Raila SalimAcordei naquela manhã com o coração acelerado. O que aconteceu com Marcio na noite passada ainda estava fresco na minha mente, como se fosse um sonho. Eu tentei ignorar, tentar deixar o peso das palavras não ditas e daquilo que não foi falado ocupar menos espaço, mas não conseguia. O beijo... aquela sensação de estar completamente perdida entre o que o corpo queria e o que a razão dizia ser certo. Não sei o que aconteceu, mas não podia ignorar. Foi real. E agora eu tinha que lidar com as consequências.Saí do meu quarto e entrei na cozinha onde minha tia Marta estava, sentada à mesa, tomando seu café. Ela me olhou com um sorriso, como sempre fazia, e um tipo de carinho que só uma tia pode ter. Mas hoje o sorriso dela me parecia diferente, como se ela soubesse que algo havia mudado. E talvez soubesse mesmo.— O que aconteceu ontem, minha filha? — ela perguntou, com uma doçura imensa na voz.Eu hesitei. O que eu diria? Eu tinha que contar. Ela era minha tia, minha amiga, a p
O sol já começava a se esconder atrás das montanhas quando ouvi um som de um carro parando no pátio de pedrinhas do sítio da minha tia. Era o investigador Antônio, ele tinha sido muito recomendado pela minha advogada e la estava ele pronto para me dizer algo. Desde que ele entrou no caso, ele vinha se mostrando mais do que um profissional atento: alguém preocupado com a verdade e com o impacto dela na minha vida. Caminhei até a varanda, o coração pesado. Algo me dizia que aquele encontro traria mais revelações, e nenhuma delas seria fácil de ouvir.— Raila, preciso conversar com você. — disse ele, assim que desceu do carro. Sua expressão era séria, quase sombria. Ele segurava uma pasta de documentos, o que só reforçou minha sensação de que algo importante estava por vir.— Entre, por favor. A tia Marta está na cidade, estamos só nós dois.Conduzi-o à sala de estar, com um sofá de tecido floral e uma mesinha de centro onde repousava uma xícara de chá que eu não conseguira terminar. Sen
Entrei no consultório com o coração aos pedaços, sentindo como se tudo ao meu redor estivesse desmoronando. O ambiente tinha aquele cheiro característico de antisséptico misturado com ração. Vi Marcio organizando alguns papéis na recepção, com a atenção concentrada. Ele levantou os olhos quando percebeu minha presença.— Raila? O que aconteceu? — perguntou, franzindo a testa ao me ver completamente arrasada.Tentei responder, mas a voz ficou presa na garganta. Meu peito parecia comprimido, como se o ar não conseguisse entrar. As lágrimas começaram a escorrer antes mesmo de eu conseguir falar uma palavra. Marcio largou tudo o que estava fazendo e veio na minha direção.— Vem cá. — disse, abrindo os braços.Aceitei o gesto sem pensar, me jogando no abraço dele, como se fosse a única coisa sólida em um mundo que estava desabando. O calor do corpo dele era reconfortante, mas eu continuava tremendo.— Marcio... Eu não aguento mais. — murmurei, a voz embargada.Ele me segurava firme, enquan
Marcio Mello O sol estava se pondo quando convidei Raila para tomar sorvete na praça. Precisava de um momento tranquilo com ela, longe do turbilhão de pensamentos que parecia consumir sua mente nos últimos dias. Escolhi um banco sob a sombra de uma árvore grande, o lugar perfeito para observar o movimento sem sermos o centro das atenções.Ela segurava o sorvete como se fosse a coisa mais delicada do mundo, mas mal o provava. Eu sabia que algo a incomodava, mas não queria pressioná-la. Então, comecei a falar das coisas mais banais.— Você já reparou como o sorvete de baunilha daqui é melhor que o de qualquer outro lugar? — perguntei, tentando arrancar um sorriso dela.— É bom, sim — respondeu, mas o tom denunciava que sua mente estava longe.Respirei fundo, buscando outro assunto. Falei de um filme que vi recentemente, do cachorro da vizinha que sempre escapava, até da senhora da barraca de flores que jurava que as rosas tinham o poder de curar corações partidos. Ela ria de vez em qua
Raila SalimEstava na cozinha do sítio, o cheiro de comida caseira misturado com a terra molhada do lado de fora. A tia Marta mexia as panelas com cuidado, como sempre fazia, com aquele ritmo tranquilo de quem já tinha vivido muito e sabia como o tempo funcionava. Eu estava ali, ajudando sem muito ânimo, minha mente distante, tentando não pensar nas coisas que estavam me consumindo por dentro.— Raila, você tem andado tão distante, tão quieta. O que tem acontecido? — a voz dela era suave, mas havia uma preocupação ali, que eu não conseguia ignorar.Fiquei quieta por um momento, observando a panela na frente de mim. Aquelas palavras me atingiram de um jeito que eu não esperava. A tia Marta era como uma segunda mãe para mim, mas algo dentro de mim me dizia para não confiar nela. Eu a amava, mas a dúvida estava plantada em meu peito, e eu não sabia como arrancá-la.— Não é nada, tia. Acho que você está enganada. — a mentira saiu fácil, como se fosse uma defesa natural, um escudo para enc
O sol estava forte, refletindo na água cristalina do rio que ficava ali, pertinho do sítio da Tia Marta. As árvores ao redor balançavam suavemente com o vento, e a paz do lugar parecia envolver tudo ao redor, como um abraço aconchegante. Eu e o Marcio nos olhávamos com aqueles olhos brilhando, sem pressa de nada. A água estava fria, mas a sensação era boa. Ele me puxou para mais perto, e não resisti.— Vamos nadar? — ele perguntou, com aquele sorriso travesso no rosto.Eu dei uma risadinha e concordei com a cabeça. Aquelas tardes estavam sendo as melhores. Meus pés tocaram a água e, antes que eu pudesse me dar conta, estava completamente dentro do rio. A correnteza leve me levava suavemente, mas eu me mantinha ali, nos braços do Marcio, que tinha um jeito de me fazer sentir segura, como se nada no mundo fosse mais importante. Ele me olhou de novo, com aquele olhar que me fazia derreter toda vez.— Não posso acreditar que estamos aqui juntos, Raila. Só nós dois em um paraíso como esse
A sala estava abafada no escritório do investigador, mesmo com a janela aberta. O investigador havia espalhado fotos, documentos e anotações sobre a mesa de madeira escura. Eu olhava tudo com a testa franzida, tentando encontrar uma falha, uma mentira, algo que me permitisse desmentir aquela narrativa absurda. Contudo, cada detalhe parecia se encaixar em um quebra-cabeça que eu não queria montar.— Não faz sentido. — murmurei, cruzando os braços. Meu tom era firme, mas minha voz tremia nas bordas. — Minha mãe nunca faria isso comigo. Ela sempre odiou o Miguel.O investigador Antônio, com os olhos cansados e barba por fazer, suspirou e se recostou na cadeira. Ele parecia exausto, mas determinado.— Raila, eu sei que isso é difícil de aceitar. Não estou aqui para te machucar, só para apresentar os fatos. — ele empurrou mais uma foto na minha direção. Era um registro claro da minha mãe entrando em um restaurante com Miguel, meu ex-noivo.Minha garganta apertou. Reconheci o vestido dela,
Quando voltei para minha cidade natal, eu sabia que não seria uma recepção calorosa. Minha mãe sempre teve um talento especial para me fazer sentir como uma estranha na minha própria casa muitas vezes. Ainda assim, eu precisava confrontá-la. O peso da traição e das mentiras que cercavam os últimos meses da minha vida me empurravam para isso.Quando cheguei à porta da casa, respirei fundo antes de bater. O cheiro familiar de madeira velha e flores murchas do jardim invadiu minhas narinas. Antes que eu pudesse pensar em desistir, a porta se abriu com um ranger alto. Lá estava ela, minha mãe, com o rosto endurecido pelo tempo e pela amargura.— O que você está fazendo aqui, Raila? — disse ela, com a voz seca e cheia de desdém. — Achei que tinha deixado bem claro que você não era bem-vinda.Eu engoli em seco, mas não recuei.— Também é um prazer te ver, mãe. Podemos conversar?Ela deu um passo para trás, cruzando os braços.— Não tenho nada pra falar com você. Você destruiu sua vida com s