Celeste Moreau
Eu nunca acreditei em bruxas. Nem em magia, nem em destinos escritos nas estrelas. Para mim, o mundo sempre foi aquilo que se podia ver, tocar, medir. Uma sequência de eventos caóticos, sem propósito, sem explicação além da lógica e da ciência. Mas agora, com um livro de couro envelhecido sobre minha mesa e palavras escritas em um idioma esquecido, sinto que toda a minha realidade está prestes a desmoronar.
Foi Sienna quem encontrou o livro, é claro. Ela sempre teve um dom para encontrar problemas. Seu entusiasmo desenfreado contrastava com minha constante necessidade de manter os pés no chão. Quando entrou em meu apartamento, naquela noite, os olhos brilhando como os de uma criança que acaba de descobrir um tesouro, eu deveria ter sabido que minha vida estava prestes a mudar.
— Celeste, você não vai acreditar no que eu encontrei! — Ela jogou a mochila no sofá e puxou um volume grosso e empoeirado, colocando-o na minha frente como se fosse a chave para um segredo ancestral.
Revirei os olhos, pegando o livro com ceticismo. A capa era de couro desgastado, com símbolos dourados entalhados, alguns familiares, outros completamente desconhecidos. O cheiro de papel antigo e umidade se misturava ao perfume floral de Sienna, criando um aroma peculiar que me envolveu de imediato. Abri a primeira página, e meu estômago revirou ao ver meu próprio sobrenome ali, em letras floreadas.
Moreau.
— O que é isso? — minha voz saiu hesitante, quase inaudível.
Sienna sorriu como quem sabe mais do que deveria. Seus olhos faiscavam, cheios de expectativa.
— Um diário. Ou talvez um grimório. Estava entre as coisas da minha avó. Você sabia que sua família é descendente de uma das bruxas mais poderosas da história?
Ri, tentando ignorar o arrepio na nuca. O apartamento pequeno parecia ainda menor, como se as paredes estivessem se fechando ao meu redor.
— Não seja ridícula.
— Não sou eu quem está dizendo! — Ela puxou o livro de volta e folheou as páginas amareladas. O som do papel seco rasgando o silêncio era quase ensurdecedor. — Olha isso. Está tudo aqui. Sua linhagem, seus ancestrais. Essa mulher, Vivienne Moreau, era uma bruxa lendária. E você... bem, você é sua descendente direta.
Cruzei os braços, tentando manter a compostura, mas meu corpo inteiro estava rígido. Um nó apertava minha garganta.
— E daí? Mesmo que fosse verdade, o que isso significa? Que eu posso lançar feitiços e voar em uma vassoura?
Sienna revirou os olhos, impaciente.
— Não estou dizendo que você precisa sair por aí lançando maldições, mas... e se houver algo nisso? Você nunca sentiu que havia algo diferente em você?
E foi aí que meu coração parou por um segundo.
Porque eu já sonhava com isso. Desde que me entendia por gente, imagens surgiam na minha mente à noite, como se fossem memórias de outra pessoa. Uma mulher com longos cabelos escuros, murmurando palavras antigas sob a luz da lua. Símbolos desenhados na terra, velas queimando em um altar de pedra. E um feitiço. Um encantamento que eu repetia nos meus sonhos desde criança, sem nunca entender o significado.
Engoli em seco, minha mente correndo para todos os momentos em que senti algo diferente, algo inexplicável. Quando objetos caíam sem motivo perto de mim, quando as luzes piscavam estranhamente, quando eu sabia de coisas antes mesmo que acontecessem.
— Celeste? — Sienna me chamou, notando meu silêncio.
— Eu... eu sonhei com isso. Com palavras como essas. Desde pequena.
Ela arregalou os olhos.
— Isso não pode ser coincidência.
Olhei para o livro novamente. De repente, parecia muito mais pesado. As palavras pareciam pulsar na página, como se esperassem para serem lidas, como se exigissem que eu aceitasse o que sempre recusei.
Lembrei-me de todas as vezes que senti um arrepio inexplicável na espinha, das vezes em que algo dentro de mim dizia para correr antes que algo acontecesse. De momentos fugazes em que senti que não estava sozinha, mesmo quando não havia ninguém por perto.
Talvez eu estivesse errada esse tempo todo. Talvez houvesse mais no mundo do que apenas o que podemos ver.
Talvez, apenas talvez... eu fosse parte disso.
O mundo tem uma forma engraçada de testar nossas convicções. E, apesar de todas as evidências que Sienna jogava na minha cara, eu me recusava a acreditar.
Bruxas não existem. Magia não existe. E eu certamente não era descendente de uma delas.
— Você pode tentar negar o quanto quiser, Celeste, mas os fatos estão aí. — Sienna cruzou os braços, me observando como se estivesse lidando com uma criança teimosa. — Esse livro tem seu sobrenome, sua linhagem, sua história.
Bufei, pegando o grimório e folheando as páginas sem realmente absorver nada. Sim, meu sobrenome estava ali. Mas isso não significava que havia algo sobrenatural envolvido. Muitas famílias tinham histórias antigas, lendas passadas de geração em geração. Isso era apenas uma coincidência. Um delírio de pessoas que queriam acreditar em algo maior do que a realidade.
— Ouça bem, Sienna. — Fechei o livro com um baque e a encarei. — O que é mais provável? Que eu seja uma descendente de uma bruxa poderosa, ou que alguém da minha família simplesmente gostava de inventar histórias? A segunda opção me parece muito mais racional.
Ela revirou os olhos. — E os seus sonhos? Você mesmo disse que sempre sonhou com palavras que nem sabia que existiam. E as coisas estranhas que acontecem ao seu redor? Como você explica isso?
Cruzei os braços e respirei fundo, tentando conter minha irritação. — Coincidências. O cérebro humano preenche lacunas o tempo todo. Talvez eu tenha visto essas palavras em algum lugar quando era criança e apenas me esqueci. Ou talvez sejam apenas ecos de algo que minha mente inventou.
— Ah, claro. Tudo tem uma explicação lógica. — Sienna bufou e jogou as mãos para o alto. — Você é impossível.
— E você é obcecada por essas coisas. — Retruquei, pegando minha bolsa. — Mas eu não tenho tempo para fantasias, Sienna. Amanhã começo no meu novo emprego, e é nisso que eu preciso focar. Não em livros velhos e lendas familiares.
— Você acha mesmo que pode simplesmente ignorar isso? Fingir que nada está acontecendo? — Ela perguntou, me olhando com uma mistura de frustração e preocupação.
— Exatamente. — Respondi, decidida. — E é isso que eu vou fazer.
Sienna balançou a cabeça, claramente inconformada. Mas não importava. Eu tinha mais com o que me preocupar. Meu foco agora era o emprego na Vólkov Industries. Oportunidades como essa não apareciam para pessoas como eu. Eu precisava me concentrar, ser profissional e fazer isso dar certo.
Enquanto saía do apartamento, tentei empurrar para longe as palavras de Sienna, os sonhos recorrentes, e todas as estranhas coincidências que pareciam querer me arrastar para algo que eu não queria acreditar.
Porque se eu começasse a acreditar... o que isso significaria para mim?
Damian VólkovA imortalidade me ensinou que poucas coisas no mundo são realmente permanentes. O tempo corrói impérios, destrói relações e transforma verdades incontestáveis em meros ecos do passado. Mas, entre as poucas constantes que tive em minha existência, Nicholas Vaughn sempre esteve lá.Nos conhecemos há mais tempo do que ele sequer poderia lembrar. Um jovem brilhante, de mente afiada e humor ácido, alguém que parecia enxergar além das aparências. Trabalhar juntos foi um acaso, mas nossa parceria foi inevitável. Nick era o único que não se deixava intimidar pela minha presença ou pelo peso da minha reputação. Ele era mais do que um braço direito: era um amigo. Talvez o único.Mas havia algo nele. Algo que eu não conseguia nomear, mas que sempre me fez manter um olho atento.A princípio, eram apenas pequenos detalhes. O modo como ele reagia a certos sons—agudo demais, grave demais, longe demais. Como seus olhos pareciam brilhar em momentos de adrenalina. Sua resistência física,
Celeste MoreauO relógio marcava exatamente nove e cinquenta quando cheguei ao imponente prédio da Vólkov Industries. A estrutura era gigantesca, de vidro e aço, refletindo o céu cinzento e ameaçador daquela manhã. A imponência do edifício me fez hesitar por um instante antes de seguir para a recepção, ajustando a alça da bolsa no ombro e respirando fundo. Meus dedos estavam frios, mas minha mente tentava se manter firme.Meu coração batia acelerado. Não porque estivesse nervosa com a entrevista, mas porque tudo aquilo parecia... estranho. Desde o momento em que recebi o e-mail confirmando minha seleção para a entrevista, algo dentro de mim dizia que aquela oportunidade não era exatamente o que parecia. Era boa demais para ser verdade. Mas eu não tinha o luxo de recusar um emprego como aquele. Contas se acumulavam, minha antiga ocupação não era suficiente, e essa era a chance de mudar minha vida. Mesmo que eu sentisse uma inquietação difícil de ignorar.— Bom dia, tenho uma entrevista
Damian VólkovO silêncio do escritório era cortado apenas pelo leve zumbido do relógio na parede. Me recostei na poltrona de couro negro, girando o copo de uísque entre os dedos. O líquido dourado refletia as luzes suaves do ambiente, dançando sob meu olhar atento.Celeste Moreau.O nome ecoava em minha mente, juntamente com a imagem da mulher que havia acabado de deixar meu escritório. Havia algo nela que me inquietava. Não era apenas beleza, nem o fato de sua presença ser incomum. Havia um magnetismo inexplicável, algo que fazia meu lobo interior permanecer atento.Ela não era qualquer mulher.A contratação fora uma decisão impulsiva? Talvez. Mas eu, Damian confiava em meu instinto. Eu sempre sabia quando alguém tinha um papel maior a desempenhar em sua vida, e Celeste Moreau definitivamente era uma dessas pessoas.A porta do escritório se abriu sem cerimônia, revelando Nicholas Vaughn. Entrou como se fosse dono do espaço, deixando-se cair no sofá de couro com um suspiro entediado
Nicholas VaughnA dor veio como um trovão, reverberando por cada célula do meu corpo. Primeiro foi um calor insuportável, um fogo que queimava por dentro, incendiando cada pedaço de mim. Senti minha pele latejar, como se algo sob a superfície tentasse se libertar, rompendo a carne e os ossos. Meu coração martelava contra o peito, acelerado e descompassado, como se quisesse escapar daquela jaula de carne que já não parecia minha.Tentei respirar, mas o ar parecia pesado, denso, quase sólido. Cada inspiração era um esforço, como se estivesse tentando puxar uma substância espessa para dentro dos pulmões. Meus músculos se contraíram, endurecendo como pedra, e então veio a dor aguda, cortante, espalhando-se pela espinha, estalando cada vértebra, deslocando e remodelando o que antes era humano. Meus dedos formigavam, uma pressão intensa se acumulando até que algo dentro deles cedeu, e foi então que vi: minhas unhas estavam maiores, afiadas como lâminas curvas e negras.Um frio percorreu min
Damian VólkovA noite estava silenciosa, e eu observava Nick, vendo nele o reflexo de algo que já fui um dia. A transformação havia sido concluída, e agora ele pertencia ao meu mundo. Mas havia muito que ele ainda não sabia.Cruzei os braços e expirei lentamente antes de falar:— Você quer saber o que é agora, Nick? Então escute com atenção. O que vou lhe contar não está em nenhum livro, nenhuma lenda que os humanos ousaram registrar. É a verdade sobre nós, sobre mim, sobre os lobisomens e sobre o propósito pelo qual existimos.Nick permaneceu em silêncio, os olhos atentos em mim. Ele sabia que eu não era apenas um alfa qualquer. Eu era o Major Alfa, o mais poderoso da nossa espécie, aquele cuja força atravessava gerações, acumulando habilidades e conhecimentos que nenhum outro poderia alcançar.— Antes do feitiço que me tornou imortal, eu era como você. Um lobisomem forte, mas ainda preso às regras da nossa natureza. Minha força era considerável, mas eu ainda estava sujeito ao ciclo
Celeste MoreauO sol mal havia nascido quando me levantei, sentindo uma mistura de nervosismo e empolgação. Meu primeiro dia na Vólkov Industries. Uma oportunidade como essa não aparecia sempre, e eu sabia que precisava impressionar. Desde que recebi a confirmação da minha contratação, minha mente não parava. Como seria trabalhar para Damian Vólkov? O homem cuja presença sozinha exalava poder e mistério?Escolhi meu traje com atenção. Um blazer ajustado em um tom vinho profundo, uma saia lápis preta e sapatos de salto moderado. Mas minha verdadeira marca estava nos detalhes: meus lábios tingidos de um batom vermelho intenso, um tom profundo e marcante que sempre fez parte de mim. Desde os meus dezesseis anos, nunca saí de casa sem ele. Ele me dava confiança, um escudo contra o mundo.O percurso até a empresa foi um turbilhão de pensamentos. Imaginei todas as possíveis interações que teria, os olhares que receberia, as palavras que precisaria escolher com cautela. Não queria parecer in
Damian VólkovO silêncio habitual do meu escritório nunca me incomodou. Era um refúgio, um lugar onde eu podia me perder em números, contratos e estratégias, evitando a desordem do mundo exterior. Mas hoje, pela primeira vez em anos, a monotonia pareceu... diferente.Celeste Moreau.O nome dela já era uma presença constante na minha mente. Desde o momento em que entrou em meu escritório com aquele batom vermelho vibrante e aquele olhar atrevido, algo dentro de mim percebeu que as coisas estavam prestes a mudar.Eu sempre tive controle absoluto sobre minha vida. A rotina era previsível, segura. Mas Celeste? Ela era um caos envolto em seda e perfume floral, uma força da natureza que não parecia intimidada pela minha presença. E pior ainda, ela se divertia me provocando.Por mais irritante que fosse admitir, eu gostava disso.Ela fazia perguntas demais. Comentava coisas que ninguém ousaria dizer para mim. Reclamava dos contratos, revirava os olhos, zombava da minha seriedade. E eu, ao in
Celeste MoreauO despertador tocou, mas eu já estava acordada, encarando o teto e me perguntando como sobrevivi ao meu primeiro mes na Vólkov Industries. Trabalhar para Damian Vólkov era como participar de um jogo perigoso, um onde cada palavra parecia ser um movimento calculado. Mas se ele achava que eu ficaria intimidada, estava muito enganado.Levantei-me, tomei um banho quente e, como de costume, escolhi meu batom vermelho vibrante. Era meu escudo, minha marca. Peguei minha bolsa e saí, pronta para enfrentar mais um dia ao lado do homem que parecia tão inabalável quanto uma montanha.Assim que cheguei ao prédio, os olhares se voltaram para mim. Damian já estava em sua sala, sentado em sua cadeira de couro preto, lendo um contrato como se fosse a coisa mais fascinante do mundo.— Bom dia, chefe — cumprimentei, jogando minha bolsa sobre a mesa.Ele ergueu os olhos para mim e, por um segundo, juraria que seu olhar pousou nos meus lábios pintados antes de voltar aos papéis.— Celeste.