Capítulo 2

                                                           Nicole

Andei sozinha pela escuridão da noite até o sol nascer, não queria ir pra casa, principalmente sob olhar atento dos meus vizinhos fofoqueiros, e pior ainda, encontrar Ademir.

Quando percebi já estava em uma praça, sentando no banco mais afastado de onde as pessoas caminham. Depois de um tempo sinto alguém senta ao meu lado.

— Oi!

— Oi! — respondo sem ânimo.

Viro a cabeça, com os cabelos cobrindo o rosto, me deparo com um senhor bem vestido, barba feita e cheiro de gente rica.

— Desculpa, vi você chorando e senti a necessidade de saber se está bem! — fala gentilmente.

— Porque se importa?

Não quero ser grosseira, mas tudo está desmoronando a minha volta e tem um velho fuxiqueiro querendo saber da minha vida.

— Porque me importo? — repete pensativo. — Na verdade, não gosto de ver garotinhas chorando, principalmente por coisas banais.

Está de brincadeira?

— Olha senhor, veio aqui porque quis! Você é rico e nem deve saber o que é ter um problema de verdade, agora vai embora!

Ele se encosta no banco esboçando um leve sorriso nos lábios.

Bufei cruzando os braços, só então me dou conta que ainda estou de roupão, sentada em uma praça deserta, com um possível velho tarado ao lado. Fecho mais firme o tecido contra o corpo.

— Me diz garotinha, foi expulsa de casa ou está apenas sendo rebelde com os pais e se ariscando na rua vestida desse jeito?

Que velho abusado!

— Em primeiro lugar: não sou mais uma garotinha; e segundo: não tenho pai, apenas uma mãe que vai estar em apuros se não conseguir um novo emprego.

Estou tão cansada de guardar tudo pra mim, e já que quer saber, então irei contar.

Suas feições mudam para assustado, quando olho diretamente para ele, colocando os cabelos atrás da orelha.

— Está machucada, quem fez isso com você? — toca o meu rosto. — Precisa ir...

— Me deixa em paz! — empurro as mãos dele para longe.

— Você disse que tem uma mãe, certo? — assenti. — Me deixa te leve até ela.

O hospital é perto daqui e mesmo assim não podia vê-la agora, não nessas condições. — E nem morta entraria num carro com esse Senhor.

O que vou fazer para pagar o hospital? Tenho que me mexer e arrumar outro emprego. Com dificuldade fico em pé e falo:

— A conversa está boa mais vou indo.

— Calma! — ele levanta. — Fica, me faz um pouco de companhia. Por que não me conta a sua história, eu sou rico lembra, talvez possa te ajudar.

Ninguém ajuda ninguém sem querer algo em troca.

— Não pensa que só porque preciso de dinheiro, que vou dormir com você, velho tarado!

Ele explode em uma gargalhada histérica, até senta de volta no banco.

Que cara estranho!

— Pelo visto sabe se defender! — diz, ainda rindo. — Pode ficar tranquila não quero nada de você.

— Então porque quer me ajudar? — sento ao lado dele, buscando um pouco de distância, e se tentar algo uso os golpes que os meninos me ensinaram lá na comunidade.

Quem eu quero enganar, mal consigo me mexer, imagine bater em alguém, até esse velho conseguiria alguma coisa no meu estado.

— Por que é isso que eu faço.

Bom, talvez ele possa emprestar um pouco de dinheiro até eu arrumar emprego, assim pago o hospital e vou devolvendo a ele aos poucos.

— Tudo bem!

Contei toda a minha história, desde quando minha mãe começou a surtar, e como tive que me virar sozinha. Falei do emprego na boate só para colocá-la em um hospital bom e sobre o Ademir, que se descontrolou depois de descobrir onde estava trabalhando. Ele ficou chocado quando mencionei a boate, mas não julgou nenhuma vez, apenas olhou com pena e até limpou as lágrimas que teimavam em sair dos meus olhos.

— É isso! Agora estou desempregada e com medo de não conseguir um emprego que pague pelo hospital.

É bom desabafar com alguém, me sinto mais leve.

— Realmente é uma triste história, mocinha! — abre um leve sorriso, automaticamente sinto que posso confiar, parece ser um homem legal.

— Será que poderia... sei lá... ajudar de alguma forma? Juro que vou arrumar um emprego e pagar cada centavo que o senhor gastar.

— Acredito que tenho algo melhor a você, uma proposta a lhe fazer. Quero que mantenha a mente aberta e escute até o final.

Não gostei de como as suas palavras saíram contidas e parecia ter medo do que ia dizer. Mesmo assim não abri a boca e concordei em escutar, é o mínimo, depois dele ouvir calado a minha história de merda.

— Você quer ser minha esposa?

Levanto de uma vez, olhando para aqueles olhos verdes e cansados. Não acredito que perdi tempo com um velho pervertido. Sabia que estava fácil demais!

— Nem sonhado que vai me enganar com essa conversa, nunca serei a sua esposa! Tinha certeza que era um tarado...

— Eu tenho câncer! — fala interrompendo-me.

Fico paralisada, olhando para o seu rosto, vendo as rugas do tempo, imaginando como a vida dele deve ser bem pior que a minha.

— Não me olhe assim, não quero a sua pena.

— Desculpe! — tentei não ter pena dele, mas é quase impossível. — Não vou me casar com você por isso, procure uma senhora da sua idade, ou outra menina nova que se preste a esse serviço.

Ele ignorou e continuou falando.

— Descobri faz pouco tempo, queria contar para a minha família está manhã. Deixei de ir a fábrica, que é onde sempre estou, vivo para ela, depois que minha mulher, Eleonor... — diz o nome com amor e carinho, então me sento de novo para escutar. — ... faleceu. O que me faz acordar toda a manhã é aquela fábrica, saio cedo e chego tarde, sempre foi assim. Só hoje que não fui trabalhar, não conseguia mais esconder essa notícia da minha família, queria contar... saber que não se tem muito tempo de vida, te faz querer alguém por perto... — seus olhos estão marejados de lágrimas e isso corta meu coração.

— Isso, a família é muito melhor que uma esposa! — digo, querendo fazer ele esquecer sobre casamento. Preciso de dinheiro, só que de jeito nenhum vou me casar.

— Com certeza, mas quando se tem uma.

Fico confusa, pois ele acabou de dizer que tem uma família.

Suspiro e o deixo continuar.

— Pensei que, ao acordar, poderia tomar um café com o meu filho e meus netos, no entanto, quando estava descendo as escadas ouvi eles conversarem...

Assim que acaba de contar o que ouviu da própria família, estou horrorizada.

Como é que um filho diz que quer o pai morto? O coitado nem precisa de inimigos, com esse bando de encostados.

Ele solta um riso triste.

— O que mais me doí filha, é pensar que todos esses anos mantive os luxos e regalias deles, e que tudo isso pode ser minha culpa por nunca ter notado meu erro.

— Nada disso é culpa sua, eles que são um bando de urubus, esperando o senhor morrer, só para devorar o que sobrou depois. — É nojento, mas uma boa metáfora.

— Nunca cobrei nada do meu filho e sempre dei de tudo para os meus netos, sem nem ao menos pensar que estava criando monstros sem coração, guiados apenas por dinheiro. — diz enraivecido, com amargura tingindo sua voz.

— Você foi apenas generoso com a sua família, eles que não deram valor.

— Meu filho é um mulherengo e meu neto é igual, minha neta gasta dinheiro como água. Trabalhei duro a vida toda para dar a eles o conforto que precisavam e falhei miseravelmente em ensinar como dar valor as coisas.

Foi a minha vez de limpar as lágrimas do seu rosto.

— Por isso quer uma esposa? Deveria achar alguém que te ame, que cuidar de você como merece.

— Não procuro amor, minha jovem, procuro alguém para cuidar da minha fábrica, alguém merecedor da minha herança, que possa cuidar de mim quando não puder mais andar. Se eu morrer hoje, tudo o que conquistei vai por água a baixo e não quero isso.

Uma vontade louca de ajuda-lo cresce dentro do peito.

— Imagino o que deve estar passando, mas não posso ser sua esposa.

— Pensa querida, você teria dinheiro para deixar sua mãe tranquila pelo resto da vida, e como pagamento cuida de mim até eu morrer. Preciso de alguém como você: jovem e forte para lutar contra a minha família egoísta. Pode aproveitar cada centavo para ajudar as pessoas, pois vi a honestidade em seus olhos, quando disse que me devolveria o dinheiro se ajudasse a sua mãe. Se fosse outra pessoa sugaria e se aproveitaria do que tenho a oferecer.

É uma boa proposta, conseguiria pagar o hospital e também sumiria da vida do Ademir, ele nunca me acharia.

— Não posso te dar amor! — melhor ser sincera.

— Como disse, não estou à procura de amor, e juro nunca tocar em você. Amei apenas uma mulher e jamais faria nada para manchar a alma dela. — O amor que expressa por sua esposa é invejável, um dia quero encontrar um homem que me ame da mesma forma. — Prometo te guiar com tudo, em troca cuida de mim quando não puder mais fazer nada, e promete nunca vender a fábrica, que vai cuidar dela com amor. O que me diz?

— Por que confia em mim? E se eu vender a sua fábrica?

— Não vai, porque quem quer enganar, apenas promete em vão. E até agora ainda não me prometeu nada. Vejo que é uma palavra importante pra você, como é para mim.

— Verdade! — sorri.

Não sei se essa é a melhor escolha, mas é a única que tenho e só de não ter que implorar para o Jonas me contratar de novo, está bom, e isso quer dizer que nunca mais vou precisar subir naquele palco.

— Aceita? — pergunta com um olhar brilhante.

— Aceito!

Ele levanta com a mão estendida.

— Antônio.

— Nicole.

Aperto com firmeza.

— Então, Nicole, temos um longo trabalho para te transformar em uma linda esposa.

— Estou um trapo néh?

— Humm... um pouco descabelada e alguns hematomas... sim você está um trapo filha!

Caímos na gargalhada e gostei do que senti, era como ter um pai de novo, um amigo com quem contar e confiar.

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