A primeira coisa que faço assim que entro no apartamento depois de fechar a porta é retirar meus sapatos de salto alto, não é nada contra eles, eu particularmente amo saltos e me sinto poderosa com eles, mas eles poderiam ser menos dolorosos as vezes. Suspiro de alívio assim que meus pés tocam o chão frio e eu adentro o recinto.
– Então, como foi sua noite? Conte-me tudo – Alietta Dobrev, minha melhor amiga e colega de apartamento questiona. Alietta está sentada no sofá em frente a TV, assim como todos os dias quando chego em casa.Eu a conheci no primeiro ano da faculdade de Literatura Inglesa, mas logo percebi que os estudos não eram bem a minha praia e acabei desistindo.Ela foi a única amiga que eu fiz e tive em toda a minha vida em todos os meus 24 anos. Sou grata pela vida dela e as vezes fico me perguntando como ainda somos amigas quando somos totalmente diferentes. Enquanto ela conseguiu se formar com honras na faculdade, iniciou sua pós-graduação e já pensando no mestrado, eu larguei no primeiro semestre e me tornei dançarina num clube para, depois, vir a me tornar acompanhante de luxo. Enquanto ela trabalha numa agência de publicidade, eu saio com homens em troca de dinheiro.São dois extremos bem grandes, mas ela nunca me julgou.– Uma merda, como sempre – murmuro me jogando ao seu lado no sofá L espaçoso que levou uma boa parte do meu salário quando decidi comprar este apartamento e mobilhá-lo. – Acredita que ele tentou me dar o golpe de novo? Os homens não aprendem com os erros.– Acredito, eu te disse, homens como ele não mudam nem um pouco – ela diz enquanto coloca a colher dentro do pote de doce e leva a boca.– É, eu sei, mas ele teve o que mereceu – murmuro lembrando-me da rasteira e sorrio. Levanto-me e ando até a cozinha interligada, abro a geladeira e sirvo uma taça de vinho para mim.– Como assim? Você bateu nele por acaso? – ela pergunta interessada. – Estou perguntando só para o caso de morar com uma fugitiva agora. Eu sei que você tem a mão bem pesada.– Não, não precisei gastar minhas habilidades com ele. Outra pessoa fez isso por mim – é claro que ela olha para mim como quem não entendeu nada e eu dou de ombros, dando um gole na minha taça de vinho.– Você não está sendo clara. Algum cavalheiro em armadura intercedeu por você? – os olhos dela praticamente brilham apenas com a hipótese e eu faço uma careta. Ela não poderia imaginar algo mais real?– Eu o dispensei, isso é tudo – não estou mentindo, eu realmente o dispensei. Se alguém tinha assuntos a tratar com ele, eu não tenho nada a ver com isso. – Como está sua agenda para amanhã?– Cheia, como sempre. E a sua?– Tenho uma revisão imensa para fazer, mas por enquanto estou fingindo que estou de folga. É o único jeito de aguentar o chato do meu chefe – ela diz suspirando e desligando a TV.– Deveria mandá-lo ir a merda. Eu faria isso se fosse você – digo voltando a me sentar no sofá.– Eu faria se soubesse fazer qualquer uma das coisas que você faz, mas você sabe que eu falho em qualquer coisa relacionada a sedução. Sou um pedaço de madeira sem charme. Tenho certeza que se usasse qualquer uma das suas roupas ficaria, no mínimo, ridícula.– Odeio quando você diz isso sobre si mesma quando nós duas sabemos que não é verdade. Alietta, você é bonita. Muito bonita – não estou mentindo, ela tem aquela beleza natural que todo mundo inveja, inclusive eu.– Sim, eu sei que sou bonita, mas não sou sexy como você. Não importa onde vamos, se você está maquiada ou não, você chama muita atenção de ambos os gêneros. É um pouco irritante as vezes, mas eu relevo na maioria do tempo porque não posso te culpar por ser uma grande gostosa – ela gesticula enquanto tagarela e eu caio na gargalhada.O que ela está dizendo não deixa de ser verdade. Eu chamo a atenção, tenho plena ciência disso, foi assim que fui recrutada para a agência de acompanhantes.– Alietta, mesmo que eu seja gostosa, eu não tenho o seu cérebro, o que é uma merda. Inteligência é muito sexy também, sem falar que eu não vou ser sexy até o fim da vida. A beleza acaba.– Tudo bem, o cérebro pode até ser sexy, mas não tanto como um corpo.– Depende de quem está falando. Algumas pessoas preferem inteligência em vez de beleza.– É mesmo? Eu ainda não encontrei esse homem, ele deve estar invisível neste mundo – Alietta coloca a lata de doce na mesinha a frente e se deita no sofá com uma postura derrotada. – Será que algum dia vou arranjar um namorado decente? Até agora só me apareceram idiotas.– Vou ter que concordar com você. Quer um conselho? Pare de procurar.– Como assim?– Quando parar de procurar, eles vão aparecer. As coisas só vem quando não queremos mais.– Você está tão equivocada em suas palavras.– Você é que fantasia demais sobre o amor.– Eu não fantasio sobre o amor – Alietta se senta de um pulo com um olhar obstinado. Ela usa esse olhar sempre que quer me dar um sermão sobre algo e eu já sinto que vem um. – Eu tenho expectativas altas e isso é bem diferente. Acho que não estou pedindo demais quando digo que quero um homem carinhoso, amoroso, alto, bonito, trabalhador e que me respeite.– Você não está pedindo demais, é só que eu lido com homens a muito tempo e eu nunca conheci o tipo que você quer. Acho que ele só existe nos filmes – ela ainda está com aquele olhar, então eu me levanto e bebo o último gole de vinho da minha taça.– Rayna, eu sou uma mulher romântica. Não há nada que você possa fazer para tirar o meu tipo ideal da minha cabeça e não há como mudar isso em mim – ela diz enquanto eu vou até a pia e coloco a taça lá. Então volto e paro na sala.– Eu sei que não dá para mudar, mas isso não quer dizer que você não pode se divertir no processo. O que me diz de sair com alguns homens gostosos de vez em quando? Tenho certeza de que isso vai dissipar o ódio que você sente do seu chefe rapidinho – dou uma piscadela para ela e me dirijo ao meu quarto, já prevendo o que vem por ai.– Rayna, sua safada – ela grita para mim e eu sorrio sozinha enquanto entro no meu quarto. Eu não poderia ter uma colega de quarto mais diferente.Entro no banheiro e enquanto tomo meu banho, suspiro de gratidão. Alietta é o sopro de tranquilidade da minha vida, se tenho ela tenho tudo. Ao contrário das outras pessoas, não há nada que eu possa fazer além de ficar ao lado dela.Se eu tiver ela, estabilidade e dinheiro, eu tenho tudo.– Casar? Você pode repetir? Eu tenho certeza que eu ouvi errado, não é possível – digo esfregando os olhos, minha cabeça ainda pesada de sono. Sento-me na cama com a maior preguiça do universo e olho para Jeong, que está sentado numa poltrona próxima a mim com seu tablet na mão.Aparentemente, há alguma coisa muito importante ali naquele tablet para o qual ele está olhando, é a única explicação para ele olhar com tanta atenção para a tela dele.– É exatamente o que você ouviu. Você vai se casar – ele diz baixando o tablet e finalmente olhando para mim.– Casar? Eu? Quem diabos tomou essa decisão? Eu nunca concordei em me casar. Por acaso tenho cara de quem quer se amarrar permanentemente a outro alguém? – pergunto sarcástico apontando para a minha face, uma dor de cabeça ameaçando aparecer.– Bem, seu pai deve achar que sim. Ele arranjou um casamento para você e eu sou apenas o mensageiro, então não desconte em mim.Esfrego as mãos no rosto e olho para a cidade pela janela antes de jo
Marggie continua olhando para mim com expectativa e eu sorrio, ponderando as minhas palavra. Inesperadamente, ela interpreta meu modo de agir de outra forma e abre um sorriso.– Eu sabia que podíamos negociar! Ah, tenho certeza de que você vai adorar a minha menina e…– Pareço um traficante de pessoas para você? – interrompo sua frase e me aproximo, o rosto tão próximo do dela que consigo ver cada ruga que há naquele rosto. O sorriso dela se desfaz e ela parece temerosa outra vez.Ah, Marggie, você nunca deveria ter baixado a guarda para mim.– E você ainda tem coragem de chamá-la de sua menina? – continuo e ela se encolhe. – Não acho que ela saiba que você está vendendo ela, do contrário, correria para as montanhas. Acho que é um grande azar o dela por ter uma mãe como você. Margarita, eu posso mexer com qualquer merda, mas eu não mexo com mulheres e crianças.– Eu sou uma mulher.– Você é uma viciada que me procurou por livre e espontânea vontade querendo iniciar um negócio. Você sa
Na segunda feira, assim que entro na Agency B. para discutir o contrato (ou a quebra dele) do Sr. Peev com os superiores, sou abordada pela recepcionista a caminho do elevador. Ela é nova, então eu ainda não a conheço muito bem, tampouco sei seu nome.– Bom dia – cumprimento.– Bom dia. Há um cliente esperando por você na sala de reuniões, ele disse que é urgente e não pode esperar – franzo a testa.– Cliente? Mas hoje é meu dia de folga – murmuro. – Não tenho ninguém marcado para hoje, muito menos uma reunião. Eu vim apenas relatar um furo no contrato.– Bem, ele chegou acompanhado da chefe e ela me pediu pessoalmente para te avisar. Agora que dei o recado, com licença, a recepção não pode ficar vazia – a garota sai e eu fico ao pé do elevador, pensativa.– Quem diabos deve ser? – questiono quando as portas se abrem e entro dentro. Se estava com a chefe, não é alguém pequeno.Lá no meu íntimo, fico animada. Clientes ricos sempre estão dispostos a pagar bem e nunca discutem os meus pr
– Marido e mulher? – Rayna repete debilmente como se estivesse experimentando as palavras em sua própria boca. – Não, ele não pode estar falando em casamento, a instituição do matrimônio e todas essas coisas. Isso não existe na minha vida e nunca vai existir.Será que ela sabe que está balbuciando e que estou ouvindo tudo? Acho que não.– Sim. Casamento. Viver a dois, felizes para sempre. Isso parece familiar? – cruzo as pernas e ela olha para mim ainda mais atônita.Adoro ver essa expressão no rosto das pessoas, elas fazem isso também quando estão prestes a serem torturadas.– Casa…mento – ela diz devagar e pausadamente. Então se levanta com pressa e bate na mesa, me assustando. – Não! De jeito nenhum! Não posso me casar!– Não pode? – questiono com uma sobrancelha arqueada. – Acaso já é casada? Está noiva ou algo assim?Não pensei nessa opção e isso me preocupa. Será que vou ter que me livrar de algum homem inconveniente? Eu realmente não gostaria de machucar ninguém além de quem me
Volto para casa com uma névoa enorme no lugar dos pensamentos e não tenho pura certeza de como consegui chegar em casa. Minha mente está toda embaraçada e meu pensamento todo acelerado.Convenientemente, Alietta está passando quando eu chego e me saúda com o maior dos sorrisos– Ah, você já chegou? Eu acabei de chegar também, você acredita que o Sr… – pausa quando vê minha expressão. passo direto por ela até o quarto e ela me segue. — O que está errado?Alietta é sempre rápida em perceber o que está errado em mim e por isso eu a amo. São muitos anos de convivência.– Alietta, o que vou fazer? – murmuro finalmente olhando para ela. Seus olhos se arregalam e eu não fico surpresa.Pela expressão dela, eu devo estar um caco completo.– Rayna, você está me assustando! O que aconteceu? Você foi despedida? Te fizeram algum mal? Seu salário não vai cair? – Rayna me conhece tão bem que sabe o quanto eu fico abalada quando meu salário atrasa. Essa era umas das poucas coisas que conseguiam me de
Tenho tanto ódio dentro de mim enquanto faço as malas que nem mesmo me organizo como eu normalmente faria, chega um ponto que eu estou apenas jogando tudo lá dentro da mala sem cuidado algum, algo que eu nunca faria. Enquanto isso, Alietta fica olhando para mim com preocupação nítida em seu semblante.– Rayna, você não precisa fazer isso. Nós podemos pagar, posso talvez pegar um empréstimo e… – ela diz enquanto eu estou fechando a última mala, mas eu a interrompo.– Não precisa fazer isso, Alietta. Eu jamais a forçaria a me ajudar em algo assim mesmo sabendo que você faria de bom grado. É uma quantia exorbitante já que ela pegou para revender, nós duas sabemos que isso não é sua culpa, se tem alguém que deveria me ajudar é a minha mãe, mas ela só sabe me afundar. Mesmo com o meu trabalho e o seu, demoraria anos para que tudo fosse pago – digo sinceramente me virando para ela e volto ao closet, vendo o que estou esquecendo. Não pretendo levar tudo para a casa de Nikola, daria muito tr
A despedida entre Alietta e Rayna poderia ter amolecido meu coração, se eu tivesse algum, mas como não tenho eu apenas me concentrei em observar as duas se abraçando como se o mundo fosse acabar porque estão separadas.– Mulheres são muito dramáticas – murmuro para mim mesma.– Não concordo, senhor – Jeong diz quase que imediatamente e eu me viro. Não sabia que ele tinha ouvido, mas estou ainda mais surpreso por ele ter dado sua opinião.– Não concorda? – pergunto levantando as sobrancelhas.– Somos amigos também. Não sofreria com a minha ausência? – ele arqueia a sobrancelha e eu estreitos meus olhos. Não consigo imaginar minha vida sem ele, é ele que cuida de tudo, é meu braço direito e amigo acima de tudo.Eu certamente sentiria falta dele, mas ele não precisa saber disso.– Estou muito surpreso por dizer que somos amigos. Você sabe, não consigo te considerar meu amigo quando você me chama de senhor a cada segundo, me faz sentir velho – exponho meu ponto de vista e ele arqueia a so
Eu poderia ter saboreado muito mais o sabor do jantar na minha “casa” nova se não estivesse sob a tensão do olhar de Nikola e do seu irmão, Viktor, em cima de mim, sem falar nos pensamentos que estavam girando na minha cabeça o tempo inteiro.Em vários momentos, me peguei sendo analisada tanto por Viktor quanto por Nikola e tudo que eu podia fazer era demonstrar normalidade e sorrir como uma idiota apaixonada para o meu marido aparentemente caloroso, já que ele segurava minha mão em toda oportunidade, fato que Viktor ficava observando com curiosidade aparentemente. Felizmente, é um papel que eu já desempenhei muitas vezes, se não, eu estaria em maus lençóis. Não tive nem mesmo tempo de olhar ao redor da propriedade além do momento em que chegamos, tudo que sei é que é uma casa bonita e luxuosa, mas não consigo explorar porque estou presa aqui com esses dois homens.Fico aliviada quando o irmão de Nikola se despede logo após a sobremesa e diz que precisa resolver algumas coisas pessoai