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Capítulo 4 – Sobrevivência

— Rosilda, onde você se meteu, criatura? Diabos!

— Já estou aqui, patroa, vou levar a senhora para o jardim, está fa-zendo uma manhã linda

— Deixe de conversa e faça logo seu serviço, mulher!

— Está bem, vamos lá

Desde minha saída do sertão até o presente momento nada teria si-do mais doloroso do que viver aquele momento de intensa pobreza, me sentia como se estivesse literalmente jogada numa vala de esgoto a céu aberto. Antes não era capaz de entender o sofrimento daquelas pessoas, mesmo vindo de origem humilde, nem do quanto elas paga-vam um alto preço para sobreviverem nas ruas.

As vezes reclamamos de barriga cheia enquanto lá fora muitos morrem de fome, frio, contaminados por diversas doenças sem cura e esqueci-dos pela sociedade que, apesar de viverem em derredor, fingem não perceber a existência destes pobres diabos. Para os de maiores posses eles não passam de sombras desapercebidas pelos olhos altivos dos ri-cos que, dominados pelo orgulho, se consideram superiores aos desva-lidos.

E não podemos negar ser isso uma enorme verdade, porém, no final por debaixo da pele somos todos iguais. Se houver uma inversão social e o rico cair em desgraça, perdendo tudo o que tem, tornando-se inevi-tavelmente um miserável e aquele que antes vivia jogado na sarjeta se elevar em status, assumindo uma importante posição, a situação do antigo milionário não seria igual a que vivia o ex miserável? Lógico que sim, é exatamente essa inversão de fatores que pode nos fazer ver o quanto somos iguais como pessoas, como seres humanos.

Infelizmente na maioria das vezes é preciso descer bem baixo nos esgotos da vida para compreendermos que as diferenças sociais exis-tem porque nós mesmos fazemos com elas se tornem reais a partir do momento em que decidimos olhar para os outros com desprezo. Olhem só a atual situação na qual me encontrava: Dias atrás estava morando numa mansão e dormindo num colchão macio e debaixo de lençóis de seda, horas depois me encontrava sentada num banco de uma praça qualquer da cidade sem saber onde iria encostar a cabeça para dormir.

E o que comeria no jantar daquela noite e nas demais que viriam a partir dali. Passei toda a madrugada acordada, não conseguiria pregar os olhos naquelas condições, entretanto meus novos amigos se aco-modaram cada um num canto e apagaram. Tudo vai do costume, me disse Solange, uma das pedintes com quem fiz amizade logo que pas-sei a morar no relento. Uma semana havia se passado desde que perdi tudo e possuía como saldo penas uma mochila e algumas peças de roupa além daquela que usava.

Deixei na mansão tudo o que comprei com o dinheiro das drogas que vendia para arrumar capital e formar um exército que me ajudasse a destruir Izabel, pois a mulher havia crescido demasiadamente em poder, porém, quebrei a cara ao ser traída pelos que escolhi como par-ceiros. Rogério se acovardou e caiu fora ao se ver diante do perigo e Luís vendeu a alma para o diabo na primeira oportunidade de se dar bem.

Agora que tinha repassado até o último centavo aos fornecedores de drogas para não acabar na vala com a boca cheia de formigas, como era costume acontecer com quem se metia a besta e decidia passar a perna neles, deveria começar a me preparar para saber conviver com o inesperado, assim como acontecia com tantos outros que semelhante a mim perderam tudo o que tinham. Pelas manhãs eles acordavam bem cedo e já saiam para a rotina diária. Que era pedir esmolas pela cidade e Solange me convidou para ir junto, mas recusei.

Pois senti vergonha de agir como uma pedinte. Basta estender a mão que eles já sabem o que quer e te dão uma moeda — Disse ela ao me incentivar, porém não me senti encorajada o suficiente para enca-rar o novo desafio, e fiquei por ali mesmo. As onze da manhã e o es-tômago vazio começou a se roer por falta do que comer, lembrei com água na boca todas aquelas frutas e guloseimas que ficaram na geladei-ra da mansão de onde sai, vivi bastante tempo na fartura e acabei acostumando com a mordomia.

Agora havia regredido e precisava me acostumar novamente com a miséria, o que de certa forma não iria ser nada fácil. Meus novos cole-gas voltariam de suas atividades somente no final da tarde, quando iri-am se recolher para encontrar um canto qualquer da praça para dormir, mas Solange lembrou de mim e veio me trazer uns trocados para que eu pudesse comprar algo e me alimentar, pois permaneci durante a manhã inteira sentada no banco que existia debaixo de uma manguei-ra.

Cujos frutos hora por outra caiam no chão bem a minha frente, no entanto mais uma vez a timidez impediu que eu pegasse alguns para matar a fome. Se vó Chica fosse viva iria me repreender e perguntar se o que tinha acontecido com aquela garotinha magricela do sertão. Que era sapeca e não tinha papas na língua para falar o que bem entendesse e metia a mão na panela para comer qualquer coisa, ela certamente não reconheceria aquilo no qual me tornei

A boa vida de grã-fina que levei na casa de Rogério e durante a permanência na mansão do Lebron me transformaram em uma patrici-nha fresca que o destina de certa forma iria ter que consertar às custas de muita dor e sofrimento. Atravessei a larga avenida de três vias que cortava o centro da cidade e fui até um restaurante localizado pelas imediações do lugar, a nova amiga ficou parada no mesmo local onde antes estávamos e ainda me fez sinal.

Gesticulando com as duas mãos, tentando me dizer alguma coisa que não entendi. Entrei no ambiente refrigerado que doía nos os-sos, na intenção de comprar algo para o almoço, mas com aquele mon-tão de moedas fui barrada pelo atendente que disse não aceitarem tro-cados e que eu fosse comprar meu lanche noutra bodega qualquer. A princípio me indignei e quis discutir com o funcionário do restaurante, mas depois cai em mim e percebi que apesar de ainda andar bem ves-tida não era mais aquilo que fui nos tempos em que esbanjava poder e dinheiro.

Havia perdido tudo e minha realidade ali era outra, não passava de uma mendiga. Igual a muitos outros com quem passei a noite naquela praça. Voltei para junto da pedinte e lhe devolvi as moedas, agradeci, mas expliquei que não foram aceitas. Ela, com cara de quem morria de compaixão pegou-me pelo braço e fomos juntas até um vendedor am-bulante e compramos alguns pasteis e outros salgados com suco de la-ranja, comemos e depois retornamos, aí compreendi que no novo mundo social em que passei a viver até o dinheiro que possuísse seria rejeitado pelos bacanas.

Jurei a mim mesma que um dia ainda voltaria a ficar por cima e vol-taria naquele restaurante para dar o troco àquele cretino pela afronta que me fez, faria com que ele entendesse que uma pessoa não deve ser julgada pelo que aparência. Mas pelo que de fato somos como ser humanos. Fui destratada pelo simples motivo de ser pobre por alguém que com certeza não passava de um reles funcionário de um restauran-te fino, talvez quase tão necessitado como eu.

Mas teria a chance de colocá-lo no seu devido lugar. Solange e eu ficamos horas conversando, ela escolheu ficar a meu lado o restante do dia e me contar sua história de vida, sempre trouxe comigo esse carma das pessoas mais velhas quererem me falar de suas experiências, vitórias e fracassos, e costumava ser uma boa ouvinte. Sua História de vida se parecia com a minha, já teria sido antes uma jovem com mui-tos sonhos e esperanças.

Mas o destino traiçoeiro e impiedoso a impediu de ser feliz. En-controu seu grande amor e a seu lado buscou concretizar seus planos de viverem juntos, formarem uma família e finalmente conquistarem lado a lado a mais perfeita felicidade, porém foram impedidos pela si-nistra trama de alguém que desejava vê-los na pior e separados. Seme-lhante a mim foi imensamente prejudicada depois que surgiu no seu caminho quem estava disposto a tudo para impedir sua caminhada.

A única diferença é que no caso dela o inimigo foi um homem apaixonado que decidiu conquistá-la a qualquer custo e por se negar aceitar sua proposta foi perseguida pelo lunático sem misericórdia até cair em completa miséria. Seu grande amor foi morto, seus familiares assassinados sem misericórdia e ela banida por completo da alta socie-dade de onde nunca mais pôde retornar. Foi Solange quem me fez ver o quanto pouco sabemos sobre essa multidão de pessoas que vivem jogados pelas ruas de nossas cidades, mendigando o pão e servindo de espetáculo para os poderosos que mesmo com a possibilidade de aju-dá-los pouco.

Ou nada fazem para que isso aconteça. Faziam dois dias que perdi tudo e minhas roupas já estavam com mau cheiro, precisava tomar um banho decente e mudar minhas vestes, mas não fazia ideia de onde is-so seria possível. Visto que ultimamente havia me tornado uma mora-dora de rua e em total abandono na semelhança dos demais com quem passei a conviver. Se aproximava o final da tarde, o sol já se escondia e a escuridão de mais uma noite chegava despertando o iluminar das luzes artificiais penduradas nos postes espalhados por toda parte.

O trânsito nas duas laterais da praça se transformou em um verda-deiro inferno e um barulho sem fim de buzinas se fazia ouvir. Parada, de pé com uma mochila presa nas costas, sentindo o vento gelado pas-sando suavemente por entre os fios de meus longos cabelos. Permane-cia perplexa a olhar todo o movimento sem noção do que aconteceria minutos depois. Apesar dos bolsos vazios, das vestes suadas e com mal odor, sem futuro a menor esperança de um futuro promissor ainda possuía um grande tesouro.

A beleza que ironicamente herdei de minha tia megera, pois meus pais eram feios de lascar. De repente um veículo parou no acostamen-to e começou a apitar, piscando insistentemente a luz do s faróis e como não me aproximei o motorista decidiu ir ao meu encontro, acre-ditando que estivesse fazendo programa e propôs que fôssemos passar a noite juntos em um motel nas proximidades. Pensei em recusar, afi-nal a bastante tempo tinha deixado de ser puta, mas fazer o quê se não tinha onde cair morta.

E dormir jogada pelo chão como uma cadela pela segunda vez não fazia parte dos meus planos. Aceitei, mesmo envergonhada ao lembrar que fedia por causa dos dois dias sem tomar um banho decente, pelo menos o indivíduo estava embriagado e nem sentiu meu péssimo odor, o que agradeci aos céus, pois assim não perderia a oportunidade de dormir confortavelmente. Parecia que finalmente o maldito destino que tanto me perseguia decidiu reabrir a porta de oportunidades, afi-nal.

Podia ser que ao lado daquele desconhecido surgisse a chance de um recomeço. Ao chegar ali tomei um banho completo e fiquei pron-tinha para ser possuída pelo estranho, com toda certeza não sentiria prazer e nem teria orgasmo, como jamais tive com os homens com quem transei nos meus tempos de juventude, seria apenas mais uma ou duas horas de fingimentos e gemidos inventados. Mais que nada, me dei mal, o indivíduo parecia um cavalo no cio em todos os sentidos porque além de ter uma ferramenta de trabalho enorme que me arre-bentou toda por dentro.

Ainda era do tipo que não caia fácil, aguentou mais tempo do que o previsto e só paramos ao raiar dos primeiros raios do sol. Já arruma-va meus molambos para retornar às ruas, quando ele me fez um convi-te e fomos tomar o café da manhã numa lanchonete nas proximidades, lá iniciamos uma conversa que durou pelo menos uma hora, tempo su-ficiente para deixá-lo a par de minhas necessidades básicas e ele se ofereceu a me apresentar para uma amiga que com certeza conseguiria para mim moradia.

E alimentação até que encontrasse outra maneira de sobreviver. Na situação delicada na qual me encontrava não poderia negar tama-nha ajuda, e prontamente aceitei a ajuda. O problema é que por detrás daquele gesto de boa vontade existiam outras intenções que somente mais tarde pude perceber. Depois de já está novamente enroscada até o pescoço pelas correntes da escravidão onde pensei jamais voltar a viver. Fomos até uma certa área da periferia onde havia um casarão semelhante ao que morei no passado com minha tia.

Fui submetida a todo tipo de abusos sexuais pelos pedófilos que ali apareciam, fiquei arrepiada só de ver o lugar, parecia estar revivendo cada segundo dos horrores que passei sob o domínio da maldita alicia-dora. Ao adentrarmos o lugar logo percebi que se tratava de um putei-ro e alguma coisa dizia no meu ouvido que iria me ferrar mais uma vez, eram várias mulheres seminuas andando de um lado para o outro. Muitos homens nas mesas, consumindo bebidas alcoólicas, músicas apaixonadas e luzes coloridas avermelhavam o ambiente.

Fui apresentada a madame e levada a um pequeno quarto localiza-do no final de um corredor estreito e com as paredes manchadas de lodo. Tudo lembrava as celas no buraco imundo onde fiquei presa de-pois de ter sido condenada como aliciadora de menores no lugar de Isabel, um espaço pequeno que mal cabia uma cama de solteiro, um banheiro apertado e nele uma pia velha com um vaso sanitário man-chado de ferrugem... Era o retrato da miséria exposta diante de meus olhos.

Recebi da piranha uma chave para ter o controle do quarto e em seguida me encontrei sozinha, sentada na cama com o olhar fixo na parede pintada de amarelo, perdida em mil pensamentos como se esti-vesse distante da realidade que me cercava. Como seria dali em dian-te? Quais surpresas Deus, o universo ou o destino havia reservado pa-ra mim?

Quantas dores mais estariam reservadas para uma mulher que des-de menina só apanhou da vida? Alguma coisa insistia em avisar que algo de terrível iria acontecer comigo e aquilo me atormentava a alma, meu espírito se remexia por dentro como se percebesse a presença da morte nas proximidades, o mal novamente me alcançou e a tormenta iria se repetir. Fiquei ali até a noite e recebi a visita de Solange, a dona do estabelecimento, ela tinha algo sério para me falar:

— Então você é a Mercedes, a linda jovem que meu irmão gamou e resolveu ajudar depois de trepar uma única noite num motel?

— Sim, sou eu mesmo, estou agradecida pela hospitalidade

— Bem, minha querida, foi exatamente para isso que me desloquei dos meus afazeres para que pudéssemos ter essa conversa, pois sei que meu irmão não lhe deixou a par de certos, detalhes:

A princípio vou logo lhe esclarecendo que aqui não é um hotel ou coisa semelhante, onde a donzela possa dormir e acordar como se fos-se uma hóspede sem em nada contribuir, você deve ter percebido logo que chegou em minha casa que o lugar é um puteiro e aqui ganhamos a vida agradando nossos clientes, que são quem pagam nossas despe-sas

— Sim, senhora, eu percebi

— Ótimo, então assim fica mais fácil lhe dizer que para continuar nessa casa a mocinha terá que ir para o salão.

Disposta a satisfazer a clientela e gerar renda para garantir nosso sustento, é assim ou pegue sua mochila e caia fora! Faltam algumas horas para a casa ficar cheia, tome sua decisão e faça conforme o que achar melhor. Entendeu?

— Sim, eu entendi

Nossa conversa terminou com uma interrogação, qual seria a me-lhor decisão a tomar diante de tamanha pressão? Olhando para trás via apenas a derrota que me levou a abrir mão de tudo o que conquistei, nos meus dois lados não existia nada nem ninguém que me servisse como escape diante da catástrofe na qual me encontrei no pior mo-mento de minha existência. E o que dizer do futuro, poderia sonhar com algo melhor depois de nos últimos tempos só ter colhido desgra-ças como recompensa por quer fazer justiça contra uma infeliz que destruiu todos os meus sonhos?

Já disse antes que Deus parecia me odiar, o diabo me rejeitava e o inferno não podia ser meu lar. Por incrível que pudesse parecer eu nasci para não pertencer a ninguém, era um zero a esquerda e renegada por tudo o universo. Sei que esse pensamento é horrível e negativo, mas foi exatamente assim que me senti naquela época uma pessoa completamente rejeitada, excluída e sem sorte na vida. Levantei dali e fui ter com a madame, já tinha me decidido.

Ela estava sentada numa das cadeiras próximas a parede do amplo salão no qual se reuniam as putas e seus machos sedentos por sexo, apesar da iluminação precária e das luzes coloridas próprias de lugares como aquele a sanguessuga de pobres mulheres sem melhores oportu-nidades, como eu e tantas outras que ali viviam, pôde perceber minha presença e gesticulou para que me aproximasse:

— Então, princesa, pronta para começar a trabalhar?

— Sim, estou pronta

— Claro, não me surpreendo com sua decisão, na sua atual situa-ção não poderia tomar outra atitude. Bem, então circule pelo salão que temos muitos clientes à procura de carne fresca como você. Vamos lá, comece!

Senti vontade de esbofetear a cara daquela vagabunda e fazer com que se mancasse, mas se fizesse isso seria expulsa do puteiro e teria de voltar para as ruas para viver como uma pedinte miserável, isso não podia se repetir pra mim. Minha beleza as vezes servia como bênção nus casos e maldição noutros, e me ferrei logo na primeira atuação como vagabunda de cabaré. Um safado metido a besta veio ao meu encontro e me agarrou de supetão como se fosse uma vadia qualquer, e realmente era, mas não queria aceitar.

O pilantra agarrou na minha bunda com tanta força que ardeu as beiradas, então perdi a paciência e meti a merda de uma tapa no rosto do sacana, daí me lasquei. O desgraçado era cheio da grana e trafican-te do morro, a madame era metida no tráfico e seu cabaré um ponto de venda de drogas. Ele fazia o que queria por ali e não aceitava a rejei-ção como resposta, reclamou para a dona do ambiente e ela me casti-gou mostrando como as coisas funcionavam por ali. Fui levada para um quarto nos fundos bem menor e mais apertado do que o anterior, me espancaram com tapas, chutes e pontapés.

Depois fiquei com fome e sede por dois dias seguidos. Interessan-te como as pessoas que cruzaram meu caminho gostavam de me es-pancar, nasci com os couros grossos e prontos para apanhar, várias ve-zes amaldiçoei meu nascimento. Ao ser solta e arrastada por duas pu-tas até o meu recanto cheio de baratas e teias de aranhas, permaneci jogada no colchão fedorento toda dolorida pelos socos levados pelo corpo inteiro, com certeza não seria convocada para abrir as pernas para os machos enquanto estivesse de rosto inchado.

Que nada, como de costume as coisas sempre acontecem o contrá-rio do que imagino e vinte e quatro horas depois de ter levado a baita de uma surra fui convocada a comparecer no salão, dessa vez não foi para agradar clientes, mas para ouvir um ultimato da velha de bucho quebrado, a tal de Selena, dona do puteiro. Fumando aquele cachimbo nojento e poluindo o ar com fumaça de fumo bruto, ela me deixou a par do que se tratava:

— Ora, ora, ora...Então estou lidando com uma vadia do tipo fe-roz, gata braba e de unhas compridas...Humm, os machos como esses que decidiu estapear gostam desse tipo de puta! Ah,ah,ah.

..

Acho ser por isso que mandou te buscar para ir trepar com ele lá no morro, agora entenda os homens, não é mesmo? Quanto mais le-vam patadas das mulheres, mais ficam gamados nelas! Se tivesse me tocado disso enquanto fui nova teria esbofeteado essas drogas até achar um que fosse cheio da grana e visse o safado rastejando aos meus pés...Ai vadia, vai lá para o morro com os neguinhos e trata de fazer essa porra direito, do jeito que o macho e m****r ou então vai levar chumbo nesse rostinho lindo, sacou? Tinha dois brutamontes em pé próximos dela e após dizer essas palavras ordenou que eles me le-vassem, o filho de uma égua saiu me puxando pelo braço com a maior brutalidade.

Como se eu fosse uma cadela e fomos na direção do morro do Urubu, o que me deixou bastante preocupada pelo fato de ser um dos pontos de drogas controlado pela facção criminosa chefiada por Luís, temia que de repente pudéssemos nos reencontrar e não queria que ele me visse naquelas condições, sobrevivendo como uma quenga. Certa vez vó Chica disse que o destino gosta de nos pregar certas peças e nos colocar em situações difíceis para ver como vamos fazer para sair da dificuldade, é sua maneira meio maluca de nos fazer ter maturida-de, deixar prontos para saber sobreviver neste mundo cheio de obstá-culos.

— Aqui está, chefe, a vadia que mandou trazer

— Perfeito, saiam que vou levar uma ideia com essa safada! Agora é nós sua puta escrota — ele fala isso dando-me uma tapa no rosto que me fez ver estrelas — vamos ver se vai ter coragem de me rejeitar como fez no puteiro!

— Está pensando que vai me fazer implorar, seu covarde? Pois sai-ba que macho da tua marca não me assusta!

— Ah, olhem só, a vadia é metida a valente, vou te ensinar a me respeitar sua cadela! — Levei outra tapa no pé da orelha que me es-tendeu pelo chão — Anda, levanta que ainda não terminamos nossa conversa, aqui nessa porra quem dá as ordens sou eu e se m****r tre-par comigo tem que fazer com prazer!

— Se quiser me possuir vai ter que ser na marra seu fresco, porque de boa vontade não vai conseguir!

— Muito bem, então vai ser assim mesmo como prefere, à força!

O sacana pulou em cima de mim e começou rasgando minha saia curta, depois a blusa, o sutiã, fiquei só de calcinha e tentava em vão me soltar das garras do tarado, mas sem sucesso. Travamos uma luta corporal que começou de pé e continuou pelo sofá, terminando em cima do piso feito de cerâmica e frio da sala e na casa que ficava no al-to do morro. Durante os movimentos bruscos que fizemos derrubamos e quebramos muitas coisas.

Ele era bastante forte, mas dei trabalho antes de ser vencida pelo cansaço e finalmente estuprada por aquele cachorro imundo. Após rasgar minha calcinha e me abrir as pernas, ali mesmo no chão. Pene-trou minha vagina com seu membro gigante e volumoso que me fez sentir meu corpo se rasgando como se estivesse sendo invadido pela primeira vez.

A dor foi quase insuportável. Dei um grito bem alto na esperança de que alguém lá fora me ouvisse e viesse ao meu auxílio, porém em vão, pois o lugar era no ponto mais alto do morro e mesmo que fosse diferente ninguém se atreveria a ir enfrentar os homens do tráfico, de-safiá-los seria colocar toda a família e a si mesmo em perigo. O des-graçado me usou o tanto que bem quis e em seguida espirrou aquela porcaria quente dentro de mim como se eu fosse um simples depósito de espermas.

Porém, foi nesse momento de fraqueza que é característico dos homens após uma transa, que aproveitei e fiz aquilo que minutos atrás não consegui fazer. Bem ao lado da mesa onde o canalha trabalhava no comando do tráfico havia uma arma que avistei logo que cheguei, num salto levantei e com ela em mãos apontei na no rosto do cretino e nem pensei duas vezes. Ao ouvirem o estrondo do tiro de uma arma de fogo ponto quarenta sendo disparada dentro da casa os outros dois bandidos que aguardavam do lado de fora invadiram o recinto para conferir do que se tratava.

Com certeza imaginaram ter sido o chefe me metendo bala depois de estar satisfeito com a transa forçada. Porém se depararam com a ví-tima de arma em punhos, disparando contra eles. Durante os meses que estive com Rogério, pai de Ricardo, aprendi como usar uma arma de fogo. Depois aprimorei esse conhecimento nos tempos que coman-dei a rede de tráfico no morro e estava preparada para me defender de vagabundos como aqueles. Após matar os três canalhas sai correndo em disparada pelos becos.

E fiquei alguns minutos escondida num barraco abandonado até os demais moradores e os soldados do crime subissem para ver os mor-tos. Percebendo está tudo limpo prossegui na caminhada morro abai-xo, andando sempre bem devagar. Sem deixar transparecer ter sido eu a efetuar os disparos que causou suspense no lugar, via muitas pessoas passando de um lado para o outro assustadas. Pois sabiam que um crime ocorreu e que aquilo iria resultar em mais mortes.

Porque, quando um traficante é morto vários inocentes pagam o preço. Eu morei vários meses por ali, sabia como as coisas funciona-vam e sentia muito pelo efeito colateral que ocorreria sobre a popula-ção que viviam a mercê do tráfico, após o que fiz, mas não tive esco-lha, era eles ou eu. Em pouco tempo me encontrei bem longe do local onde pratiquei meu primeiro homicídio, precisava retornar ao puteiro de Selena para pegar minha meus pertences. Mas tinha medo que os bandidos me pegassem, pois era óbvio que eu iria tentar recuperar mi-nha mochila com as duas únicas peças de roupas que restaram.

Droga, e agora, como sobreviver andando pela cidade daquele jei-to? Dessa vez me lasquei por completo! Ao sair da mansão após per-der todos os meus bens para os fornecedores de drogas, afim de esca-par com vida, ainda foi possível levar comigo poucos pertences, mas desta vez as coisas foram bem piores, pois o que me restou foi só a roupa do corpo. Num beco estreito cheio de lixo e com ratos correndo para todos os lados, me agachei recostada numa parede.

E coloquei as duas mãos sobre a cabeça. Pensando no que poderia fazer para sair daquela situação. Em alguns segundos de reflexão me veio na mente a ideia de ir pedir ajuda a Luís. Talvez ainda restasse no seu coração algum sentimento por mim, mas como faria isso se ele es-taria no morro e para lá não poderia mais voltar sem o risco de ser pe-ga pelos soldados do crime e morta por ter assassinado seu chefe? A saída seria ir à procura de Rogério e me humilhar aos seus pés, se pre-ciso fosse, para que ele se compadecesse da minha crítica situação.

E permitisse meu retorno à sua casa até que encontrasse outra forma de assumir as rédeas de minha tumultuada vida. Entretanto, não sabia como fazer isso já que não tinha um níquel sequer para pagar um transporte até fortaleza, foi então que recordei de minha amiga pedinte lá da praça. Ela poderia me ajudar a conseguir a passagem e fui a sua procura, ela como de costume encontrava-se pelas imediações da pra-ça, pedindo suas esmolas. Solange abriu um largo sorriso assim que me avistou.

Mal nos conhecíamos, mas aquela senhora idosa aprendeu a gostar de mim e ao nos aproximarmos uma da outra ela se atirou sobre meu corpo num forte e apertado abraço, demonstrando a saudade que sen-tia, o que correspondi a altura apesar do seu fedor por causa das rou-pas imundas que usava. Contei-lhe minhas dificuldades e as novas confusões em que me meti, ela prontamente se dispôs a ajudar e me deu todas as suas economias adquiridas naquele dia, um saquinho cheio de trocados em notas de um réis e algumas moedas.

Prometi que um dia voltaria para lhe devolver tudo, quem sabe tirá-la daquela pobreza e lhe dar a oportunidade de terminar seus dias de maneira mais digna e justa. No fundo ela sentia que isso seria possível, era mais confiante no meu sucesso do que eu mesma conseguia ser. Sem perda de tempo sai a procura de um transporte que me levasse até a residência de Rogério, onde poderia conseguir abrigo e comida. De-pois veria se ele ainda estava disposto a me ajudar de alguma maneira a completar minha jornada.

Sabia que não poderia mais contar com ele para meu antigo plano de destruir aquela maldita aliciadora de menores nem com nada ligado a minha vingança. Mas se me desse um canto para ficar até recuperar as forças já seria o bastante. Tudo pelo qual passei me deixou esgota-da, sem energia para seguir em frente com meus propósitos, precisava descansar e colocar a cabeça no lugar. Com toda certeza ele iria me es-tender a mão, apesar de toda a ingratidão com a qual lhe tratei.

Pois era um homem bom e de caráter inconfundível. Enquanto o ônibus corria velozmente pela estrada em direção a capital eu perma-necia de olhos fechados, sentada numa poltrona confortável e macia, tentando descansar meu corpo dolorido. Aquele monstro me rasgou inteira por dentro. E cada pegada dele no meu frágil corpo parecia uma paulada que despedaçava meus ossos, fiquei moída e relaxar du-rante algumas horas de viagem seria ideal.

Do Rio de Janeiro a Fortaleza demorava bastante e deu para tirar uma boa soneca, aquilo iria restabelecer as energias perdidas. Depois de algum tempo chegamos ao destino. E segui desprovida de bagagens para o litoral numa carona que consegui com aquele jeitinho de mulher carinhosa que macho nenhum aguenta, um velho assanhado me deu um lugar na cabine de seu caminhão e fui deixada bem em frente da casa de Rogério.

Dessa vez não foi necessário sexo para pagar o favor, bastou umas promessas vazias e um selinho na boca do coroa e pronto, tudo acer-tado. Ao chegar diante da larga porta fiquei imóvel sem coragem de me identificar, foram alguns minutos de indecisão até que ouvi uma voz de um homem atrás de mim, pedindo explicações sobre a razão de está ali parada, visto ser uma desconhecida para o mesmo:

— Boa tarde. Posso lhe ajudar em alguma coisa?

— Ah, sim, estou à procura do Sr. Rogério, por acaso ele está?

— Sinto muito, mas o meu tio acabou de sair, foi até a cidade. E quem deseja lhe falar?

— Puxa, desculpe, nem me identifiquei. Sou Mercedes, uma amiga dele

— Muito prazer, Marcos Paulo. Por favor, entre, podemos conver-sar tomando algo enquanto meu tio retorna da cidade. Você mora aqui perto? De onde vocês dois se conhecem?

— É uma longa e triste história

— Bem, não creio que ele volte agora da viagem que fez, são al-guns quilômetros de ida e volta, então terei muito tempo para conhe-cer sua história — Ele sorria enquanto falava e ordenou uma das cria-das a nos servir um lanche, pois percebeu que eu morria de fome.

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