entra logo, antes que esfrie.Subi os degraus da varanda e a segui até a cozinha, onde a mesa estava pronta com bolo de cenoura e café fresco. Raila sempre dizia que era coincidência, mas eu sabia que ela fazia questão de ter algo preparado quando me via
Raila SalimA noite estava silenciosa, e a única luz que iluminava a sala era a fraca lâmpada sobre a mesa. Sentada ali, com a cabeça entre as mãos, eu sentia como se o peso do mundo estivesse sobre meus ombros. Naquela noite me bateu uma tristeza. Como eu tinha me deixado enganar por Miguel, aquele homem que um dia chamei de noivo, o homem que jurou me amar e ao qual entreguei a minha confiança e meu coração.Tudo o que ele fez... eu ainda não conseguia processar. Ele roubou tudo o que eu construí, destruiu minha vida sem ao menos olhar para trás. E o pior de tudo era que, até agora, não havia provas suficientes para colocá-lo atrás das grades. Não tinha como provar que ele forjou a minha assinatura, que ele arquitetou toda aquela farsa. O processo estava parado, a investigação estagnada. Cada dia que passava parecia que a esperança se esvaía um pouco mais.— Não é justo. — murmurei para mim mesma, olhando para o vazio. — Eu sei o que ele fez, mas ninguém parece acreditar. Não tem co
Marcio MelloEra uma tarde quente, o sol já começava a se despedir, lançando uma luz suave sobre o campo. Eu estava no sítio de novo, mas algo estava diferente. Raila, que sempre tinha um sorriso fácil, parecia distante, pensativa. Seu olhar estava perdido em algum lugar, como se estivesse longe de tudo ao seu redor. Percebi isso imediatamente, como se houvesse algo em sua energia que havia mudado, e embora eu fosse um tanto reticente, não podia simplesmente ignorar.— Ei, Raila. — falei, tentando parecer despreocupado, mas o tom da minha voz traía o que eu realmente estava sentindo. Queria saber o que se passava, mas não me atrevia a perguntar diretamente. Em vez disso, puxei uma conversa qualquer. — O dia está tão bonito, não acha?Ela olhou para mim por um momento, um breve sorriso esboçado, mas os olhos continuavam sem brilho. Isso me incomodou, mas não quis forçar. Decidi fazer algo mais, talvez levá-la a se distrair, a esquecer o que a estava afligindo.Comecei a falar sobre coi
Raila SalimEra uma manhã ensolarada no sítio, e eu estava de calça jeans, botas e uma blusa velha que minha tia Marta insistiu que eu usasse. "Pra não estragar roupa boa, menina!" ela disse, com aquele tom de autoridade que só tias têm. A missão do dia era alimentar os porcos. Não era exatamente o que eu chamaria de "programa ideal", mas eu estava animada. Afinal, quando você está no sítio, tudo vira aventura.Minha tia liderava o caminho com um balde cheio de comida para os porcos. Eu a seguia com outro balde, mais pesado do que eu imaginava. Os porcos já estavam fazendo a maior algazarra no cercado, como se soubessem que o almoço estava a caminho.— Esses bichos comem mais que o meu pai! — comentei, tentando equilibrar o balde sem cair.Ela soltou uma gargalhada. — E fazem menos sujeira que ele, se quer saber!Chegamos ao cercado, e os porcos começaram a grunhir ainda mais alto. Eles se amontoaram perto da cerca, empurrando uns aos outros como se fosse Black Friday. Minha tia abri
Sentei no sofá da sala com o coração pesado, segurando uma caneca de chá que tia Marta havia feito para mim. Ela estava sentada na poltrona de frente, com aquele olhar acolhedor que só ela tinha. Ela era minha confidente, mas, dessa vez, parecia que nem as palavras queriam sair. Eu olhava para o chão, tentando organizar meus pensamentos, enquanto ela esperava pacientemente.— Você está me preocupando, Raila. O que está acontecendo? — perguntou tia Marta, com a voz firme, mas carinhosa.Respirei fundo, tentando juntar coragem. Meu peito parecia estar cheio de pedras.— É sobre o Marcio... — murmurei, quase em um sussurro.Ela arqueou uma sobrancelha e inclinou-se um pouco para frente, como se quisesse ouvir melhor.— Marcio? O que tem ele? Vocês brigaram?Balancei a cabeça, negando. Na verdade, o problema era o oposto. A confusão estava dentro de mim, e não sabia como lidar com isso. Apertei a caneca em minhas mãos, sentindo o calor atravessar a cerâmica, e finalmente soltei:— Eu acho