Alisson Smith
Londres - Dias antesEnquanto eu olhava aquela tabela mais uma vez, repleta de números e gráficos, respirei fundo. Estava exausta, minha rotina era extenuante. No entanto, agradeço pelo trabalho que tenho hoje. Nem sempre as coisas foram boas para mim, não quero nem me lembrar do passado."Alisson, venha até minha sala", minha supervisora me chama me tirando dos pensamentos.Caminho até lá, os outros funcionários me olham, alguns sorriem de lado, sabendo que algo bom não vem daquela sala quando ela nos chama. Não é à toa que ela tem o apelido de "bruxa loira da contabilidade". Todos temem o que ela pode fazer. Respiro fundo e bato na porta que está aberta."Posso entrar?" Ela gesticula com a mão, "Com licença", eu entro na sala."Fecha a porta", ela aponta para a cadeira e segura um lápis em sua mão. "Vou ser bem sincera", ela parecia falar consigo mesma e não comigo. "Você não se encaixa em nada, é uma incompetente, mas quando me descreveram…""Descreveram o quê?""Shh... Não me interrompa. Um dos sócios da empresa virá para Londres e vai precisar de uma secretária temporária, ouviu bem? Temporária. Dizem que ele é mal humorado, então pensei em você. Será a secretária perfeita", o sorriso de lado dela é intimidador."Secretária? Mas não tenho experiência. Como vou…""Isso não é problema meu, Alisson. Se vire ou será demitida", ela grita. Aquela bruxa queria que eu fosse demitida, pois desde que cheguei aqui, ela implica comigo."Ótimo, eu vou fazer o meu melhor", digo com ironia."Faça o seu melhor, queridinha, pois vai precisar", ela mexe o lápis nas mãos. "Vá até o último andar e fale com a sua amiguinha, lá ela mostrará a sala onde ele vai ocupar enquanto estiver aqui." Eu me viro e antes de colocar os pés para fora. "Não se esqueça de terminar as planilhas que lhe passei mais cedo. Só depois você estará dispensada.""Mas…""Faça o seu melhor, Alisson", a gargalhada pode ser ouvida pelo andar todo. "Agora vá, você quer mais coisas para fazer? Se não, saia daqui."Por isso ela me deu tanto trabalho quando cheguei na empresa. Essa vaca. Terei que terminar todas aquelas planilhas e ainda preparar a sala do novo sócio. Pelo jeito, vou sair daqui mais tarde de novo."Alisson, você ainda precisa arrumar a sala do novo sócio, fiquei muito feliz por escolherem você, é uma ótima oportunidade. Venha, já está fora do nosso horário, e eles chegam muito cedo." Assim que chego no andar da presidência, vejo como tudo ali é luxuoso e imponente."A bruxa me deu muito trabalho e disse que só podia sair quando terminasse tudo.""Aquela mulher é ridícula", minha amiga Berna não gostava dela. "Venha, vou ajudar você a arrumar a sala, e depois vamos embora. Precisamos estar aqui no primeiro horário, os chefes chegam cedo."Ela me ajudou a limpar a sala do meu novo chefe, deixamos tudo limpo, cheiroso e organizado. Enquanto trabalhávamos, ela me explicou o que eu deveria fazer, e fiquei pensando se eu daria conta de tudo aquilo.Em seguida, ela me convidou para comer uma pizza. Eu não ganhava tão bem como ela e tinha que economizar ao máximo, pois tinha muitos gastos. Mas aceitei e fomos a um local próximo ao apartamento dela e da empresa. Ela então me convidou para dormir lá. Mesmo receosa de incomodá-la, aceitei. Depois de um banho quente, adormeci.O pesadelo, como todos os dias, me assombra novamente. A mesma pessoa toma as minhas noites. É o meu passado assombroso, trazendo medo e incerteza que me acompanham.Acordei suada, tensa e apavorada. Levantei da cama do quarto de hóspedes da casa de Berna e fui até a janela. Precisava de ar e deixei-o bater em meu rosto. Como sempre faço após o pesadelo, caminhei pelo apartamento, abri a porta da frente, e não havia ninguém lá, me vigiando. Era a certeza de que tudo estava bem.Depois de não encontrar nada, voltei para a cama e me deitei, olhando para o teto, enrolando o pano em meus dedos, tentando me acalmar. No escuro do quarto, meu coração ainda batia acelerado, e a sensação opressiva do pesadelo teimava em me seguir. Tudo parecia tão real, como se as lembranças dolorosas do passado nunca me abandonassem por completo.Tentei mudar meus pensamentos. Eu precisava encarar aquele novo desafio como secretária temporária e provar a todos, inclusive a mim mesma, que era mais do que uma mera "incompetente". Aquele sócio mal humorado não seria um obstáculo intransponível, eu estava disposta a mostrar do que era capaz."Tomara que não seja um velho baixinho e rabugento, e que não tente nada comigo ou não vou suportar. Pelo que a Bruxa disse, ele é mal humorado, mas como preciso do dinheiro e do trabalho, e como é temporário, vou ter de aguentar."No dia seguinte, decidi me permitir uma mudança de visual. Com a ajuda de Berna, escolhi uma roupa elegante que me fez sentir confiante e poderosa: uma saia de couro preta até os joelhos, uma camisa num tom bege e sapatos pretos. Meus cabelos também haviam passado por uma transformação há pouco tempo, eu não podia mais ser a mesma mulher e os óculos que se tornaram um acessório para o meu disfarce.Meu reflexo no espelho era quase irreconhecível em relação ao que costumava ser. Hoje, se alguém me visse, jamais se lembraria da antiga..."Você está incrível, Alisson!" exclamou Berna, me tirando dos pensamentos."Obrigada.""Eu vou mais tarde hoje, como meu chefe está viajando, vou ter alguns minutos a mais.""Eu tenho que ir, senão vou me atrasar. Não quero chegar depois do meu novo chefe ou seria um mau começo.""Vá, querida, e boa sorte."Segui em direção à empresa, sozinha, pois eu tinha uma nova missão. Dei bom dia ao recepcionista e, enquanto meus saltos batiam no chão, fazendo barulho no saguão ainda vazio, segui para o elevador e fui apertar o botão do último andar.As portas começaram a se fechar, mas foram impedidas por alguém. Olhei para baixo e pude ver os sapatos finos e caros. Uma bengala foi com o que ele conseguiu evitar que as portas metálicas se fechassem.Meus olhos foram percorrendo o corpo do homem à minha frente. Subi o olhar, admirando suas coxas grossas e longas. Podia jurar que o bumbum dele era durinho, e a barriga com gomos, com a pele morena igual à da mão dele.O peitoral deveria ser moldado e forte, e aquela gravata cinza... Me imaginei sendo amarrada por ela. Aquele homem emanava sensualidade e prazer. E o rosto? Como seria?O rosto dele me fez dar um passo para trás. Meus olhos se arregalaram, e fiquei com o corpo paralisado, pois eu o conhecia muito bem. Não posso acreditar, pensei que nunca mais o veria, mas ele estava bem ali na minha frente. Será que ele..."Você já terminou sua inspeção?" Ele me repreendeu, seus olhos se estreitaram, imagino que não gostou da forma que eu o olhava e eu fiquei envergonhada. Ele não tinha me reconhecido.Ele entrou e se posicionou atrás de mim. O perfume dele continuava o mesmo e me trouxe lembranças. O que esse homem estaria fazendo aqui? Estava com medo dele me reconhecer. Eu estava mudada, mas o medo gelou a minha espinha. As portas se fecharam, ele não disse sobre o andar.Eu estava praticamente na frente do painel, o corpo grande se posicionou atrás de mim. Pude sentir sua presença, mas ele não me tocou, apertou o botão do último andar. Ele iria para o mesmo lugar que eu."Você" - a voz dele continuava igual ao que me lembrava - "não vai colocar o seu andar? Não tenho o dia todo para esperar uma garota sair do torpor.""Me desculpe." Apertei o botão que já estava vermelho. Eu estava seguindo as ordens dele. "É que eu…""Não quero saber" a voz grosseira saiu de sua boca, mas ele se aproximou do meu ouvido. "Só espero que nem todas as funcionárias se comportem como você, que ficam olhando demais e parecem desejar tocar o meu corpo, não é assim que você se sentiu?"A voz dele tão próxima, foi quase um sussurro, entrou no meu ouvido como uma música erótica, me deixando arrepiada e excitada. Como ele me tinha em suas mãos.Alisson SmithForam minutos intermináveis, enquanto aqueles números pulavam pelo painel acima da porta. Não acredito que ele estava ali atrás de mim num elevador. Como isso poderia estar acontecendo? E para minha sorte ele não me reconheceu.Fechei meus olhos, sentindo o cheiro dele e como mexia comigo. Quando esta porta abrir eu vou sair daqui o mais rápido possível, eu pensei. Cada parte do meu corpo entrou em uma nostalgia erótica. Um solavanco no elevador, me fez cambalear e me desequilibrar, indo em direção a parede de músculos atrás de mim. Era como se aquele corpo tivesse sido feito para se encaixar com o meu. As mãos grandes dele seguraram em minha cintura, não me deixando cair.O barulho da bengala caindo no chão misturou as batidas do meu coração. Como foi bom me aninhar pelo corpo dele. Tudo ficou escuro, não podíamos ver um palmo à nossa frente. Somente sentir o calor que emanava dos nossos corpos.O aperto em minha cintura e a respiração ofegante no meu pescoço. Eu me re
Alisson SmithAssim que me sentei na cadeira e abri o e-mail, lá estava uma lista de coisas que eu deveria fazer. Ir na casa dele quando fosse necessário, que absurdo é esse? Eu não seria uma secretária, e sim uma escrava. E sinceramente, eu não tinha esse tempo ocioso. Mas se eu negasse, seria demitida. E isso é algo que não pode acontecer.Podia muito bem pedir ajuda aos meus amigos. Mas não, eu não vou. Preciso caminhar com minhas próprias pernas. Quando eu pensei nessa frase, pensei que fosse no sentido figurado. E como se o destino tivesse me ouvido.Lemi, meu novo chefe, pediu que eu tirasse cópias de alguns documentos importantes, fizesse algumas ligações para agendar reuniões e também fui incumbida de buscar uma encomenda na farmácia do outro quarteirão. Tudo isso antes mesmo do horário do almoço.Corri de um lado para o outro, como uma louca com esses saltos que estão me matando, pois o sapato é da minha amiga, tentando cumprir todas as tarefas com agilidade e eficiência.No
Lemi Murabak"Quem é Luca?" A raiva toma conta de mim."Eu não lhe devo…", ela perde totalmente o foco quando eu aproximo o meu nariz do seu pescoço, mas não o toco."Explicação?" Eu termino a frase que ela começou e sussurro no ouvido dela. "Tenha em mente, senhorita Smith, que seu tempo agora é meu. Quando aceitou ser minha secretária, assinou um contrato com o diabo.""Não me disseram nada disso, senhor Murabak" sua respiração está descontrolada."Mas eu estou falando que o seu tempo será todo meu e terá que ficar à minha disposição. Sempre. Entendeu? Ou quer ser demitida?" Nossos corpos têm somente proximidade, mas não encosto nela."Não me disseram que eu seria assediada, no primeiro dia de trabalho.""E não está sendo" me distancio dela. "Só estou deixando claro que você é minha… Secretária" falo a última palavra bem devagar para que ela entenda, pois eu estava realmente passando dos limites. E se continuasse não sei a que ponto chegaria.Quando decidi vir para Londres, eu não i
Lemi MurabakSeu sorriso ao me ver era enigmático, despertando em mim uma mistura de curiosidade e preocupação. Intrigado, me aproximei o mais rápido que pude, com a minha bengala batendo no chão."Lemi, quanto tempo?" Ela já estava na minha frente."Aisha, você está diferente", fui pego de surpresa."Gostou?" Ela passa a mão nos cabelos. "Mudei um pouco, estava precisando ficar mais bonita.""Você já era bonita, mas agora está linda. Mas, imagino que você não tenha vindo até aqui para me mostrar seu cabelo novo", ainda estava confuso com sua presença ali. "Aconteceu alguma coisa?""Se você atendesse o maldito telefone, eu não precisaria deixar meu marido e meus filhos para vir atrás de você."Aisha, minha amada irmã. Já faz mais de dois anos que eu fui embora, depois de tudo o que aconteceu naquele maldito dia, deixei todos distantes da minha vida. Mas algo estava acontecendo? E aquilo me preocupou."E por que você veio atrás de mim?"Sem esperar uma resposta, ela abriu a porta do ca
Lemi Murabak Assim que o avião pousou em Kudsi, meu coração começou a bater mais rápido. A ansiedade, misturada com a expectativa, tomava conta de mim, pois sabia que iria me reencontrar com pessoas que amava profundamente. Empurrei a porta do avião e, com minha bengala apoiada em uma das mãos, comecei a descer as escadas.Eu já estava acostumado com os olhares das pessoas, o fato de ser manco chamava a atenção de todos ao meu redor. Antes, eu me importava com os olhares curiosos e julgadores, mas agora, com o passar dos anos, eu tinha aprendido a não permitir que essas opiniões alheias me afetassem.Contudo, quando avistei minha mãe e meu irmão esperando por mim, meu coração se encheu de emoção. Os olhos marejados de mamãe, que não conseguia conter as lágrimas que escorriam pelo seu rosto. O nó em minha garganta parecia maior do que nunca, e só consegui soltar uma única palavra: "Mãe".Ela correu em minha direção e nos encontramos em um abraço apertado. O calor do seu corpo contra o
Lemi MurabakDesde o fatídico acidente que deixou minhas pernas deformadas, eu me isolara do mundo. A dor física era insuportável, mas a dor emocional era ainda maior. Eu não queria que ninguém visse minha fraqueza, minhas imperfeições. Vivia em um torpor constante, perdido entre os escombros do meu passado.No entanto, o destino sempre parece encontrar uma maneira de nos puxar de volta à vida. Meu pai, governante de Karilink, tomou uma decisão que mudaria tudo para mim. Ele fez de mim o próximo governante e, para honrar sua promessa, eu precisava arranjar uma esposa. Uma esposa de mentira, para ser mais preciso.Nunca me passou pela cabeça que um dia eu precisaria recorrer a tal artifício. A solidão, para mim, era uma escolha deliberada. Mas meu pai, com sua sabedoria, não pensava dessa forma. Ele queria que eu firmasse uma família. E como sempre diziam, o amor pode vir com o tempo.Ao tomar conhecimento dessa promessa, meu irmão Aslan veio até mim. Seus olhos revelavam preocupação e
Alisson SmithUma pergunta não saía da minha cabeça: Quem era aquela mulher? O encontro inusitado de Lemi com aquela misteriosa mulher loira abalou minhas estruturas. Sentia-me traída e chateada pela forma como ele me deixou plantada na porta da empresa. Aquela imagem, a provocação do luxuoso carro à frente da empresa, era como um golpe direto no meu coração.Eu sabia que não deveria estar sentindo isso; isso me irritava a cada minuto que eu voltava a pensar que ele havia saído com ela. E ainda por cima, antes de entrar no carro, me olhou e sorriu, como se debochasse de mim."Que ódio", foi o que gritei entre dentes, apertando as minhas mãos. Eu estava tendo um ataque de raiva bem na frente da empresa onde eu trabalhava.Entrei no elevador e apertei o botão do andar da presidência. Quando olhei a lista de coisas que ele tinha me mandado, fiquei ainda mais furiosa, pois eu passaria a noite toda trabalhando. Assim que voltei para o escritório, encontrei Berna falando ao telefone. Ela me
Alisson SmithCheguei ofegante ao aeroporto, ainda processando a ligação inesperada de seu chefe. Enquanto esperava na área de embarque, seus pensamentos foram interrompidos pelo surgimento de um homem estranho. Seu rosto sem expressão a assustou profundamente, fazendo-a questionar se aquele monstro a encontrara.Sem pedir permissão ou dizer uma palavra sequer, o homem se aproximou de Alisson e a alertou para segui-lo. O medo que invadiu cada partícula de seu corpo era quase palpável. Ela considerou correr e tentar fugir, mas a presença do homem parecia impedi-la de tomar qualquer ação impulsiva."Para onde você está me levando?" Não houve resposta.Com um terno impecável, o homem caminhava ao meu lado, sua expressão impassível. Cada passo que dava aumentava a ansiedade e a respiração ofegante de Alisson. Seria possível escapar dele? Ela se questionava, procurando possibilidades em meio àquele corredor diferente do fluxo de pessoas indo e vindo.A sensação de estar completamente perdi