Raila SalimEstava na cozinha do sítio, o cheiro de comida caseira misturado com a terra molhada do lado de fora. A tia Marta mexia as panelas com cuidado, como sempre fazia, com aquele ritmo tranquilo de quem já tinha vivido muito e sabia como o tempo funcionava. Eu estava ali, ajudando sem muito ânimo, minha mente distante, tentando não pensar nas coisas que estavam me consumindo por dentro.— Raila, você tem andado tão distante, tão quieta. O que tem acontecido? — a voz dela era suave, mas havia uma preocupação ali, que eu não conseguia ignorar.Fiquei quieta por um momento, observando a panela na frente de mim. Aquelas palavras me atingiram de um jeito que eu não esperava. A tia Marta era como uma segunda mãe para mim, mas algo dentro de mim me dizia para não confiar nela. Eu a amava, mas a dúvida estava plantada em meu peito, e eu não sabia como arrancá-la.— Não é nada, tia. Acho que você está enganada. — a mentira saiu fácil, como se fosse uma defesa natural, um escudo para enc
O sol estava forte, refletindo na água cristalina do rio que ficava ali, pertinho do sítio da Tia Marta. As árvores ao redor balançavam suavemente com o vento, e a paz do lugar parecia envolver tudo ao redor, como um abraço aconchegante. Eu e o Marcio nos olhávamos com aqueles olhos brilhando, sem pressa de nada. A água estava fria, mas a sensação era boa. Ele me puxou para mais perto, e não resisti.— Vamos nadar? — ele perguntou, com aquele sorriso travesso no rosto.Eu dei uma risadinha e concordei com a cabeça. Aquelas tardes estavam sendo as melhores. Meus pés tocaram a água e, antes que eu pudesse me dar conta, estava completamente dentro do rio. A correnteza leve me levava suavemente, mas eu me mantinha ali, nos braços do Marcio, que tinha um jeito de me fazer sentir segura, como se nada no mundo fosse mais importante. Ele me olhou de novo, com aquele olhar que me fazia derreter toda vez.— Não posso acreditar que estamos aqui juntos, Raila. Só nós dois em um paraíso como esse
A sala estava abafada no escritório do investigador, mesmo com a janela aberta. O investigador havia espalhado fotos, documentos e anotações sobre a mesa de madeira escura. Eu olhava tudo com a testa franzida, tentando encontrar uma falha, uma mentira, algo que me permitisse desmentir aquela narrativa absurda. Contudo, cada detalhe parecia se encaixar em um quebra-cabeça que eu não queria montar.— Não faz sentido. — murmurei, cruzando os braços. Meu tom era firme, mas minha voz tremia nas bordas. — Minha mãe nunca faria isso comigo. Ela sempre odiou o Miguel.O investigador Antônio, com os olhos cansados e barba por fazer, suspirou e se recostou na cadeira. Ele parecia exausto, mas determinado.— Raila, eu sei que isso é difícil de aceitar. Não estou aqui para te machucar, só para apresentar os fatos. — ele empurrou mais uma foto na minha direção. Era um registro claro da minha mãe entrando em um restaurante com Miguel, meu ex-noivo.Minha garganta apertou. Reconheci o vestido dela,
Quando voltei para minha cidade natal, eu sabia que não seria uma recepção calorosa. Minha mãe sempre teve um talento especial para me fazer sentir como uma estranha na minha própria casa muitas vezes. Ainda assim, eu precisava confrontá-la. O peso da traição e das mentiras que cercavam os últimos meses da minha vida me empurravam para isso.Quando cheguei à porta da casa, respirei fundo antes de bater. O cheiro familiar de madeira velha e flores murchas do jardim invadiu minhas narinas. Antes que eu pudesse pensar em desistir, a porta se abriu com um ranger alto. Lá estava ela, minha mãe, com o rosto endurecido pelo tempo e pela amargura.— O que você está fazendo aqui, Raila? — disse ela, com a voz seca e cheia de desdém. — Achei que tinha deixado bem claro que você não era bem-vinda.Eu engoli em seco, mas não recuei.— Também é um prazer te ver, mãe. Podemos conversar?Ela deu um passo para trás, cruzando os braços.— Não tenho nada pra falar com você. Você destruiu sua vida com s
O telefone tocava na mesinha ao lado da cama do pequeno quarto de hotel. Meu coração ainda estava acelerado. A conversa que tive com minha mãe fazia eco na minha mente como um trovão que se recusa a ir embora. Respirei fundo, peguei o celular e vi o nome de Marcio na tela. Atendi na terceira vibração.— Marcio, sou eu. — disse, tentando manter a voz firme, mas o peso da manhã transparecia.— Raila, você está bem? — a preocupação dele era evidente, o que só aumentava o nó que eu sentia no peito.— Eu... não sei. Confrontei minha mãe hoje cedo. Perguntei diretamente sobre ela ter se envolvido com o Miguel para me destruir, sabe? Não consegui guardar isso mais tempo.Houve um silêncio do outro lado. Por um instante, pensei que ele não tivesse entendido. Continuei, mesmo com a voz um pouco embargada.— Ela negou tudo, Marcio. Negou olhando nos meus olhos, como se eu fosse uma completa estranha. Como se a dor que isso causou em mim não importasse.Ele soltou uma respiração pesada, quase co
Estava na sala de conferências da empresa que era minha antes de ser roubada, o ambiente carregado de tensão. Todo mundo da empresa estava lá, os olhares curiosos sobre mim, aguardando o que eu tinha a dizer. Eu não podia mais esperar. A cada dia que passava, meu sangue fervia mais. Miguel, aquele homem que eu amei, que eu confiei, roubou tudo o que eu tinha. E agora era o momento da verdade.Não vou dizer que foi fácil entrar na empresa, porem, dei o meu jeitinho e entrei.— Quero que todos ouçam isso. — comecei, com a voz firme, mas com uma tensão crescente dentro de mim. Levantei um envelope na frente de todos. O silêncio na sala era tão denso que poderia ser cortado com uma faca. — Estas são as provas de que Miguel forjou a minha assinatura para roubar a minha empresa e minha casa.Miguel adentrou a sala com uma fúria quase que incontrolável. Ele não imaginava que eu tinha tudo planejado. As provas estavam em minhas mãos, e ele não teria como escapar dessa. Por mim ele poderia mor
— Ele foi pego, Raila. Está preso. — a voz do delegado soou firme, mas não havia qualquer resquício de piedade nela. Era como se ele soubesse o que aquilo significava para mim, e, de alguma forma, a satisfação de saber que Miguel finalmente pagaria pelos seus crimes parecia transbordar de suas palavras.Meu peito, que antes estava apertado como se houvesse algo se arrastando por dentro, de repente, se abriu. Eu não sabia ao certo se estava aliviada, grata ou apenas exausta de carregar a dor que ele causou. No entanto, o que eu sabia, o que eu sentia claramente, era que aquele momento de justiça havia chegado. Miguel não escaparia dessa vez. Não havia mais como ele mentir ou manipular a situação.— Como ele foi pego? — perguntei, a voz baixa, quase sussurrante. Eu precisava ouvir todos os detalhes, como se, de alguma forma, aquilo me libertasse ainda mais. Talvez fosse para dar um fechamento a todo esse pesadelo, para que eu finalmente pudesse respirar.O delegado fez uma pausa antes d
O tribunal estava frio, tanto na temperatura quanto na atmosfera. Eu estava sentada no banco reservado aos réus, embora não fosse eu quem estava sendo julgada. Aquele lugar, no entanto, parecia me condenar com cada minuto que passava. Meu advogado ao lado tentava me tranquilizar, mas sua mão no meu ombro era apenas um peso que me empurrava ainda mais para o fundo daquele abismo.Miguel estava sentado no banco das testemunhas, algemado, mas com uma expressão que me tirava o fôlego. Não era raiva, arrependimento ou medo. Era vazio. Como se ele já não fosse mais uma pessoa, mas apenas um corpo presente, entregando verdades que eu não estava preparada para ouvir.— Miguel, pode repetir o que disse? — perguntou o juiz, sua voz firme, mas cansada.Eu sabia o que ele diria. Eu sabia, mas não queria ouvir. Meu coração implorava para que ele estivesse mentindo, para que fosse um erro, um delírio da sua mente atormentada. Mas quando ele levantou os olhos, diretamente para mim, senti como se o m