Sentei no sofá da sala com o coração pesado, segurando uma caneca de chá que tia Marta havia feito para mim. Ela estava sentada na poltrona de frente, com aquele olhar acolhedor que só ela tinha. Ela era minha confidente, mas, dessa vez, parecia que nem as palavras queriam sair. Eu olhava para o chão, tentando organizar meus pensamentos, enquanto ela esperava pacientemente.— Você está me preocupando, Raila. O que está acontecendo? — perguntou tia Marta, com a voz firme, mas carinhosa.Respirei fundo, tentando juntar coragem. Meu peito parecia estar cheio de pedras.— É sobre o Marcio... — murmurei, quase em um sussurro.Ela arqueou uma sobrancelha e inclinou-se um pouco para frente, como se quisesse ouvir melhor.— Marcio? O que tem ele? Vocês brigaram?Balancei a cabeça, negando. Na verdade, o problema era o oposto. A confusão estava dentro de mim, e não sabia como lidar com isso. Apertei a caneca em minhas mãos, sentindo o calor atravessar a cerâmica, e finalmente soltei:— Eu acho
Eu estava ansiosa, esperando ansiosamente pela oportunidade de conversar finalmente com o Marcio. Eu sabia que aquele momento seria importante para mim, para nós. De manhã não tinha feito quase nada direito no sítio por causa de toda minha ansiedade e durante toda a tarde, me peguei imaginando o que diria, como começaria, o que ele pensaria de mim. Mas quando finalmente consegui ligar para ele, a resposta não foi o que eu esperava.— Alô? — a voz dele do outro lado da linha me soou distante, como se já estivesse em outro lugar.— Oi, Marcio. É a Raila. Eu queria te convidar para conversar, dar uma passada aqui no sítio, se você puder. — minha voz saiu mais hesitante do que eu gostaria, mas a ansiedade me fez perder o controle.— Olá, Raila! Que bom receber sua ligação. Mas, olha, eu não estou na cidade agora. Precisei viajar para a cidade vizinha. Assim que eu voltar, vou te ver, pode deixar, vou até o sítio, a gente se encontra e conversa com calma. — ele falou com tanta naturalidade
Marcio MelloA noite estava tranquila. O céu limpo, com as estrelas brilhando como se quisessem testemunhar o momento que se desenrolava. A brisa suave parecia beijar a pele, e o som das árvores balançando ao vento dava um toque de serenidade ao lugar. O sítio, com seus contornos conhecidos, nunca me pareceu tão diferente. Nunca imaginei que uma noite simples pudesse se transformar em algo tão marcante.Eu estava ali, parado, olhando para o horizonte, tentando processar tudo o que havia acontecido durante a viagem. Bom, não consegui não ir diretamente para o sítio encontrar Raila, confesso que estava com saudades dela. Mesmo exausto de ter acabado de chegar de viagem e ido diretamente para o sítio, estava empolgado. Quando Raila se aproximou, algo mudou. Eu podia sentir sua presença antes mesmo de ouvir seus passos. Ela tinha essa forma de ocupar o espaço, quase como se a terra ao redor se curvasse para recebê-la. Respirei fundo e soltei um suspiro inesperado, seguido de um largo sor
Raila SalimAcordei naquela manhã com o coração acelerado. O que aconteceu com Marcio na noite passada ainda estava fresco na minha mente, como se fosse um sonho. Eu tentei ignorar, tentar deixar o peso das palavras não ditas e daquilo que não foi falado ocupar menos espaço, mas não conseguia. O beijo... aquela sensação de estar completamente perdida entre o que o corpo queria e o que a razão dizia ser certo. Não sei o que aconteceu, mas não podia ignorar. Foi real. E agora eu tinha que lidar com as consequências.Saí do meu quarto e entrei na cozinha onde minha tia Marta estava, sentada à mesa, tomando seu café. Ela me olhou com um sorriso, como sempre fazia, e um tipo de carinho que só uma tia pode ter. Mas hoje o sorriso dela me parecia diferente, como se ela soubesse que algo havia mudado. E talvez soubesse mesmo.— O que aconteceu ontem, minha filha? — ela perguntou, com uma doçura imensa na voz.Eu hesitei. O que eu diria? Eu tinha que contar. Ela era minha tia, minha amiga, a p
O sol já começava a se esconder atrás das montanhas quando ouvi um som de um carro parando no pátio de pedrinhas do sítio da minha tia. Era o investigador Antônio, ele tinha sido muito recomendado pela minha advogada e la estava ele pronto para me dizer algo. Desde que ele entrou no caso, ele vinha se mostrando mais do que um profissional atento: alguém preocupado com a verdade e com o impacto dela na minha vida. Caminhei até a varanda, o coração pesado. Algo me dizia que aquele encontro traria mais revelações, e nenhuma delas seria fácil de ouvir.— Raila, preciso conversar com você. — disse ele, assim que desceu do carro. Sua expressão era séria, quase sombria. Ele segurava uma pasta de documentos, o que só reforçou minha sensação de que algo importante estava por vir.— Entre, por favor. A tia Marta está na cidade, estamos só nós dois.Conduzi-o à sala de estar, com um sofá de tecido floral e uma mesinha de centro onde repousava uma xícara de chá que eu não conseguira terminar. Sen
Entrei no consultório com o coração aos pedaços, sentindo como se tudo ao meu redor estivesse desmoronando. O ambiente tinha aquele cheiro característico de antisséptico misturado com ração. Vi Marcio organizando alguns papéis na recepção, com a atenção concentrada. Ele levantou os olhos quando percebeu minha presença.— Raila? O que aconteceu? — perguntou, franzindo a testa ao me ver completamente arrasada.Tentei responder, mas a voz ficou presa na garganta. Meu peito parecia comprimido, como se o ar não conseguisse entrar. As lágrimas começaram a escorrer antes mesmo de eu conseguir falar uma palavra. Marcio largou tudo o que estava fazendo e veio na minha direção.— Vem cá. — disse, abrindo os braços.Aceitei o gesto sem pensar, me jogando no abraço dele, como se fosse a única coisa sólida em um mundo que estava desabando. O calor do corpo dele era reconfortante, mas eu continuava tremendo.— Marcio... Eu não aguento mais. — murmurei, a voz embargada.Ele me segurava firme, enquan
Marcio Mello O sol estava se pondo quando convidei Raila para tomar sorvete na praça. Precisava de um momento tranquilo com ela, longe do turbilhão de pensamentos que parecia consumir sua mente nos últimos dias. Escolhi um banco sob a sombra de uma árvore grande, o lugar perfeito para observar o movimento sem sermos o centro das atenções.Ela segurava o sorvete como se fosse a coisa mais delicada do mundo, mas mal o provava. Eu sabia que algo a incomodava, mas não queria pressioná-la. Então, comecei a falar das coisas mais banais.— Você já reparou como o sorvete de baunilha daqui é melhor que o de qualquer outro lugar? — perguntei, tentando arrancar um sorriso dela.— É bom, sim — respondeu, mas o tom denunciava que sua mente estava longe.Respirei fundo, buscando outro assunto. Falei de um filme que vi recentemente, do cachorro da vizinha que sempre escapava, até da senhora da barraca de flores que jurava que as rosas tinham o poder de curar corações partidos. Ela ria de vez em qua
Raila SalimEstava na cozinha do sítio, o cheiro de comida caseira misturado com a terra molhada do lado de fora. A tia Marta mexia as panelas com cuidado, como sempre fazia, com aquele ritmo tranquilo de quem já tinha vivido muito e sabia como o tempo funcionava. Eu estava ali, ajudando sem muito ânimo, minha mente distante, tentando não pensar nas coisas que estavam me consumindo por dentro.— Raila, você tem andado tão distante, tão quieta. O que tem acontecido? — a voz dela era suave, mas havia uma preocupação ali, que eu não conseguia ignorar.Fiquei quieta por um momento, observando a panela na frente de mim. Aquelas palavras me atingiram de um jeito que eu não esperava. A tia Marta era como uma segunda mãe para mim, mas algo dentro de mim me dizia para não confiar nela. Eu a amava, mas a dúvida estava plantada em meu peito, e eu não sabia como arrancá-la.— Não é nada, tia. Acho que você está enganada. — a mentira saiu fácil, como se fosse uma defesa natural, um escudo para enc