Capitulo 3

Damian Vólkov

A imortalidade me ensinou que poucas coisas no mundo são realmente permanentes. O tempo corrói impérios, destrói relações e transforma verdades incontestáveis em meros ecos do passado. Mas, entre as poucas constantes que tive em minha existência, Nicholas Vaughn sempre esteve lá.

Nos conhecemos há mais tempo do que ele sequer poderia lembrar. Um jovem brilhante, de mente afiada e humor ácido, alguém que parecia enxergar além das aparências. Trabalhar juntos foi um acaso, mas nossa parceria foi inevitável. Nick era o único que não se deixava intimidar pela minha presença ou pelo peso da minha reputação. Ele era mais do que um braço direito: era um amigo. Talvez o único.

Mas havia algo nele. Algo que eu não conseguia nomear, mas que sempre me fez manter um olho atento.

A princípio, eram apenas pequenos detalhes. O modo como ele reagia a certos sons—agudo demais, grave demais, longe demais. Como seus olhos pareciam brilhar em momentos de adrenalina. Sua resistência física, a forma como sua recuperação era sempre rápida demais. Pequenos traços que, isoladamente, poderiam ser ignorados, mas juntos... formavam um padrão impossível de desconsiderar.

E então, havia os apagões. Momentos em que Nick desaparecia sem explicação, retornando sem memória clara do que havia feito. Ele sempre dava desculpas—trabalho, festas, insônia—mas nenhuma delas realmente explicava sua expressão confusa ao voltar.

Lobisomens adormecidos.

Um termo raro, um fenômeno ainda mais raro. Seres nascidos com o sangue dos lobos, mas sem a transformação desperta. Eles viviam como humanos comuns, sem perceber o que realmente eram, até que algo—um trauma, um evento específico—despertasse a fera adormecida. A ideia parecia absurda, mas era a única explicação que fazia sentido.

E se Nick fosse um deles? Se o instinto que ele não entendia, a força incomum, os sentidos aguçados, fossem fragmentos de algo latente dentro dele?

Não podia ter certeza. Ainda não. Mas precisava descobrir antes que fosse tarde demais. Porque se Nick realmente carregava o sangue de um lobo adormecido… mais cedo ou mais tarde, ele despertaria. E quando isso acontecesse, nem ele saberia do que seria capaz.

O silêncio do escritório era absoluto, quebrado apenas pelo som rítmico da chuva batendo contra as enormes janelas de vidro. A cidade abaixo pulsava com vida, mas ali, no topo do arranha-céu da Vólkov Industries, eu estava sozinho com meus pensamentos. E com minhas dúvidas sobre Nicholas Vaughn.

Ele sempre foi brilhante. Perspicaz, leal, estrategista. Mas sua presença trazia consigo um mistério que eu não conseguia ignorar. Os detalhes estavam todos ali, pequenos o suficiente para passar despercebidos por olhos comuns, mas para alguém como eu? Eles gritavam.

Nick entrou na sala sem bater, como sempre fazia, carregando uma xícara de café e uma expressão exausta.

— Você precisa parar de trabalhar até tarde, Damian. O conceito de descanso existe por um motivo. — Ele largou a xícara na mesa e se jogou na poltrona de couro à minha frente.

Ergui uma sobrancelha. — Engraçado você dizer isso, considerando que não lembro da última vez que você dormiu uma noite inteira.

Ele bufou, passando a mão pelo cabelo bagunçado. — Tive uma noite estranha. De novo.

Cruzei os braços, observando-o. — O que aconteceu dessa vez?

— Não sei. — Ele suspirou, esfregando as têmporas. — Acordei no meio da noite com a sensação de que tinha corrido uma maratona. Meu corpo doía como se eu tivesse feito algum esforço absurdo, mas não lembro de nada. Só que fui dormir e, de repente, já era de manhã.

O mesmo padrão. Outra vez.

— E isso acontece com frequência? — Minha voz saiu casual, mas eu estava atento a cada detalhe.

Nick riu sem humor. — Mais do que eu gostaria. Talvez eu só precise de férias, ou... sei lá. Um check-up. — Ele me lançou um olhar de soslaio. — Você acha que estou ficando louco?

Neguei lentamente. — Não. Mas acho que há algo que você não está vendo. Algo dentro de você que talvez ainda não tenha despertado.

Ele franziu a testa, claramente desconfortável. — Você anda falando coisas estranhas ultimamente, Damian. Primeiro, suas histórias sobre o sobrenatural. Agora isso. O que diabos você quer dizer com ‘ainda não despertou’?

A pergunta pairou no ar, e por um breve momento, considerei contar tudo. Falar sobre os lobisomens adormecidos, sobre a possibilidade de que ele fosse um deles. Mas Nick não era do tipo que acreditava sem provas concretas, e jogar essa verdade sobre ele sem evidências só causaria desconfiança.

Então, simplesmente dei de ombros. — Só estou dizendo que às vezes existem partes de nós que nem sempre conhecemos. Mas mais cedo ou mais tarde, tudo vem à tona.

Ele me estudou por um instante, depois deu um gole no café e desviou o olhar para a cidade iluminada pela chuva.

— Talvez. Mas seja lá o que for, espero que não me torne tão paranoico quanto você.

Sorri de leve, mas a inquietação permaneceu. Algo dentro de Nicholas Vaughn estava mudando. E quando essa mudança viesse, eu precisava estar pronto para o que quer que ele se tornasse.

Olhei para o relógio sobre a mesa. A entrevista da nova assistente pessoal estava marcada para as dez da manhã. Celeste Moreau. Um nome comum, uma candidata aparentemente inofensiva. Mas havia algo que me fez escolhê-la. Algo inexplicável.

Suspirei, afastando as preocupações por ora. Logo, eu a conheceria. E descobriria se minha intuição estava certa

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