Damian Vólkov
A imortalidade me ensinou que poucas coisas no mundo são realmente permanentes. O tempo corrói impérios, destrói relações e transforma verdades incontestáveis em meros ecos do passado. Mas, entre as poucas constantes que tive em minha existência, Nicholas Vaughn sempre esteve lá.
Nos conhecemos há mais tempo do que ele sequer poderia lembrar. Um jovem brilhante, de mente afiada e humor ácido, alguém que parecia enxergar além das aparências. Trabalhar juntos foi um acaso, mas nossa parceria foi inevitável. Nick era o único que não se deixava intimidar pela minha presença ou pelo peso da minha reputação. Ele era mais do que um braço direito: era um amigo. Talvez o único.
Mas havia algo nele. Algo que eu não conseguia nomear, mas que sempre me fez manter um olho atento.
A princípio, eram apenas pequenos detalhes. O modo como ele reagia a certos sons—agudo demais, grave demais, longe demais. Como seus olhos pareciam brilhar em momentos de adrenalina. Sua resistência física, a forma como sua recuperação era sempre rápida demais. Pequenos traços que, isoladamente, poderiam ser ignorados, mas juntos... formavam um padrão impossível de desconsiderar.
E então, havia os apagões. Momentos em que Nick desaparecia sem explicação, retornando sem memória clara do que havia feito. Ele sempre dava desculpas—trabalho, festas, insônia—mas nenhuma delas realmente explicava sua expressão confusa ao voltar.
Lobisomens adormecidos.
Um termo raro, um fenômeno ainda mais raro. Seres nascidos com o sangue dos lobos, mas sem a transformação desperta. Eles viviam como humanos comuns, sem perceber o que realmente eram, até que algo—um trauma, um evento específico—despertasse a fera adormecida. A ideia parecia absurda, mas era a única explicação que fazia sentido.
E se Nick fosse um deles? Se o instinto que ele não entendia, a força incomum, os sentidos aguçados, fossem fragmentos de algo latente dentro dele?
Não podia ter certeza. Ainda não. Mas precisava descobrir antes que fosse tarde demais. Porque se Nick realmente carregava o sangue de um lobo adormecido… mais cedo ou mais tarde, ele despertaria. E quando isso acontecesse, nem ele saberia do que seria capaz.
O silêncio do escritório era absoluto, quebrado apenas pelo som rítmico da chuva batendo contra as enormes janelas de vidro. A cidade abaixo pulsava com vida, mas ali, no topo do arranha-céu da Vólkov Industries, eu estava sozinho com meus pensamentos. E com minhas dúvidas sobre Nicholas Vaughn.
Ele sempre foi brilhante. Perspicaz, leal, estrategista. Mas sua presença trazia consigo um mistério que eu não conseguia ignorar. Os detalhes estavam todos ali, pequenos o suficiente para passar despercebidos por olhos comuns, mas para alguém como eu? Eles gritavam.
Nick entrou na sala sem bater, como sempre fazia, carregando uma xícara de café e uma expressão exausta.
— Você precisa parar de trabalhar até tarde, Damian. O conceito de descanso existe por um motivo. — Ele largou a xícara na mesa e se jogou na poltrona de couro à minha frente.
Ergui uma sobrancelha. — Engraçado você dizer isso, considerando que não lembro da última vez que você dormiu uma noite inteira.
Ele bufou, passando a mão pelo cabelo bagunçado. — Tive uma noite estranha. De novo.
Cruzei os braços, observando-o. — O que aconteceu dessa vez?
— Não sei. — Ele suspirou, esfregando as têmporas. — Acordei no meio da noite com a sensação de que tinha corrido uma maratona. Meu corpo doía como se eu tivesse feito algum esforço absurdo, mas não lembro de nada. Só que fui dormir e, de repente, já era de manhã.
O mesmo padrão. Outra vez.
— E isso acontece com frequência? — Minha voz saiu casual, mas eu estava atento a cada detalhe.
Nick riu sem humor. — Mais do que eu gostaria. Talvez eu só precise de férias, ou... sei lá. Um check-up. — Ele me lançou um olhar de soslaio. — Você acha que estou ficando louco?
Neguei lentamente. — Não. Mas acho que há algo que você não está vendo. Algo dentro de você que talvez ainda não tenha despertado.
Ele franziu a testa, claramente desconfortável. — Você anda falando coisas estranhas ultimamente, Damian. Primeiro, suas histórias sobre o sobrenatural. Agora isso. O que diabos você quer dizer com ‘ainda não despertou’?
A pergunta pairou no ar, e por um breve momento, considerei contar tudo. Falar sobre os lobisomens adormecidos, sobre a possibilidade de que ele fosse um deles. Mas Nick não era do tipo que acreditava sem provas concretas, e jogar essa verdade sobre ele sem evidências só causaria desconfiança.
Então, simplesmente dei de ombros. — Só estou dizendo que às vezes existem partes de nós que nem sempre conhecemos. Mas mais cedo ou mais tarde, tudo vem à tona.
Ele me estudou por um instante, depois deu um gole no café e desviou o olhar para a cidade iluminada pela chuva.
— Talvez. Mas seja lá o que for, espero que não me torne tão paranoico quanto você.
Sorri de leve, mas a inquietação permaneceu. Algo dentro de Nicholas Vaughn estava mudando. E quando essa mudança viesse, eu precisava estar pronto para o que quer que ele se tornasse.
Olhei para o relógio sobre a mesa. A entrevista da nova assistente pessoal estava marcada para as dez da manhã. Celeste Moreau. Um nome comum, uma candidata aparentemente inofensiva. Mas havia algo que me fez escolhê-la. Algo inexplicável.
Suspirei, afastando as preocupações por ora. Logo, eu a conheceria. E descobriria se minha intuição estava certa
Celeste MoreauO relógio marcava exatamente nove e cinquenta quando cheguei ao imponente prédio da Vólkov Industries. A estrutura era gigantesca, de vidro e aço, refletindo o céu cinzento e ameaçador daquela manhã. A imponência do edifício me fez hesitar por um instante antes de seguir para a recepção, ajustando a alça da bolsa no ombro e respirando fundo. Meus dedos estavam frios, mas minha mente tentava se manter firme.Meu coração batia acelerado. Não porque estivesse nervosa com a entrevista, mas porque tudo aquilo parecia... estranho. Desde o momento em que recebi o e-mail confirmando minha seleção para a entrevista, algo dentro de mim dizia que aquela oportunidade não era exatamente o que parecia. Era boa demais para ser verdade. Mas eu não tinha o luxo de recusar um emprego como aquele. Contas se acumulavam, minha antiga ocupação não era suficiente, e essa era a chance de mudar minha vida. Mesmo que eu sentisse uma inquietação difícil de ignorar.— Bom dia, tenho uma entrevista
Damian VólkovO silêncio do escritório era cortado apenas pelo leve zumbido do relógio na parede. Me recostei na poltrona de couro negro, girando o copo de uísque entre os dedos. O líquido dourado refletia as luzes suaves do ambiente, dançando sob meu olhar atento.Celeste Moreau.O nome ecoava em minha mente, juntamente com a imagem da mulher que havia acabado de deixar meu escritório. Havia algo nela que me inquietava. Não era apenas beleza, nem o fato de sua presença ser incomum. Havia um magnetismo inexplicável, algo que fazia meu lobo interior permanecer atento.Ela não era qualquer mulher.A contratação fora uma decisão impulsiva? Talvez. Mas eu, Damian confiava em meu instinto. Eu sempre sabia quando alguém tinha um papel maior a desempenhar em sua vida, e Celeste Moreau definitivamente era uma dessas pessoas.A porta do escritório se abriu sem cerimônia, revelando Nicholas Vaughn. Entrou como se fosse dono do espaço, deixando-se cair no sofá de couro com um suspiro entediado
Nicholas VaughnA dor veio como um trovão, reverberando por cada célula do meu corpo. Primeiro foi um calor insuportável, um fogo que queimava por dentro, incendiando cada pedaço de mim. Senti minha pele latejar, como se algo sob a superfície tentasse se libertar, rompendo a carne e os ossos. Meu coração martelava contra o peito, acelerado e descompassado, como se quisesse escapar daquela jaula de carne que já não parecia minha.Tentei respirar, mas o ar parecia pesado, denso, quase sólido. Cada inspiração era um esforço, como se estivesse tentando puxar uma substância espessa para dentro dos pulmões. Meus músculos se contraíram, endurecendo como pedra, e então veio a dor aguda, cortante, espalhando-se pela espinha, estalando cada vértebra, deslocando e remodelando o que antes era humano. Meus dedos formigavam, uma pressão intensa se acumulando até que algo dentro deles cedeu, e foi então que vi: minhas unhas estavam maiores, afiadas como lâminas curvas e negras.Um frio percorreu min
Damian VólkovA noite estava silenciosa, e eu observava Nick, vendo nele o reflexo de algo que já fui um dia. A transformação havia sido concluída, e agora ele pertencia ao meu mundo. Mas havia muito que ele ainda não sabia.Cruzei os braços e expirei lentamente antes de falar:— Você quer saber o que é agora, Nick? Então escute com atenção. O que vou lhe contar não está em nenhum livro, nenhuma lenda que os humanos ousaram registrar. É a verdade sobre nós, sobre mim, sobre os lobisomens e sobre o propósito pelo qual existimos.Nick permaneceu em silêncio, os olhos atentos em mim. Ele sabia que eu não era apenas um alfa qualquer. Eu era o Major Alfa, o mais poderoso da nossa espécie, aquele cuja força atravessava gerações, acumulando habilidades e conhecimentos que nenhum outro poderia alcançar.— Antes do feitiço que me tornou imortal, eu era como você. Um lobisomem forte, mas ainda preso às regras da nossa natureza. Minha força era considerável, mas eu ainda estava sujeito ao ciclo
Celeste MoreauO sol mal havia nascido quando me levantei, sentindo uma mistura de nervosismo e empolgação. Meu primeiro dia na Vólkov Industries. Uma oportunidade como essa não aparecia sempre, e eu sabia que precisava impressionar. Desde que recebi a confirmação da minha contratação, minha mente não parava. Como seria trabalhar para Damian Vólkov? O homem cuja presença sozinha exalava poder e mistério?Escolhi meu traje com atenção. Um blazer ajustado em um tom vinho profundo, uma saia lápis preta e sapatos de salto moderado. Mas minha verdadeira marca estava nos detalhes: meus lábios tingidos de um batom vermelho intenso, um tom profundo e marcante que sempre fez parte de mim. Desde os meus dezesseis anos, nunca saí de casa sem ele. Ele me dava confiança, um escudo contra o mundo.O percurso até a empresa foi um turbilhão de pensamentos. Imaginei todas as possíveis interações que teria, os olhares que receberia, as palavras que precisaria escolher com cautela. Não queria parecer in
Damian VólkovO silêncio habitual do meu escritório nunca me incomodou. Era um refúgio, um lugar onde eu podia me perder em números, contratos e estratégias, evitando a desordem do mundo exterior. Mas hoje, pela primeira vez em anos, a monotonia pareceu... diferente.Celeste Moreau.O nome dela já era uma presença constante na minha mente. Desde o momento em que entrou em meu escritório com aquele batom vermelho vibrante e aquele olhar atrevido, algo dentro de mim percebeu que as coisas estavam prestes a mudar.Eu sempre tive controle absoluto sobre minha vida. A rotina era previsível, segura. Mas Celeste? Ela era um caos envolto em seda e perfume floral, uma força da natureza que não parecia intimidada pela minha presença. E pior ainda, ela se divertia me provocando.Por mais irritante que fosse admitir, eu gostava disso.Ela fazia perguntas demais. Comentava coisas que ninguém ousaria dizer para mim. Reclamava dos contratos, revirava os olhos, zombava da minha seriedade. E eu, ao in
Celeste MoreauO despertador tocou, mas eu já estava acordada, encarando o teto e me perguntando como sobrevivi ao meu primeiro mes na Vólkov Industries. Trabalhar para Damian Vólkov era como participar de um jogo perigoso, um onde cada palavra parecia ser um movimento calculado. Mas se ele achava que eu ficaria intimidada, estava muito enganado.Levantei-me, tomei um banho quente e, como de costume, escolhi meu batom vermelho vibrante. Era meu escudo, minha marca. Peguei minha bolsa e saí, pronta para enfrentar mais um dia ao lado do homem que parecia tão inabalável quanto uma montanha.Assim que cheguei ao prédio, os olhares se voltaram para mim. Damian já estava em sua sala, sentado em sua cadeira de couro preto, lendo um contrato como se fosse a coisa mais fascinante do mundo.— Bom dia, chefe — cumprimentei, jogando minha bolsa sobre a mesa.Ele ergueu os olhos para mim e, por um segundo, juraria que seu olhar pousou nos meus lábios pintados antes de voltar aos papéis.— Celeste.
Damian VólkovA sala estava carregada. O ar, denso, pulsava com uma energia que eu conhecia bem, mas que não sentia há muito tempo. A magia. Ela estava ali, rodopiando ao nosso redor como uma presença invisível, fria e opressora. Mas o que mais me incomodava era a origem.Celeste.Meus olhos estavam fixos nela, que agora piscava confusa, completamente alheia ao que acabara de acontecer. A voz que saíra de seus lábios não era dela. O jeito como seu corpo se enrijeceu, como se algo a possuísse por um breve momento, foi o suficiente para me colocar em alerta. Eu sabia que aquilo não era um truque. Eu já havia sentido aquilo antes.— Celeste... — chamei seu nome, mantendo minha voz firme, mas ela apenas franziu a testa, sua expressão levemente inquieta.— O quê? O que aconteceu? — sua voz voltou ao normal, cheia de dúvida e cansaço. Ela esfregou as têmporas como se sentisse uma dor de cabeça súbita.Por um instante, hesitei. Devia contar a ela? Não, não agora. Se ela realmente era a chave