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Capítulo 3 – A Fuga

Como todas as manhãs nos reunimos num amplo salão próximo a cozinha, onde geralmente fazíamos nossas refeições, logo que cheguei ali percebi os olhares impiedosos de minhas companheiras e senti um arrepio na espinha, era o sinal de alerta dado por meu subconsciente de que algo não ia bem e que deveria estar em alerta. Cada uma de nós estávamos de pé para receber na cantina nosso café matinal, estrategicamente escolhi o final da fila para evitar surpresas desagradáveis, pois só Deus sabia o que estava prestes a acontecer. Recolhi minha bandeja enquanto todas as demais mulheres foram para as mesas espalhadas pelo local.

  Sempre me fitando seriamente como se desejassem me esganar. Optei em sentar-me numa cadeira com mesa de frente para elas e com a costa voltada para a parede afim de evitar algum tipo de ataque surpresa, pois percebia nas criminosas o desejo de sentir o sabor de meu sangue quente nas suas mãos. Levava o pão murcho e azedo à boca, ingerindo junto um gole de café morno quase sem piscar para não vacilar e ter minha garganta cortada a qualquer segundo de distração, atenta a todos os seus movimentos e preparada caso decidissem atacar. Aproveitei a guardei no bolso do macacão amarelo de presidiaria o garfo de plástico que veio junto com o pedaço de bolo.

  Mesmo sendo frágil dava para enfiar nos olhos de uma das vadias. As pilantras eram muitas, em número de vinte ou mais, poderiam saltar em cima de mim e em poucos segundos me deixar em picadinhos, mas assim dariam na vista que tinha sido a mando de alguém, um crime encomendado pelo pessoal lá de fora. E isso iria complicar muita gente, principalmente peixes grandes como a comandante da casa de detenção, os carcereiros e tudo o mais que teriam de dar explicações ao pessoal dos direitos humanos.

 Esperei pacientemente que se afastassem, em seguida segui rumo ao amplo pátio onde nos reuníamos para o costumeiro banho de sol.  Lugar extremamente perigoso, pois todas ficávamos expostas e sem a menor segurança. De repente uma das mulheres que estavam de pé ao lado da parede em que me encostei cai e fica se tremendo toda enquanto saia de sua boca muita espuma, parecia está tendo uma convulsão, como era a mais próxima não pude me negar a prestar-lhe socorro.

Ainda agachada, tentando manter sua cabeça erguida enquanto pedia socorro para as carcereiras, o que de nenhuma maneira aconteceu, senti uma forte pancada na nuca que me expeliu ao chão.  Atordoada não conseguia levantar, pois recebia vários chutes e pontapés por todas as partes dados pelas mulheres que de antemão me comiam viva com os olhos durante nossa estadia no refeitório. Fui terrivelmente espancada e tive várias fraturas pelo corpo sem esquecer as furadas com algo afiado nas costas e num dos braços.

 Deixaram-me estirada ali no chão agonizando até que vieram me socorrer. Tudo não durou mais que um a dois minutos, foi uma ação planejada e rápida para que não se soubesse ao certo de onde partiu a agressão e uma falsa história fosse criada para lançar sobre mim toda a culpa do ocorrido.  Fiquei por dois dias na enfermagem e fui advertida por Helena, uma negra alta, musculosa e cheia de tatuagens que atuava ali prestando os primeiros socorros em casos como aquele.

 Para evitar ficar exposta demais diante das inimigas que conquistei na casa penal, porque ficou evidente ser a intenção delas tirarem-me a vida. Passado o risco fiquei grata aos céus por não ter sido quebrado nenhum de meus ossos e as furadas não serem profundas ao ponto de atingir algum órgão vital, caso contrário teria virado presunto. Acontece que teria de retornar para a cela e voltar ao convívio diário com as bandidas que por alguma razão queriam meu sangue.  Fiquei ciente por uma das responsáveis pela guarda das celas que a mulher apenas teria fingido entrar em crise para que eu me descuidasse.

 E as outras covardemente me atacassem, como realmente aconteceu. Ela ingeriu dois comprimidos feitos de uma substância que cria espumas no contato com a saliva para que eu pensasse ser um caso de grave de saúde e fosse ajuda-la, como de fato fiz, e permiti que me surpreendessem. Me indaguei como alguém poderia ter um coração tão péssimo ao ponto de tramar um plano maléfico como esse contra uma pessoa inocente que nunca fez mal a ninguém e só queria poder viver em paz, e não encontrei resposta para tamanha crueldade.

 Me colocaram numa cela isolada, afastada das outras em que se encontravam as mulheres que me atacaram, na mesma ocasião fomos todas levadas até a presença da diretoria da casa penal para darmos explicações sobre o ocorrido e não perdi a chance de denunciar as delinquente e o plano de me tirar a vida elaborado por todas elas, pois confiei que aquela mulher gordinha, de semblante humilde e aparente bom caráter iria no mínimo acreditar na minha história e me transferir para outro lugar bem longe do perigo que rondava meus passos naquele covil de abutres, porém, como sempre quebrei a cara ao depositar minhas esperanças na pessoa errada, jogaram a culpa toda sobre mim.

  — Quero lhe deixar bem claro que não irei mais admitir esse tipo de comportamento dentro do meu presidio, mocinha, aqui não é a casa da mãe Joana onde pode fazer o que bem quer.

Da próxima vez serei mais rígida na sua punição, não tratarei com palavras a sua insubordinação, estamos entendidas?

  — Mas que droga, senhora, eu sou a vítima aqui, essas cretinas armaram para cima de mim e me espancaram sem nenhum motivo, sequer eu às conheço

   — Não me chame de senhora, aqui dentro sou sua diretora, entendeu? E não se faça de rogada, todos que presenciaram o acontecido afirmam que foi você quem provocou as outras prisioneiras, batendo violentamente numa delas ao ponto de ela vir a desmaiar

    — Mas que porcaria de conversa é essa, como pode acreditar nessa versão distorcida dos fatos, quando foi a mim que elas pegaram de surpresa e espancaram sem me dar a menor chance de defesa? Olhe como me encontro, toda machucada e com duas perfurações no meu corpo, por acaso alguma dessas desgraçadas possuem alguma marca de espancamento?

   — Cale-se, sua atrevida, como ousa querer se inocentar das acusações diante de uma multidão de testemunhas que viram e afirmam que estas mulheres somente a espancaram devido a atitude covarde que tomou contra uma das suas amigas? Você, mocinha, não passas de uma vadia metida a gostosa que chegou aqui se achando a tal, pensando que pode se impor e ditar suas regras, mas os tempos de vacas gordas já passaram, os pedófilos que enchiam teus bolsos de dinheiro em troca de crianças indefesas não estão mais aqui para te ajudar, agora sou tua dona e decido o que vai ser de ti daqui para frente!

   — Sua velha louca, não sabe o que diz! Com certeza está no mesmo esquema que estas outras, sendo pagas para tirarem minha vida, mas saibam que me matar não será uma missão tão fácil como pensam!

   — Chega de perder tempo com essa inútil, levem ela para o isolamento, lá ela vai ter bastante tempo para refletir em todo o mau que praticou contra aquelas pobres crianças. E vocês, de volta as celas, agora!

  Depois de ter ouvido as explicações de ambos os lados a corrupta diretora da casa penal escolheu jogar sobre meus ombros o pesado fardo da acusação, inocentando as verdadeiras culpadas. Claro que tudo aquilo não passou de uma encenação, foi tudo planejado com antecipação, com certeza elas já estavam habituadas a agirem daquela maneira com quem chegasse ali marcada para morrer. E quantas mais, além de mim, passaram por situação semelhante e não escaparam de serem silenciadas para sempre? Mas comigo a coisa seria diferente, dessa vez aquela gorda ordinária e suas assassinas encontrariam o fim que mereciam. 

 Me arrastaram rumo a um quarto escuro localizado no final do imenso corredor, como a miserável ordenou, me jogaram bruscamente ali dentro como se fosse um saco de merda ou de outra porcaria qualquer, sem o menor valor. Meu braço e a perna ferida pelos golpes ainda doía, deveria ser levada de dois em dois dias até a enfermaria para refazer os curativos. Mas já que isso não seria mais possível o jeito era torcer para não contrair uma infecção e acabasse por ter um dos membros amputados, porque se inteira não fui capaz de evitar o ataque de minhas inimigas, quanto menos se ficasse com um a menos, melhor seria cometer logo suicídio. 

Isolada num cubículo que media apenas três metros quadrados e sem nada além de um vaso sanitário com uma pia mais antiga do que o primeiro aniversário do dono dos infernos, nada restava a fazer ali do que deitar, fechar os olhos e voltar no tempo em pensamentos, revivendo um passado com poucas lembranças agradáveis para recordar. Uma infância cercada de extrema pobreza e miséria oriundas da maldita seca do sertão que batia na porta dia e noite nos forçando diversas vezes a pensar em desistir de tudo e sair mundo a fora em busca de outros meios para sobreviver, mas como o povo nordestino tem calibre forte e nunca desiste ali permanecemos sem recuar

 Podia rever nas imagens guardadas no meu subconsciente cada detalhe da nossa casa simples, humilde, feita de barro e pedras, coberta de palhas secas tiradas das palmeiras de babaçu. As outras crianças do vilarejo, nossas brincadeiras e as peraltices que sempre praticávamos e que na maioria das vezes resultavam em sérios problemas para nossos pais. Lembrei de meu pai com meus três irmãos acordando ao cantar do galo para irem ao roçado, o cuscuz de milho preparado por mamãe e vó Chica para tomarmos com aquele café caseiro, torado na panela, pisado no pilão e coado no saco de pano.

  As tardes que chovia forte, quando o inverno resolvia aparecer e o quanto eu adorava o frio. Como gostava de ficar debruçada na janela, vendo os pingos de água saltando sobre as folhas das árvores, enquanto os pássaros cruzavam o vazio do espaço existente entre um pingo e outro, que somente eles eram capazes de perceber. A jaqueira lá no fim do quintal com seu tronco enorme e seus galhos volumosos, seus frutos carnudos e exuberantes, sem esquecer minha admirável faveira e suas flores perfumadas. Como ficou tudo aquilo?

O que restou do muito que existia no pequeno espaço onde nasci?  Mais uma vez o mal venceu o bem e quem nada de ruim fez fracassou, meu pai foi preso e nunca mais tive dele qualquer notícia, estaria vivo ou será que a morte já teria ceifado sua droga de vida? Como estaria minha mãe, curada e com saúde? Teria morrido naquele lugar horrível onde se fica cada vez mais louco ou, quem sabe, tivesse condenada.

 E passar o restante de seus dias, presa a uma cadeira vegetando numa cadeira, olhando para o nada como se esse nada fosse a única coisa que lhe restou? Como estariam meus irmãos, suas esposas e filhos que deixei para trás ao ser presa sem ao menos ter a chance de me despedir? Tive a mesma maldita sorte de meu pai que ao ser algemado e levado pelos policiais corruptos sequer teve a oportunidade de dizer adeus, não beijou a esposa nem abraçou seus filhos.

 Partiu sem segurar nos braços sua filha caçula que de certa forma jamais voltaria a ver. A verdade é que todos nós morremos queimados naquele incêndio que consumiu nossas casas no vilarejo, minha mãe, papai, eu e meus irmãos, assim como todos os moradores da vila se foram na fumaça produzida pelas chamas que destruía o pouco que possuíam. Os responsáveis pela destruição de nossos lares não atearam fogo apenas nas palhas secas de nossos barracos, queimaram junto nossas almas.

Afinal, o que é o homem sem sua família e aquilo que ele pode lhes oferecer? Foi isso que levou meu pai e os demais homens a confrontar os militares que chegaram nos expulsando de nossas terras, ali estava tudo o que eles tinham conseguido fazer e construir com o suor de seus rostos, trabalhando sol a sol, para que depois de partir deixar seus filhos e esposas em segurança. Não podiam simplesmente assistir à destruição do muito do pouco que construíram passivos, sem qualquer reação.

Será que se as coisas invertessem aqueles policiais não fariam a mesma coisa em defesa dos seus bens e em favor de seus familiares   E quando pensei que finalmente surgia uma luz no fim do túnel capaz de nos devolver pelo menos uma pequena parte do que perdemos para que tudo voltasse a ser como era antes, descobri que minha caminhada rumo ao inferno só estava começando, definitivamente era uma pessoa que tinha enfiado o pé na jaca podre ou pisado em excrementos de porcos, ou seja, um ser completamente azarado e sem a afeição de Deus ou do destino, tanto faz.

 De tanto sofrer sem encontrar um ombro amigo para recostar a cabeça e chorar minhas desventuras acabei perdendo a fé em milagres, num ser eterno e poderoso que de repente surgiria para me libertar de tamanha maldição.  Vó Chica que estava certa ao dizer que a sorte somos nós quem fazemos acontecer, não tem essa de uma força maior sair na nossa frente abrindo portas e endireitando o caminho por onde vamos passar, é necessário levarmos nas mãos algo bem afiado para abrirmos veredas.

 E com isso possamos caminhar, como verdadeiros desbravadores, rompendo as florestas de obstáculos que certamente iremos encontrar durante a longa trilha que a percorrer. Desde cedo aprendi a ser realista, parei de sonhar bem antes da idade certa para amadurecer, não fui digna de merecer ter as ilusões de criança por muito tempo nem viver as fantasias que toda menina deve ter.  Ainda nem havia chegado aos trinta anos e olhem só onde parei, dentro de um cubículo escuro.

 E apertado que mal dava para me mover, isso porventura não era uma prova definitiva de total abandono por parte dos poderes superiores e divinas? Ou ainda restava no que se apegar para crer que tudo aquilo iria passar assim, num estalar de dedos, como num passo de mágica? Sim, era isso mesmo que iria acontecer muito em breve e para minha surpresa o Deus que acreditei ter me abandonado abriria portas, romperia cadeados, causaria tremores, lançaria raios e trovões só para me defender e provar que nunca estive sozinha, mas isso seria mais adiante.

  Por enquanto ainda continuava no mesmo lugar escuro, frio e apertado que foi minha morada por quarenta e oito horas e meu alimento apenas água de torneira, morna e certamente escorrida de um canto imundo qualquer, algo com o qual já estava começando a me acostumar. Após cumprir o período de confinamento determinado pela autoridade se abriu a porta de aço e voltei a ter luz no meu olhar já adaptado com a escuridão. Fui novamente conduzida até a enfermaria e em seguida devolvida a antiga cela.

 Só que dessa vez houve uma mudança, colocaram a pior de todas as condenadas bem na minha frente, lado a lado no mesmo espaço, era matar ou morrer.  Aquilo nem na china iria dar certo, fizeram de propósito para que nós duas nos matássemos ali dentro, pois desde que nos encaramos pela primeira vez eu e Nega Buba não fomos uma com a cara da outra, foi antipatia a primeira vista e a diretora estava ciente disso, nos colocou juntas na mesma cela e aguardava a notícia de que a adversária teria cumprido sua missão de tirar minha vida.

O pior de tudo era que eu não iria ter o mínimo de condições físicas para encarar aquela marra de mulher que mais parecia um poste de tão alta, sem contar que possuía uma força descomunal, perto dela não passava de uma formiga a encarar um elefante numa briga.  Havia um silêncio total no corredor da ala em que estávamos e aquilo não parecia algo normal, visto que geralmente a mulherada costumava fazer muito barulho, batendo nas grades para chamar a atenção das guardas e delas pedirem alguma coisa, um cigarro ou outra coisa do tipo.

Nenhuma ala de penitenciaria é silenciosa, há sempre quem decida fazer alguma bagunça. Por esse motivo de imediato entendi que tinham retirado as outras mulheres das celas e só restaram nós duas ali, para nos estrangularmos, quem fosse mais agiu que se conservasse viva, porém a sentenciada para morrer era a trouxa aqui, que se deixou enganar pela vadia da tia com o papo mole de herdeira. Sim, de fato herdei mesmo uma terrível herança, a maldita sorte de entrar pelo cano e terminar meus dias nas garras de uma assassina terrível como aquela.

 Que com certeza não teria a menor compaixão e me rasgaria ao meio em troca de conquistar o respeito da diretora, uns cigarros de maconha e a garantia de que nada de ruim lhe aconteceria, teria imunidade total ali dentro. Na realidade já possuía as costas quentes, percebi quando vi a bagagem que ela demonstrou ter com a comandante, sem dúvida conquistou aquilo tirando muitas vidas inocentes a mando da vadia e agora era minha vez de ter meu sangue derramado

 A distância que havia entre nós era de apenas dois metros e meio, não tinha como evitar o confronto ou fugir de suas garras. Senti gosto do sangue se espalhando dentro da minha boca depois da tapa que levei por cima das bochechas, que de tão forte me lascou sobre o piso imundo da cela.  Fui arremessada igual um saco de esterco, batendo fortemente com a cabeça numa das paredes de concreto de onde não conseguia me levantar, a infeliz ainda me chutava com uma ira demoníaca.

 E dava fortes prisões nas minhas costas e costelas, quando girava pelo chão pelo impacto de seus golpes. Por mais que gritasse socorro ninguém parecia estar interessado em me prestar ajuda. Apanhei feio da horrenda mulher decidida a me matar, somente o eco de meus gritos rompiam o silêncio proposital e criminoso. Depois de tanto me espancar a cruel carrasca me arrastou pelos cabelos até às proximidades das grades e, com intenso ímpeto, esmurrava meu rosto sem pena até deixar meus olhos esbugalhados de tanto inchaço.

 Vi naquele instante a vida deixando meu corpo e minha alma se afastando dali, foi a primeira vez que experimentei a sensação de ir para o outro lado. Porém, como ainda não era minha hora definitiva de partir chegaram próximo as grades duas agentes prisionais tão fortes quanto a agressora e, abrindo-as.  Afastaram a assassina com armas em punho e me resgataram. Não sei de onde veio a ajuda, mas chegou no momento oportuno, caso contrário não estaria hoje aqui, relatando esta história de intensa dor e sofrimento pela qual passei. 

 Pela terceira vez me levaram a enfermaria da unidade prisional para que fossem reparados os estragos causados pelos ataques das outras condenadas contra mim, aquilo já havia virado rotina e não sabia até onde iria parar com tanta surra. Dessa vez a coisa ficou feia, não se tratava apenas de umas escoriações aqui e ali, um olho roxo ou arranhões pela pele, o espancamento resultou em duas costelas quebradas. E uma complicação nos pulmões que quase me impedia de respirar.

 As enfermeiras advertiram a gorda que dava as ordens sobre a necessidade dela me conseguir um atendimento médico mais de acordo com minha atual situação ou correria o risco de uma grave infecção me levar a óbito, mas isso pouco importava para ela porque era exatamente essa a intenção desde o começo. O plano era garantir que eu nunca mais saísse dali, mas acontece que se do lado de fora tinha quem me quisesse a sete palmos de terra.

 Também existia um anjo protetor que lutava pela minha liberdade e foi ele quem de alguma maneira conseguiu comprar a fidelidade de algumas policiais. Para manter minha integridade física dentro da cadeia até que pudesse me resgatar de lá. As duas que impediram nega Buba de terminar o serviço encomendado eram parte do esquema, além delas haviam as enfermeiras e alguns guardas que garantiam a constante vigilância no local. Não conhecia a pessoa, nem fazia ideia de quem pudesse ser, mas e daí, o importante era poder contar com sua ajuda.

Fiquei por dentro da situação enquanto tratava os ferimentos na enfermaria. Fui informada que tão logo me recuperasse das lesões mais graves surgiria a oportunidade de sair da prisão pela porta da frente e não deveria recuar, pois a chance seria única e definitiva.  Se caso permanecesse na penitenciária por mais tempo acarretaria em morte. Não precisava me dizer mais nada, tudo certo, toparia qualquer coisa desde que me tirasse daquele inferno. Claro que não seria ingênua ao ponto de pensar que tudo ocorreria com a maior facilidade.

 Além disso, desde quando alguma coisa na minha maldita existência foi fácil? Sabia que a pior parte da história que o destino escreveu para mim ainda estariam por vir, então fui logo me preparando para encarar seja lá o que fosse e de qualquer jeito que viesse, queimando ou fervendo. Um médico veio da capital recomendado pela promotoria responsável pelo meu caso e autorizado pela justiça.  Afim de acompanhar meu tratamento.

 Isso porque um advogado que surgiu de repente como meu defensor informou as autoridades sobre o ocorrido na casa penal e exigiu tal procedimento para que sua cliente viesse a gozar de seus direitos garantidos por lei, que dizia ser por direito manter a integridade física dos detentos nas casas prisionais brasileiras. Bem, pelo menos naquela época, a mais de quarenta e oito anos atrás. Não sabia ao certo quais as reais intenções de meu anjo da guarda, com certeza me levar pro céu não seria, afinal vinha tentando retardar minha morte.

 Mas se tudo o que fez foi por causa da minha beleza estaria perdendo tempo.  Porque depois de tanta surra estava deformada, se passaram trinta dias após a surra, foram feitos vários exames e tomei tantos antibióticos que estourei o fígado, pelo menos a melhora dos machucados era visível. Chegou o momento da fuga que haviam preparado para mim, porém não sabia ao certo como se daria meu escape, visto que permanecia enjaulada entre três paredes e uma grade com barras tão grossas que pensar em arrebentá-las seria pura idiotice.

Mas, não, a forma como sairia daquele lugar infernal seria como haviam me falado antes, pela porta da frente e sem nenhuma legião de policiais em minha perseguição.  Recuperada da pancadaria recebi a tarefa de começar a trabalhar na lavanderia, quando até então nada fazia a não ser levar porrada, aquilo fazia parte do esquema para me tirarem da cadeia. Não era burra nem nada e logo me toquei que algo estaria acontecendo e deveria ficar em alerta.

 Numa das manhãs enquanto fazia meu trabalho me passaram a informação de que a noite um carro do tipo baú viria deixar uns materiais para uso na lavagem de roupas e que seria a chance de meu escape. A ideia seria sair da penitenciária no furgão sem ser notada pela guarda, o que parecia uma coisa bastante complicada pelo fato da vigilância ser intensa. Nada entrava ou saia sem que fosse devidamente fiscalizado. A pergunta que não queria calar na minha mente era como sairia dali dentro de um veículo se ao passar pelos portões seria feito uma revista.

 De tal maneira que ficar oculta tornava-se impossível, os riscos eram tremendos. Entretanto, um plano rigoroso tinha sido feito para minha fuga e haviam pessoas prontas para facilitar minha passagem pelos portões. A revista foi feita como de praxe, porém sem acusar minha presença dentro do veículo, que saiu tranquilamente em direção a uma propriedade localizada a um dia e meio de viagem dali, na fazenda de um velho conhecido. Era o pai de Ricardo.

 Após a morte de seu filho, que foi assassinado por minha malvada tia ao nos capturar quando tentávamos escapar do casarão nos embrenhando pela mata, o fazendeiro Rogério Sena traçou um plano de vingança contra ela, e foi o responsável pelas denúncias feitas pelas ex prostitutas que levaram as autoridades a irem até o prostíbulo efetuar o flagrante, mas não era sua intenção ocasionar minha prisão, o que acabou acontecendo. No entanto, depois de ter cometido tamanho erro passou a tentar corrigir a injustiça.

 E usou de todas as formas para conseguir me tirar da prisão, e continuar no encalço da verdadeira criminosa.  Responsável em dar cabo a vida de seu único filho. Ele foi quem me deixou a par de que seria ela quem tinha pago a diretora da penitenciária para providenciar minha morte, Nega Buba e as demais presidiárias só estavam seguindo as ordens da infame para me executar a qualquer custo, talvez se preocupasse com o que poderia fazer caso viesse a ser solta.

 Pois isso costuma acontecer com certos presos por seu bom comportamento. Mas depois de fugir da casa penal como fiz não receberia tal indulto e seria perseguida como uma fugitiva pro resto da vida, mas pelo menos não teria sido assassinada a pauladas e pontapés. Passei vários meses naquela fazenda me recuperando do martírio vivido na cadeia, curando as feridas, sarando os ossos quebrados, sem esquecer do trauma psicológico que fica em quem passa por tal situação. Durante esse período Rogério providenciou novos documentos.

 Troquei meu nome e, por fim, fui transformada noutra pessoa para poder recomeçar uma nova história. Durante muitos anos usei uma identidade falsa, somente assim pude me esquivar com mais facilidade de meus perseguidores. O lugar onde fiquei hospedada por um tempo até poder retornar ao convívio na sociedade era lindo, ficava a beira mar. E todo final de tarde costumava ir à ribanceira localizada nas proximidades para ver o pôr do sol, um hábito antigo, desde a época em que não passava de uma fedelha, assanhada e de pés no chão.

 Ver o horizonte dali era algo impossível de descrever, um verdadeiro oásis, um paraíso que nunca pensei existir na natureza, jamais imaginei ter a chance de ver o mar tão de perto, mas acabei por realizar tamanho sonho. Em poucos meses recuperei minha antiga aparência, voltei a ser aquela bela mulher por quem muitos homens se apaixonavam num primeiro olhar, ali fui amada e respeitada como filha por um homem que via em mim a recordação viva de seu filho. Um vem com futuro promissor que foi morto de forma covarde e impiedosa.

 Ele queria completar os propósitos de Ricardo em me tornar uma mulher livre, mas junto punir a responsável por tantas desgraças. A princípio concordei em ficar quieta naquele oásis apenas admirando a natureza, mas já estava na hora de começar a agir. Finalmente pude ir a capital sem o risco de ser identificada como fugitiva e ao lado de Seu Rogério decidi sair à procura de mamãe pelos hospitais de tratamento psiquiátricos em Fortaleza, não demoramos muito a localizar um prédio antigo na periferia onde pudemos confirmar sua estadia ali.

 Como haviam nos adiantado as informações adquiridas nos dois últimos locais por onde passamos anteriormente. O local parecia está abandonado a bastante tempo, as paredes envelhecidas e cobertas de lodo por toda parte mostravam a triste realidade dos doentes mentais que viviam ali. E o pior de tudo foi contemplar o estado de calamidade em que se encontrava minha pobre mãe, toda desfigurada e aparentando mais idade do que realmente tinha. 

Magra, pálida, jogada sobre uma cama feita de ferro e num colchão de espuma tão usado que nem conforto possibilitava mais a doente, partiu meu coração. Ao ver aquilo subiu dentro de mim um ódio imenso. E o desejo de fazer justiça em favor dela e de tantas outras mulheres que de igual forma foram jogadas em tal situação. Com a boa influência de Rogério foi possível removê-la de imediato e levá-la para uma clínica especializada, onde seria de fato tratada como deveria, então, ciente da atual condição de mamãe que não mais encontrava-se em completo abandono.

 Fiquei tranquila para cooperar no plano de vingança traçado para destruir Izabel, cobrando da maldita o preço de suas maldades. O primeiro passo seria descobrir sua localização, pois até o momento não tínhamos notícias de seu paradeiro, um grupo de homens foram contratados.  Em seguida designados a encontrar toda e qualquer informação sobre a maligna mulher que destruiu inúmeras vidas, queríamos colocar as mãos naquela maldita o quanto antes e isso aconteceu mais rápido do que se podia esperar.

 Isabel residia no Rio de Janeiro e lá teria dado prosseguimento a sua antiga atividade, porém de maneira que não lhe trouxesse graves riscos, associando-se a importantes políticos e autoridades que lhe garantiam as condições necessária para atuar sem vigilância. Tornou-se uma grande empresária do crime, comercializando drogas, armas e a promiscuidade de menores para pedófilos das mais altas classes sociais cariocas e paulistas.

Tudo no mais completo sigilo. Então, o plano seguinte seria ir para a cidade maravilhosa e se infiltrar na quadrilha da criminosa, o objetivo principal era conseguir uma infiltração no bando e de alguma maneira matá-la, mas não de forma tão simples, queria vê-la sofrer e pagar por tudo de ruim que fez a mim e minha família passar. Minha disposição em ir para o Rio dá início ao plano de vingança agradou a Rogério que imediatamente providenciou tudo para isso fosse possível e em poucos dias eu já me encontrava por aqui.

 Onde hoje moro com meus familiares depois de conquistar minha completa vitória, um apartamento foi comprado próximo das tantas favelas.  Passei a investigar como conseguir a infiltração, a princípio descobrimos quais os pontos do tráfico eram controlados pela traficante e seu bando, fingindo ser uma dependente de drogas procurei a maneira mais fácil de me infiltrar. Depois de me identificar como propensa compradora de grandes quantidades dos seus produtos fui levada a boca de fumo no interior de uma das favelas.

 Onde entraria em contato com o primeiro traficante que certamente me daria a conhecer o caminho para a localização de da inimiga, as coisas pareciam está dando certo. O que tornou aquela missão mais fácil foi o fato de ninguém ali me conhecer.  Passei desapercebida a cada nova investida e ao me relacionar com novos indivíduos rumo ao ponto X da missão, ou seja, o lugar em que ficaria cara a cara com minha tia e acertaria com ela nossas contas. Por detrás do meu agir estava Rogério, financiando tudo, todas as despesas, todos os gastos.

 Para dar a impressão de que eu seria uma ricaça viciada, querendo gastar tudo com drogas. Logo ela seria informada da nova cliente. A dimensão de tudo aquilo era bem maior do que podíamos imaginar, ela não se transformou apenas numa traficante comum, mas na cabeça da maior organização criminosa do país, nela atuavam pessoas imensamente poderosas. Todas vindas das mais altas camadas sociais, na verdade aquilo envolvia tráficos não apenas de drogas.

 Mais de pessoas do Brasil para todas as partes do mundo, a desgraçada se fortaleceu a tal ponto que seria quase impossível tocá-la. Enquanto pensei está a poucos passos de surpreender a inimiga ela se permanecia a anos luz distante do meu alcance, essa percepção por um momento enfraqueceu minha esperança de cumprir meu objetivo, entretanto me mantive firme e segui em frente, de certo encontraria outros meios para concretizá-lo. Cientes de que nossa inimiga estaria protegida num casulo feito de poder.

 E que controlava praticamente todo o tráfico das principais metrópoles do país, bem como seus representantes políticos e parte da sociedade, nos vimos diante de uma muralha aparentemente intransponível. O que fazer para destruir um inimigo cuja força é mil vezes maior que a sua? Quem diria que aquela cafetina de araque que viveu anos aliciando menores no sertão, morando no meio do nada e cercada de uma gente ignorante poderia chegar tão longe e se firmar num ponto imensamente alto, quase intocável?

 Isabel nasceu como eu, nas brenhas da mata e filha de dois caipiras. Como poderia ter se transformado num ser terrivelmente cruel. E, agora, incomparavelmente poderosa? ora, a resposta para tal pergunta era que dinheiro neste mundo é sinônimo de poder e, com ele, se consegue ser e fazer o que quiser. Vó Chica costumava dizer que o dinheiro é um tipo de deus na terra e quanto mais temos atraímos tudo e todos para debaixo de nossos pés, foi pensando nisso que encontrei uma maneira de derrubar a mãe do crime de seu pedestal.

 É claro, bastava tão somente usar de estratégia e se igualar a ela em poder, dessa forma poderia muito em breve estar cara a cara com a desgraçada e destruir seu império. Não tinha recursos suficientes para colocar essa nova ideia em prática. Mas conhecia a pessoa certa para financia-la e se tudo desse certo agiria imediatamente. Após um longa e objetiva conversa com Rogério, deixando-o a par de todos os pormenores, sem perda de tempo começamos a agir nesse propósito.

A favela não é muito diferente do sertão, ali se vende um filho, se trai o melhor amigo ou mata-se pai e mãe por droga e dinheiro. Enquanto o sertanejo faz o que for possível para não morrer de fome e sede, o favelado tudo faz para manter seu vício. Sabendo disso recrutamos o maior número que pudemos de voluntários para formar uma nova rede de comércio do tráfico, eram vários os tipos de drogas vendidas nos morros. Sempre pela metade do preço daquelas que os antigos traficantes vendiam antes de iniciarmos nosso negócio.

Como prevíamos, isso gerou certa queda nas vendas deles por causa da concorrência e vieram com tudo para cima de nós. Deu-se início a uma das maiores guerras entre traficantes já vistas nas favelas do Rio de Janeiro até então, várias facções rivais passaram a se matar, cada uma delas defendendo seu próprio território e nós invadindo sem o menor temor suas áreas para revendermos nosso produto. O pai de Ricardo, meu amigo morto por Isabel, era um homem dono de muito dinheiro e financiava meu projeto.

 Em pouquíssimo tempo também me tornei a rainha do tráfico e passei a comandar um verdadeiro império sob as nuvens turvas do tráfico. Grandes personagens do crime buscaram me conhecer e fizemos alianças, minha extrema beleza contribuía para uma rápida aceitação por parte dos bandidos que pensavam com isso conseguir conquistar um lugar na minha cama, o que muitas vezes me vi obrigada a aceitar para conseguir meus intentos. Pretendia nunca mais ter que ir para a cama com alguém que não amasse.

 Queria fazer sexo com o homem por quem tivesse paixão, sentimento que nunca senti antes na vida, só ouvia falar.  Mas diante da necessidade voltei a abrir as pernas para vários tipos de indivíduos em troca de favores, eram chefes das mais variadas formas de organizações criminosas que haviam se instalado naquela parte dos morros cariocas. Porque para chegar em tão pouco tempo a altura de minha adversaria eu devia pagar aquele preço, visto que tinha pressa em poder destruir a infeliz.

Todos que estavam ao meu redor começaram a duvidar se no final de tudo eu ainda iria ser a mesma mulher de sentimentos e caráter puro de antes. Pois aos poucos eles viam essa personalidade ir desaparecendo e em seu lugar surgindo uma outra pessoa. Me tornei outra coisa cheia de ódio nos olhos, não estavam errados, a menina frágil e meiga do sertão havia morrido durante os tempos que permaneceu enjaulada naquele buraco imundo, onde foi espancada quase até a morte.

Agora quem estava no comando de minha mente entorpecida pela vontade de fazer justiça pelas próprias mãos era alguém sedenta de vingança, louca para matar quem ousasse atravessar seu caminho e tocar naqueles que amava. Com meus novos contatos no tráfico passei a obter informações precisas sobre Izabel e de como seria possível uma aproximação sem levantar suspeitas daqueles que faziam sua proteção, porque disso dependia o êxito de minhas intenções. Comecei a ter um caso íntimo com Luís Carlos, considerado o braço direito da rainha do tráfico no morro do Urubu. 

Onde a comercialização de drogas era a maior de toda a região dominada pelas facções criminosas e ela o tinha numa conta de alta confiança. Sem sequer desconfiar de minhas reais intenções ele baixou a guarda e abriu seu coração, deixando-se dominar pela paixão que seria o fio da meada para minha maior aproximação de sua patroa e destruí-la. Nos dias, semanas e meses que se passaram fui pacientemente dominando Luís com meus falsos carinhos e promessas de amor, mais uma vez a maior riqueza que herdei do destino.

 Minha beleza física. Era usada como arma para realizar meus intentos mais venenosos. Como aprendi desde cedo, não importa o tamanho e altura de nossos inimigos, se acertarmos o chute no lugar certo eles caem e venceremos a luta. Sentia nojo ao deitar com aquele criminoso, fingia um prazer inexistente, o orgasmo nas transas eram pura hipocrisia e os beijos ardentes a maior de todas as minhas farsas no sexo. Porém, como toda mulher deve saber.

 Os homens são todos uns fracos para acreditar nos fingimentos femininos, isso acontece desde sempre e eles nunca mudam. O indivíduo era casado e sua esposa era jovem, linda, não tinha razões de procurar na rua um rabo de saia. Entretanto, a fraqueza masculina falou mais alta e permitiu que eu o prendesse pelos pés numa relação vazia e sem sentido para mim, que nunca o desejei. Disposta a tudo para escacar o chão debaixo dos pés de minha inimiga número um e desestabilizar seus negócios na venda de drogas.

 Após perceber que seu principal aliado já se encontrava totalmente dominado pelo feitiço da minha malícia, dei início a segunda fase do meu maléfico plano de destruição. Demonstrando interesse apenas em dominar por completo a venda de entorpecentes nos morros, incentivei Luís a se desligar de Izabel e se tornar meu aliado no ideal de destruir minha rival nos negócios. Nos tornando os únicos donos do comércio de drogas no país inteiro. Lógico que, conhecendo a extensão do poder dela e de quem a apoiava ele inicialmente pensou em recusar.

 Mas encontrava-se perdido de amor por mim e bastou que ameaçasse deixa-lo caso não aceitasse minha proposta e o idiota cedeu, prontificando-se em aceitar as condições. Meu amante não era um homem fácil de lidar, imponente na liderança que exercia sobre àqueles a quem comandava com rigor conquistou o respeito não apenas da rainha do tráfico, mas se todos os seus subalternos e demais chefes das outras facções menores do crime. Isso significava que estariam dispostos obedecer e segui-lo aonde quer que fosse.

 Havia se tornado um líder nato e talvez por essa razão minha maligna tia o respeitasse tanto, sabia que ele poderia arrastar para si todos os demais aliados e enfraquecer seu poder sobre os mesmos, dessa maneira o mais sábio seria mantê-lo a seu lado. Acontece que se ela foi inteligente o bastante para analisar este detalhe eu também fui e por isso decidi conquistá-lo. Agora, contando com o total apoio do mais respeitado dos comandantes do crime organizado do Rio de Janeiro.

 Considerada desde aquela época a metrópole dos traficantes deste país.  Onde o governo e suas forças armadas não eram e nem são até hoje capazes de combater suas ações criminosas, eu já estava cem por cento, pronta para contra-atacar minha inimiga e transformá-la em cinzas. Expliquei ao meu mais novo aliado todos os detalhes sobre o plano de desestruturar minha rival e assumir por completo seus negócios o mais rápido possível e sem perda de tempo ele reuniu todos os homens de maior confiança.

Para orientar os demais liderados sobre como agir daquele dia em diante, nenhuma pessoa que estivesse de alguma forma ligada ao comércio de drogas nos morros cariocas poderiam vender.  Comprar ou traficar o produto de qualquer maneira sem que estivessem antes em pleno acordo as novas normas impostas por Luís, e a principal delas seria adquirir o material diretamente dele e não da concorrência. Todos os que se negassem a vê-lo como o novo rei do tráfico nos morros pagariam com a vida. Acontecia ali o que minha pior inimiga mais temia.

 Seu homem de maior confiança havia se rebelado. Mas ela não vivia alheia a este risco e já trazia na manga uma possível solução para o problema e da mesma maneira como fez comigo nos tempos que fingiu está entregando nas minhas mãos a responsabilidade de gerenciar o casarão e selar a paz entre nós. Lá no sertão, fugindo em seguida e me deixando cair de laranja numa terrível armadilha que acabou por me levar a cadeia. A infeliz convocou o ex empregado a comparecer em sua mansão e propôs rendição mesmo antes de ter que confrontá-lo.

E sem nada dizer Luís foi ao encontro da antiga patroa guarnecido por vários de seus seguranças, porém sem saber que não fazia parte dos propósitos dela matá-lo, mas sim engana-lo como fez a mim. Depois de explicar suas intenções em abandonar a liderança que tinha sobre o comércio do tráfico e passar para ele tal responsabilidade, alegando cansaço e indisposição para dar continuidade.  Confundiu a mente dele que já não via mais como surpreende-la com a decisão que tomamos em tirar dela o poder exercido sobre os demais traficantes.

 Pois naquele momento ela deixava claro não fazer mais a menor questão de se manter à frente dos negócios. Mesmo não confirmando sua intenção em assumir o posto de rei do tráfico meu parceiro voltou completamente desorientado e ao nos falarmos dizia-se desestimulado a continuar com nosso antigo plano, minha inimiga mais uma vez dava a volta por cima e de certa maneira ele estaria com razão, como poderíamos destruí-la agora que havia jogado a toalha? 

 Confesso que não esperei tamanha inversão nos acontecimentos, porém precisei aceitar o fato de que estava desafiando uma mulher extremamente inteligente, porque ao agir dessa maneira ela deixou Luís sem muitas opções.  Ao convocar os demais senhores do crime para se unirem a ele na tomada do poder e expulsão de Izabel do ponto mais alto da liderança, oferecendo-lhes mais liberdade para traficar seus produtos e maior participação nos lucros.

 Exigindo uma menor taxa de impostos sobre as vendas de drogas, dizia que havia tomado tal decisão por entender ser ela injusta com os traficantes menores e com isso conquistou total apoio destes.  Ao saber que ela desistiu do poder e passou deliberadamente a ele o controle de tudo seria sem sentido confrontá-la, ou seja, não existia mais motivação para tanto e fomos desarmados. A princípio pensei que minha venenosa tia teria repassado a Luís seu posto apenas como estratégia para evitar um confronto com o mesmo.

 Mas foi um enorme engano porque seus reais motivos foram outros. Ela havia se antecipado e investigou a fundo os pormenores desde que foi informada sobre as atitudes de rebelião do homem de sua inteira confiança e descobriu está ele associado à sua rival nos negócios. Agindo de imediato para se antecipar a qualquer surpresa, essa era a situação na qual nos encontrávamos, fomos expostos e nossa adversaria sabia que Luís e eu teríamos nos unidos contra ela e sua suposta rendição significava que a serpente iria armar o bote para atacar a nós dois no momento oportuno.

 Deveríamos ficar em alerta permanente.  Rogério me procurou e disse está muito preocupado com o rumo que as coisas tomaram e pediu que eu desistisse de minha sede de vingança, ele temia que de alguma maneira eu acabasse morta e suas convicções não estavam erradas. Mas, quando estamos cegos pela a mágoa e revolta pouco nos preocupamos com a morte. Só queremos punir quem nos feriu e, além disso, não dependia mais dele para financiar meu plano de vingança.

 E com isso decidi cortar as relações que nos uniu até então. Detesto gente covarde e ao vê-lo desistindo de fazer sofrer aquela peste que matou seu único filho a sangue frio me indignei, perdi a admiração que aprendi a ter por ele. Como todas as manhãs nos reunimos num amplo salão próximo a cozinha, onde geralmente fazíamos nossas refeições, logo que cheguei ali percebi os olhares impiedosos de minhas companheiras e senti um arrepio na espinha.

 Era o sinal de alerta dado por meu subconsciente de que algo não ia bem e que deveria estar em alerta. Cada uma de nós estávamos de pé para receber na cantina nosso café matinal, estrategicamente escolhi o final da fila para evitar surpresas desagradáveis, pois só Deus sabia o que estava prestes a acontecer. Recolhi minha bandeja enquanto todas as demais mulheres foram para as mesas espalhadas pelo local. Sempre me fitando seriamente como se desejassem me esganar.

Optei em sentar-me numa cadeira com mesa de frente para elas e com a costa voltada para a parede afim de evitar algum tipo de ataque surpresa, pois percebia nas criminosas o desejo de sentir o sabor de meu sangue quente nas suas mãos. Levava o pão murcho e azedo à boca. Ingerindo junto um gole de café morno quase sem piscar para não vacilar e ter minha garganta cortada a qualquer segundo de distração, atenta a todos os seus movimentos e preparada caso decidissem atacar. Aproveitei a guardei no bolso do macacão amarelo de presidiaria o garfo de plástico que veio junto com o pedaço de bolo.

 Mesmo sendo frágil dava para enfiar nos olhos de uma das vadias. As pilantras eram muitas, em número de vinte ou mais, poderiam saltar em cima de mim e em poucos segundos me deixar em picadinho, mas assim dariam na vista que tinha sido a mando de alguém, um crime encomendado pelo pessoal lá de fora.  E isso iria complicar muita gente, principalmente peixes grandes como a comandante da casa de detenção, os carcereiros e tudo o mais que teriam de dar explicações ao pessoal dos direitos humanos que naquela época já existiam.

 E pegavam pesado, quando o assunto era a morte de detentos nas prisões. Esperei pacientemente que se afastassem, em seguida segui rumo ao amplo pátio onde nos reuníamos para o costumeiro banho de sol, lugar extremamente perigoso, pois todas ficávamos expostas e sem a menor segurança. De repente uma das mulheres que estavam de pé ao lado da parede em que me encostei cai e fica se tremendo toda enquanto saia de sua boca muita espuma.

Parecia está tendo uma convulsão, como era a mais próxima não pude me negar a prestar-lhe socorro. Ainda agachada, tentando manter sua cabeça erguida enquanto pedia socorro para as carcereiras, o que de nenhuma maneira aconteceu, senti uma forte pancada na nuca que me expeliu ao chão. Atordoada não conseguia levantar, pois recebia vários chutes e pontapés por todas as partes dados pelas mulheres que de antemão me comiam viva com os olhos durante nossa estadia no refeitório.

Fui terrivelmente espancada e tive várias fraturas pelo corpo sem esquecer as furadas com algo afiado nas costas e num dos braços.  Deixaram-me estirada ali no chão agonizando até que vieram me socorrer. Tudo não durou mais que um a dois minutos, foi uma ação planejada e rápida para que não se soubesse ao certo de onde partiu a agressão e uma falsa história fosse criada para lançar sobre mim toda a culpa do ocorrido. Fiquei por dois dias na enfermagem e fui advertida por Helena, uma negra alta, musculosa e cheia de tatuagens que atuava ali, prestando os primeiros socorros em casos como aquele.

 Para evitar ficar exposta demais diante das inimigas que conquistei na casa penal, porque ficou evidente ser a intenção delas tirarem-me a vida. Passado o risco fiquei grata aos céus por não ter sido quebrado nenhum de meus ossos e as furadas não serem profundas ao ponto de atingir algum órgão vital, caso contrário teria virado presunto. Acontece que teria de retornar para a cela e voltar ao convívio diário com as bandidas que por alguma razão queriam meu sangue. 

Fiquei ciente por uma das responsáveis pela guarda das celas que a mulher apenas teria fingido entrar em crise para que eu me descuidasse e as outras covardemente me atacassem, como realmente aconteceu. Ela ingeriu dois comprimidos feitos de uma substância que cria espumas no contato com a saliva para que eu pensasse ser um caso grave de saúde. E fosse ajuda-la, como de fato fiz, e permiti que me surpreendessem. Me indaguei como alguém poderia ter um coração tão péssimo ao ponto de tramar um plano maléfico como esse.

 Contra uma pessoa inocente que nunca fez mal a ninguém e só queria poder viver em paz, e não encontrei resposta para tamanha crueldade. Me colocaram numa cela isolada, afastada das outras em que se encontravam as mulheres que me atacaram, na mesma ocasião fomos todas levadas até a presença da diretoria da casa penal para darmos explicações sobre o ocorrido.

 E não perdi a chance de denunciar as delinquente e o plano de me tirar a vida elaborado por todas elas, pois confiei que aquela mulher gordinha, de semblante humilde e aparente bom caráter iria no mínimo acreditar na minha história e me transferir para outro lugar bem longe do perigo que rondava meus passos naquele covil de abutres, porém, como sempre quebrei a cara ao depositar minhas esperanças na pessoa errada, jogaram a culpa toda sobre mim.

   — Quero lhe deixar bem claro que não irei mais admitir esse tipo de comportamento dentro do meu presidio, mocinha, aqui não é a casa da mãe Joana onde pode fazer o que bem quer, da próxima vez serei mais rígida na sua punição, não tratarei com palavras a sua insubordinação, estamos entendidas?

   — Mas que droga, senhora, eu sou a vítima aqui, essas cretinas armaram para cima de mim e me espancaram sem nenhum motivo, sequer eu às conheço

   — Não me chame de senhora, aqui dentro sou sua diretora, entendeu? E não se faça de rogada, todos que presenciaram o acontecido afirmam que foi você quem provocou as outras prisioneiras, batendo violentamente numa delas ao ponto de ela vir a desmaiar

    — Mas que porcaria de conversa é essa, como pode acreditar nessa versão distorcida dos fatos, quando foi a mim que elas pegaram de surpresa e espancaram sem me dar a menor chance de defesa? Olhe como me encontro, toda machucada e com duas perfurações no meu corpo.

 Por acaso alguma dessas desgraçadas possuem alguma marca de espancamento?

     — Cale-se, sua atrevida, como ousa querer se inocentar das acusações diante de uma multidão de testemunhas que viram e afirmam que estas mulheres somente a espancaram devido a atitude covarde que tomou contra uma das suas amigas? Você, mocinha, não passas de uma vadia metida a gostosa que chegou aqui se achando a tal, pensando que pode se impor e ditar suas regras.

 Mas os tempos de vacas gordas já passaram, os pedófilos que enchiam teus bolsos de dinheiro em troca de crianças indefesas não estão mais aqui para te ajudar, agora sou tua dona e decido o que vai ser de ti daqui para frente!

   — Sua velha louca, não sabe o que diz! Com certeza está no mesmo esquema que estas outras, sendo pagas para tirarem minha vida, mas saibam que me matar não será uma missão tão fácil como pensam!

   — Chega de perder tempo com essa inútil, levem ela para o isolamento, lá ela vai ter bastante tempo para refletir em todo o mau que praticou contra aquelas pobres crianças. E vocês, de volta as celas, agora!

   Depois de ter ouvido as explicações de ambos os lados a corrupta diretora da casa penal escolheu jogar sobre meus ombros o pesado fardo da acusação, inocentando as verdadeiras culpadas. Claro que tudo aquilo não passou de uma encenação, foi tudo planejado com antecipação, com certeza elas já estavam habituadas a agirem daquela maneira com quem chegasse ali marcada para morrer. E quantas mais, além de mim, passaram por situação semelhante e não escaparam de serem silenciadas para sempre? MPs comigo a coisa seria diferente, dessa vez aquela gorda ordinária e suas assassinas encontrariam o fim que mereciam. Me arrastaram rumo a um quarto escuro localizado no final do imenso corredor, como a miserável ordenou.

 Me jogaram bruscamente ali dentro como se fosse um saco de merda ou de outra porcaria qualquer, sem o menor valor. Meu braço e a perna ferida pelos golpes ainda doía, deveria ser levada de dois em dois dias até a enfermaria para refazer os curativos, mas já que isso não seria mais possível o jeito era torcer para não contrair uma infecção e acabasse por ter um dos membros amputados, porque se inteira não fui capaz de evitar o ataque de minhas inimigas, quanto menos se ficasse com um a menos, melhor seria cometer logo suicídio.

  Isolada num cubículo que media apenas três metros quadrados e sem nada além de um vaso sanitário com uma pia mais antiga do que o primeiro aniversário do dono dos infernos, nada restava a fazer ali do que deitar, fechar os olhos e voltar no tempo em pensamentos, revivendo um passado com poucas lembranças agradáveis para recordar. Uma infância cercada de extrema pobreza e miséria oriundas da maldita seca do sertão que batia na porta, dia e noite nos forçando diversas vezes a pensar em desistir de tudo.

 E sair mundo a fora em busca de outros meios para sobreviver, mas como o povo nordestino tem calibre forte e nunca desiste ali permanecemos sem recuar. Podia rever nas imagens guardadas no meu subconsciente cada detalhe da nossa casa simples, humilde, feita de barro e pedras, coberta de palhas secas tiradas das palmeiras de babaçu. As outras crianças do vilarejo, nossas brincadeiras e as danações que sempre praticávamos e que na maioria das vezes resultavam em sérios problemas para nossos pais.

Lembrei de meu pai com meus três irmãos acordando ao cantar do galo para irem ao roçado, o cuscuz de milho preparado por mamãe. E vó Chica para tomarmos com aquele café caseiro, torado na panela, pisado no pilão e coado no saco de pano.  As tardes que chovia forte, quando o inverno resolvia aparecer e o quanto eu adorava o frio. Como gostava de ficar debruçada na janela.

 Vendo os pingos de água saltando sobre as folhas das árvores, enquanto os pássaros cruzavam o vazio do espaço existente entre um pingo e outro, que somente eles eram capazes de perceber. A jaqueira lá no fim do quintal com seu tronco enorme e seus galhos volumosos, seus frutos carnudos e exuberantes, sem esquecer minha admirável faveira e suas flores perfumadas... Como ficou tudo aquilo? O que restou do muito que existia no pequeno espaço onde nasci?

 Mais uma vez o mal venceu o bem e quem nada de ruim fez fracassou, meu pai foi preso e nunca mais tive dele qualquer notícia, estaria vivo ou será que a morte já teria ceifado sua droga de vida? Como estaria minha mãe, curada e com saúde? Teria morrido naquele lugar horrível onde se fica cada vez mais louco ou, quem sabe, tivesse condenada a passar o restante de seus dias, presa a uma cadeira vegetando numa cadeira, olhando para o nada como se esse nada fosse a única coisa que lhe restou?

Como estariam meus irmãos, suas esposas e filhos que deixei para trás ao ser presa sem ao menos ter a chance de me despedir?  Tive a mesma maldita sorte de meu pai que ao ser algemado e levado pelos policiais corruptos sequer teve a oportunidade de dizer adeus, não beijou a esposa nem abraçou seus filhos, partiu sem segurar nos braços sua filha caçula que de certa forma jamais voltaria a ver. A verdade é que todos nós morremos queimados naquele incêndio que consumiu nossas casas no vilarejo, minha mãe, papai, eu e meus irmãos.

 Assim como todos os moradores da vila se foram na fumaça produzida pelas chamas que destruía o pouco que possuíam. Os responsáveis pela destruição de nossos lares não atearam fogo apenas nas palhas secas de nossos barracos, queimaram junto nossas almas.  Afinal, o que é o homem sem sua família e aquilo que ele pode lhes oferecer? Foi isso que levou meu pai e os demais homens a confrontar os militares que chegaram nos expulsando de nossas terras.

 Ali estava tudo o que eles tinham conseguido fazer e construir com o suor de seus rostos, trabalhando sol a sol, para que depois de partir deixar seus filhos e esposas em segurança. Não podiam simplesmente assistir à destruição do muito do pouco que construíram passivos, sem qualquer reação. Será que se as coisas invertessem aqueles policiais não fariam a mesma coisa em defesa dos seus bens e em favor de seus familiares? 

 E quando pensei que finalmente surgia uma luz no fim do túnel capaz de nos devolver pelo menos uma pequena parte do que perdemos para que tudo voltasse a ser como era antes, descobri que minha caminhada rumo ao inferno só estava começando, definitivamente era uma pessoa que tinha enfiado o pé na jaca podre ou pisado em excrementos de porcos, ou seja, um ser completamente azarada e sem a afeição de Deus ou do destino, tanto faz. De tanto sofrer sem encontrar um ombro amigo para recostar a cabeça e chorar minhas desventuras acabei perdendo a fé em milagres.

 Num ser eterno e poderoso que de repente surgiria para me libertar de tamanha maldição. Vó Chica que estava certa ao dizer que a sorte somos nós quem fazemos acontecer, não tem essa de uma força maior sair na nossa frente abrindo portas e endireitando o caminho por onde vamos passar, é necessário levarmos nas mãos alo bem afiado para abrirmos veredas e com isso possamos caminhar, como verdadeiros desbravadores, rompendo as florestas de obstáculos que certamente iremos encontrar durante a longa trilha que a percorrer.

 Desde cedo aprendi a ser realista, parei de sonhar bem antes da idade certa para amadurecer, não fui digna de merecer ter as ilusões de criança por muito tempo nem viver as fantasias que toda menina deve ter. Ainda nem havia chegado aos trinta anos e olhem só onde parei, dentro de um cubículo escuro e apertado que mal dava para me mover, isso porventura não era uma prova definitiva de total abandono por parte dos poderes superiores e divinas? Ou ainda restava no que se apegar para crer que tudo aquilo iria passar assim, num estalar de dedo.

 Como num passo de mágica? Sim, era isso mesmo que iria acontecer muito em breve e para minha surpresa o Deus que acreditei ter me abandonado abriria portas, romperia cadeados, causaria tremores, lançaria raios e trovões só para me defender e provar que nunca estive sozinha, mas isso seria mais adiante.  Por enquanto ainda continuava no mesmo lugar escuro, frio e apertado que foi minha morada por quarenta e oito horas e meu alimento apenas água de torneira morna.

 E certamente escorrida de um canto imundo qualquer, algo com o qual já estava começando a me acostumar. Após cumprir o período de confinamento determinado pela autoridade se abriu a porta de aço e voltei a ter luz no meu olhar já adaptado com a escuridão. Fui novamente conduzida até a enfermaria e em seguida devolvida a antiga cela, só que dessa vez houve uma mudança, colocaram a pior de todas as presas bem na minha frente, lado a lado no mesmo espaço, era matar ou morrer.

  Aquilo nem na china iria dar certo, fizeram de propósito para que nós duas nos matássemos ali dentro, pois desde que nos encaramos pela primeira vez eu e Nega Buba não fomos uma com a cara da outra, foi antipatia a primeira vista e a diretora estava ciente disso, nos colocou juntas na mesma cela e aguardava a notícia de que a adversária teria cumprido sua missão de tirar minha vida. O pior de tudo era que eu não iria ter o mínimo de condições físicas para encarar aquela marra de mulher que mais parecia um poste de tão alta.

 Sem contar que possuía uma força descomunal, perto dela não passava de uma formiga a encarar um elefante numa briga.  Havia um silêncio total no corredor da ala em que estávamos e aquilo não parecia algo normal, visto que geralmente a mulherada costumava fazer muito barulho, batendo nas grades para chamar a atenção das guardas e delas pedirem alguma coisa, um cigarro ou outra coisa do tipo. Nenhuma ala de penitenciaria é silenciosa, há sempre quem decida fazer alguma bagunça, por esse motivo de imediato entendi que tinham retirado as outras mulheres das celas e só restaram nós duas ali.

 Para nos estrangularmos, quem fosse mais agiu que se conservasse viva, porém a sentenciada para morrer era a trouxa aqui, que se deixou enganar pela vadia da tia com o papo mole de herdeira. Sim, de fato recebi mesmo uma terrível herança, a maldita sorte de entrar pelo cano e terminar meus dias nas garras de uma terrível assassina como aquela, que com certeza não teria a menor compaixão e me rasgaria ao meio em troca de conquistar o respeito da diretora.

 Uns cigarros de maconha e a garantia de que nada de ruim lhe aconteceria, teria imunidade total ali dentro. Na realidade já possuía as costas quentes, percebi quando via bagagem que ela demonstrou ter com a comandante, sem dúvida conquistou aquilo tirando muitas vidas inocentes a mando da vadia e agora era minha vez de ter meu sangue derramado

    — Não adianta ficar com essa cara de assustada, amarela de merda, agora vou acabar de vez com tua raça!

    — Fica na tua, Buba, não estou afim de confusão!

    — Tá com medo, é? Pois te prepara para morrer cafetina da desgraça!

  A distância que havia entre nós era de apenas dois metros e meio, não tinha como evitar o confronto ou fugir de suas garras. Senti gosto do sangue se espalhando dentro da minha boca depois da tapa que levei por cima das bochechas, que de tão forte me lascou sobre o piso imundo da cela. 

 Fui arremessada igual um saco de esterco, batendo fortemente com a cabeça numa das paredes de concreto de onde não conseguia me levantar a infeliz ainda me chutava com uma ira demoníaca e dava fortes prisões nas minhas costas e costelas, quando girava pelo chão pelo impacto de seus golpes. Por mais que gritasse socorro ninguém parecia estar interessado em me prestar ajuda.

 Apanhei feio da horrenda mulher decidida a me matar, somente o eco de meus gritos rompiam o silêncio proposital e criminoso. Depois de tanto me espancar a cruel carrasca me arrastou pelos cabelos até às proximidades das grades e, com intenso ímpeto, esmurrava meu rosto sem pena até deixar meus olhos esbugalhados de tanto inchaço, vi naquele instante a vida deixando meu corpo e minha alma se afastando dali, foi a primeira vez que experimentei a sensação de ir para o outro lado.

Porém, como ainda não era minha hora definitiva de partir chegaram próximo ás grades duas agentes prisionais tão fortes quanto a agressora e, abrindo-as, afastaram a assassina com armas em punho e me resgataram. Não sei de onde veio a ajuda, mas chegou no momento oportuno, caso contrário não estaria hoje aqui, relatando esta história de intensa dor e sofrimento pela qual passei. Pela terceira vez me levaram a enfermaria da unidade prisional para que fossem reparados os estragos causados pelos ataques das outras condenadas contra mim.

 Aquilo já havia virado rotina e não sabia até onde iria parar com tanta surra. Dessa vez a coisa ficou feia, não se tratava apenas de umas escoriações aqui e ali, um olho roxo ou arranhões pela pele, o espancamento resultou em duas costelas quebradas e uma complicação nos pulmões que quase me impedia de respirar, as enfermeiras advertiram a gorda que dava as ordens sobre a necessidade dela me conseguir um atendimento médico mais de acordo com minha atual situação. Ou correria o risco de uma grave infecção me levar a óbito.

 Mas isso pouco importava para ela porque era exatamente essa a intenção desde o começo. O plano era garantir que eu nunca mais saísse dali, mas acontece que se do lado de fora tinha quem me quisesse a sete palmos de terra, também existia um anjo protetor que lutava pela minha liberdade e foi ele quem de alguma maneira conseguiu comprar a fidelidade de algumas policiais para manter minha integridade física dentro da cadeia até que pudesse me resgatar de lá. As duas que impediram nega Buba de terminar o serviço encomendado eram parte do esquema.

 Além delas haviam as enfermeiras. E alguns guardas que garantiam a constante vigilância no local. Não conhecia a pessoa, nem fazia ideia de quem pudesse ser, mas e daí, o importante era poder contar com sua ajuda. Fiquei por dentro da situação enquanto tratava os ferimentos na enfermaria. Fui informada que tão logo me recuperasse das lesões mais graves surgiria a oportunidade de sair da prisão pela porta da frente e não deveria recuar, pois a chance seria única e definitiva, se caso permanecesse na penitenciária por mais tempo acarretaria em morte.

 Não precisava me dizer mais nada, tudo certo, toparia qualquer coisa desde que me tirasse daquele inferno. Claro que não seria ingênua ao ponto de pensar que tudo ocorreria com a maior facilidade, além disso, desde quando alguma coisa na minha maldita existência foi fácil? Sabia que a pior parte da história que o destino escreveu para mim ainda estariam por vir, então fui logo me preparando para encarar seja lá o que fosse e de qualquer jeito que viesse, queimando ou fervendo. 

Um médico veio da capital recomendado pela promotoria responsável pelo meu caso e autorizado pela justiça, afim de acompanhar meu tratamento, isso porque um advogado que surgiu de repente como meu defensor informou as autoridades sobre o ocorrido na casa penal. E exigiu tal procedimento para que sua cliente viesse a gozar de seus direitos garantidos por lei, que dizia ser por direito manter a integridade física dos detentos nas casas prisionais brasileiras.

Bem, pelo menos naquela época, a mais de quarenta e oito anos atrás. Não sabia ao certo quais as reais intenções de meu anjo da guarda, com certeza me levar pro céu não seria, afinal vinha tentando retardar minha morte, mas se tudo o que fez foi por causa da minha beleza estaria perdendo tempo, porque depois de tanta surra estava deformada. Se passaram trinta dias após a surra, foram feitos vários exames e tomei tantos antibióticos que estourei o fígado. Pelo menos a melhora dos machucados era visível.

 Chegou o momento da fuga que haviam preparado para mim, porém não sabia ao certo como se daria meu escape, visto que permanecia enjaulada entre três paredes e uma grade com barras tão grossas que pensar em arrebentá-las seria pura idiotice. Mas, não, a forma como sairia daquele lugar infernal seria como haviam me falado antes, pela porta da frente e sem nenhuma legião de policiais em minha perseguição. Recuperada da pancadaria recebi a tarefa de começar a trabalhar na lavanderia.

 Quando até então nada fazia a não ser levar porrada, aquilo fazia parte do esquema para me tirarem da cadeia. Não era burra nem nada e logo me toquei que algo estaria acontecendo e deveria ficar em alerta, numa das manhãs enquanto fazia meu trabalho me passaram a informação de que a noite um carro do tipo baú viria deixar uns materiais para uso na lavagem de roupas  e que seria a chance de meu escape. A ideia seria sair da penitenciária no furgão sem ser notada pela guarda, o que parecia uma coisa bastante complicada pelo fato da vigilância ser intensa.

 Nada entrava ou saia sem que fosse devidamente fiscalizado. A pergunta que não queria calar na minha mente era como sairia dali dentro de um veículo se ao passar pelos portões seria feito uma revista. De tal maneira que ficar oculta tornava-se impossível? Os riscos eram tremendos. Entretanto, um plano rigoroso tinha sido feito para minha fuga e haviam pessoas prontas para facilitar minha passagem pelos portões. Realmente a revista foi feita como de praxe.

 Porém sem acusar minha presença dentro do veículo, que saiu tranquilamente em direção a uma propriedade localizada a um dia e meio de viagem dali, numa fazenda de um velho conhecido, o pai de Ricardo. Após a morte de seu filho, que foi assassinado por minha malvada tia ao nos capturar quando tentávamos escapar do casarão nos embrenhando pela mata, o fazendeiro Rogério Sena traçou um plano de vingança contra ela. E foi o responsável pelas denúncias feitas pelas ex prostitutas que levaram as autoridades a irem até o prostíbulo efetuar o flagrante.

 Mas não era sua intenção ocasionar minha prisão, o que acabou acontecendo. No entanto, depois de ter cometido tamanho erro passou a tentar corrigir a injustiça e usou de todas as formas para conseguir me tirar da prisão, e continuar no encalço da verdadeira criminosa responsável em dar cabo a vida de seu único filho. Ele foi quem me deixou a par de que seria ela quem tinha pago a diretora da penitenciária para providenciar minha morte, Nega Buba e as demais condenadas só estavam seguindo as ordens da infame para me executar a qualquer custo.

 Talvez se preocupasse com o que poderia fazer caso viesse a ser solta, pois isso costuma acontecer com certos presos por seu bom comportamento. Mas depois de fugir da casa penal como fiz não receberia tal indulto e seria perseguida como uma fugitiva pro resto da vida, mas pelo menos não teria sido assassinada a pauladas e pontapés. Passei vários meses naquela fazenda me recuperando do martírio vivido na cadeia, curando as feridas, sarando os ossos quebrados, sem esquecer do trauma psicológico que fica em quem passa por tal situação.

 Durante esse período Rogério providenciou novos documentos, troquei meu nome. E por fim fui transformada noutra pessoa para poder recomeçar uma nova história. Durante muitos anos usei uma identidade falsa, somente assim pude me esquivar com mais facilidade de meus perseguidores. O lugar onde fiquei hospedada por um tempo até poder retornar ao convívio na sociedade era lindo, ficava a beira mar, e todo final de tarde costumava ir à ribanceira localizada nas proximidades para ver o pôr do sol.

 Um hábito antigo, desde a época em que não passava de uma fedelha, assanhada e de pés no chão. Ver o horizonte dali era algo impossível de descrever, um verdadeiro oásis, um paraíso que nunca pensei existir na natureza.  Jamais imaginei ter a chance de ver o mar tão de perto, mas acabei por realizar tamanho sonho. Em poucos meses recuperei minha antiga aparência, voltei a ser aquela bela mulher por quem muitos homens se apaixonavam num primeiro olhar.

Ali fui amada e respeitada como filha por um homem que via em mim a recordação viva de seu filho, um jovem com futuro promissor que foi morto de forma covarde e impiedosa, ele queria completar os propósitos de Ricardo em me tornar uma mulher livre, mas junto punir a responsável por tantas desgraças. A princípio concordei em ficar quieta naquele oásis apenas admirando a natureza, mas já estava na hora de começar a agir.

  Finalmente pude ir a capital sem o risco de ser identificada como fugitiva e ao lado de Seu Rogério decidi sair à procura de mamãe pelos hospitais de tratamento psiquiátricos em Fortaleza, não demoramos muito a localizar um prédio antigo na periferia onde pudemos confirmar sua estadia ali, como haviam nos adiantado as informações adquiridas nos dois últimos locais por onde passamos anteriormente. O local parecia está abandonado a bastante tempo, as paredes envelhecidas e cobertas de lodo por toda parte mostravam a triste realidade dos doentes mentais que viviam ali.

E o pior de tudo foi contemplar o estado de calamidade em que se encontrava minha pobre mãe, toda desfigurada e aparentando mais idade do que realmente tinha. Magra, pálida, jogada sobre uma cama feita de ferro e num colchão de espuma tão usado que nem conforto possibilitava mais a doente, partiu meu coração. Ao ver aquilo subiu dentro de mim um ódio imenso e o desejo de fazer justiça em favor dela e de tantas outras mulheres que de igual forma foram jogadas em tal situação. Com a boa influência de Rogério foi possível removê-la de imediato.

 E levá-la para uma clínica especializada, onde seria de fato tratada como deveria, então, ciente da atual condição de mamãe que não mais encontrava-se em completo abandono fiquei tranquila para cooperar no plano de vingança traçado para destruir Izabel. Cobrando da maldita o preço de suas maldades. O primeiro passo seria descobrir sua localização, pois até o momento não tínhamos notícias de seu paradeiro. Um grupo de homens foram designados a encontrar toda e qualquer informação sobre a maligna mulher que destruiu inúmeras vidas.

 Queríamos colocar as mãos naquela maldita o quanto antes e isso aconteceu mais rápido do que se podia esperar, Isabel residia no Rio de Janeiro e lá teria dado prosseguimento a sua antiga atividade, porém de maneira que não lhe trouxesse graves riscos,  associando-se a importantes políticos e autoridades que lhe garantiam as condições necessária para atuar sem vigilância. Tornou-se uma grande empresária do crime, comercializando drogas, armas e a promiscuidade de menores para pedófilos das mais altas classes sociais cariocas e paulistas, tudo no mais completo sigilo.

 Então, o plano seguinte seria ir para a cidade maravilhosa e se infiltrar na quadrilha da criminosa. O objetivo principal era conseguir uma infiltração no bando e de alguma maneira matá-la, mas não de forma tão simples, queria vê-la sofrer e pagar por tudo de ruim que fez a mim e minha família passar. Minha disposição em ir para o Rio dá início ao plano de vingança agradou a Rogério que imediatamente providenciou tudo para isso fosse possível e em poucos dias eu já me encontrava por aqui.

 Onde hoje moro com meus familiares depois de conquistar minha completa vitória, um apartamento foi comprado próximo das tantas favelas que aqui existem e passei a investigar como conseguir a infiltração, a princípio descobrimos quais os pontos do tráfico eram controlados pela traficante e seu bando, fingindo ser uma dependente de drogas procurei a maneira mais fácil de me infiltrar. Depois de me identificar como propensa compradora de grandes quantidades dos seus produtos fui levada a boca de fumo.

 No interior de uma das favelas, onde entraria em contato com o primeiro traficante que certamente me daria a conhecer o caminho para a localização de da inimiga, as coisas pareciam está dando certo. O que tornou aquela missão mais fácil foi o fato de ninguém ali me conhecer, passei desapercebida a cada nova investida e ao me relacionar com novos indivíduos rumo ao ponto central da missão.

 Ou seja, o lugar em que ficaria cara a cara com minha tia e acertaria com ela nossas contas. Por detrás do meu agir estava Rogério, financiando tudo, todas as despesas, todos os gastos, para dar a impressão de que eu seria uma ricaça viciada, querendo gastar tudo com drogas. Logo ela seria informada da nova cliente. A dimensão de tudo aquilo era bem maior do que podíamos imaginar, ela não se transformou apenas numa traficante comum. Mas na cabeça da maior organização criminosa do país, nela atuavam pessoas imensamente poderosas.

 Vindas das mais altas camadas sociais. Na verdade, aquilo envolvia tráficos não apenas de drogas, mais de pessoas do Brasil para todas as partes do mundo, a desgraçada se fortaleceu a tal ponto que seria quase impossível tocá-la. Enquanto pensei está a poucos passos de surpreender a inimiga ela se permanecia a anos luz distante do meu alcance, essa percepção por um momento enfraqueceu minha esperança de cumprir meu objetivo, entretanto me mantive firme e segui em frente, de certo encontraria outros meios para concretizá-lo. 

 Cientes de que nossa inimiga estaria protegida num casulo feito de poder e que controlava praticamente todo o tráfico das principais metrópoles do país, bem como seus representantes políticos e parte da sociedade, nos vimos diante de uma muralha aparentemente intransponível. O que fazer para destruir um inimigo cuja força é mil vezes maior que a sua? Quem diria que aquela cafetina de araque que viveu anos aliciando menores no sertão, morando no meio do nada e cercada de uma gente ignorante poderia chegar tão longe.

 E se firmar num ponto imensamente alto, quase intocável? Isabel nasceu como eu, nas brenhas da mata e filha de dois caipiras. Como poderia ter se transformado num ser terrivelmente cruel e, agora, incomparavelmente poderosa? ora, a resposta para tal pergunta era que dinheiro neste mundo é sinônimo de poder e, com ele, se consegue ser e fazer o que quiser. Vó Chica costumava dizer que o dinheiro é um tipo de deus na terra e quanto mais temos atraímos tudo.

 E todos para debaixo de nossos pés, foi pensando nisso que encontrei uma maneira de derrubar a mãe do crime de seu pedestal. É claro, bastava tão somente usar de estratégia e se igualar a ela em poder, dessa forma poderia muito em breve estar cara a cara com a desgraçada e destruir seu império.  Não tinha recursos suficientes para colocar essa nova ideia em prática, mas conhecia a pessoa certa para financia-la e se tudo desse certo agiria imediatamente. Após um longa e objetiva conversa com Rogério, deixando-o a par de todos os pormenores, sem perda de tempo começamos a agir nesse propósito.

A favela não é muito diferente do sertão, ali se vende um filho, se trai o melhor amigo ou mata-se pai e mãe por droga e dinheiro. Enquanto o sertanejo faz o que for possível para não morrer de fome e sede, o favelado tudo faz para manter seu vício. Sabendo disso recrutamos o maior número que pudemos de voluntários para formar uma nova rede de comércio do tráfico.  Eram vários tipos de drogas vendidas nos morros pela metade do preço daquelas que os antigos traficantes vendiam antes de iniciarmos nosso negócio.

Como prevíamos, isso gerou certa queda nas vendas deles por causa da concorrência e vieram com tudo para cima de nós. Deu-se início a uma das maiores guerras entre traficantes já vistas nas favelas do Rio de Janeiro até então, várias facções rivais passaram a se matar, cada uma delas defendendo seu próprio território e nós invadindo sem o menor temor suas áreas para revendermos nosso produto. O pai de Ricardo, meu amigo morto por Isabel.

 Era um homem dono de muito dinheiro e financiava meu projeto. Em pouquíssimo tempo também me tornei a rainha do tráfico e passei a comandar um verdadeiro império sob as nuvens turvas do tráfico. Grandes personagens do crime buscaram me conhecer e fizemos alianças, minha extrema beleza contribuía para uma rápida aceitação por parte dos bandidos que pensavam com isso conseguir conquistar um lugar na minha cama.

 O que muitas vezes me vi obrigada a aceitar para conseguir meus intentos. Pretendia nunca mais ter que ir para a cama com alguém que não amasse, queria fazer sexo com o homem por quem tivesse paixão, sentimento que nunca senti antes na vida, só ouvia falar.  Mas diante da necessidade voltei a abrir as pernas para vários tipos de indivíduos em troca de favores, eram chefes das mais variadas formas de organizações criminosas que haviam se instalado naquela parte dos morros cariocas. Porque para chegar em tão pouco tempo a altura de minha adversaria eu devia pagar aquele preço.

 Visto que tinha pressa em poder destruir a infeliz. Todos que estavam ao meu redor começaram a duvidar se no final de tudo eu ainda iria ser a mesma mulher de sentimentos e caráter puro de antes, pois aos poucos eles viam essa personalidade ir desaparecendo e em seu lugar surgindo uma outra pessoa. Me tornei outra coisa cheia de ódio nos olhos, não estavam errados, a menina frágil e meiga do sertão havia morrido durante os tempos que permaneceu enjaulada naquele buraco imundo, onde foi espancada quase até a morte.

Agora quem estava no comando de minha mente entorpecida pela vontade de fazer justiça pelas próprias mãos era alguém sedenta de vingança, louca para matar quem ousasse atravessar seu caminho e tocar naqueles que amava. Com meus novos contatos no tráfico passei a obter informações precisas sobre Izabel e de como seria possível uma aproximação sem levantar suspeitas daqueles que faziam sua proteção, porque disso dependia o êxito de minhas intenções.

Comecei a ter um caso íntimo com Luís Carlos, considerado o braço direito da rainha do tráfico no morro do Urubu. Onde a comercialização de drogas era a maior de toda a região dominada pelas facções criminosas e ela o tinha numa conta de alta confiança. Sem sequer desconfiar de minhas reais intenções ele baixou a guarda e abriu seu coração, deixando-se dominar pela paixão que seria o fio da meada para minha maior aproximação de sua patroa e destruí-la.

Nos dias, semanas e meses que se passaram fui pacientemente dominando Luís com meus falsos carinhos e promessas de amor, mais uma vez a maior riqueza que herdei do destino. Minha beleza física, era usada como arma para realizar meus intentos mais venenosos. Como aprendi desde cedo, não importa o tamanho e altura de nossos inimigos, se acertarmos o chute no lugar certo eles caem e venceremos a luta. Sentia nojo ao deitar com aquele criminoso, fingia um prazer inexistente.

 O orgasmo nas transas eram pura hipocrisia e os beijos ardentes a maior de todas as minhas farsas no sexo. Porém, como toda mulher deve saber, os homens são todos uns fracos para acreditar nos fingimentos femininos, isso acontece desde sempre e eles nunca mudam. O indivíduo era casado e sua esposa era jovem, linda. Não tinha razões de procurar na rua um rabo de saia, entretanto, a fraqueza masculina falou mais alta e permitiu que eu o prendesse pelos pés numa relação vazia e sem sentido para mim, que nunca o desejei.

Disposta a tudo para escacar o chão debaixo dos pés de minha inimiga número um e desestabilizar seus negócios na venda de drogas. Após perceber que seu principal aliado já se encontrava totalmente dominado pelo feitiço da minha malícia, dei início a segunda fase do meu maléfico plano de destruição. Demonstrando interesse apenas em dominar por completo a venda de entorpecentes nos morros, incentivei Luís a se desligar de Izabel.

 E se tornar meu aliado no ideal de destruir minha rival nos negócios, nos tornando os únicos donos do comércio de drogas no país inteiro. Lógico que, conhecendo a extensão do poder dela e de quem a apoiava ele inicialmente pensou em recusar, mas encontrava-se perdido de amor por mim e bastou que ameaçasse deixa-lo caso não aceitasse minha proposta e o idiota cedeu, prontificando-se em aceitar as condições. Meu amante não era um homem fácil de lidar.

 Imponente na liderança que exercia sobre àqueles a quem comandava com rigor conquistou o respeito não apenas da rainha do tráfico, mas se todos os seus subalternos e demais chefes das outras facções menores do crime. Isso significava que estariam dispostos obedecer e segui-lo aonde quer que fosse, havia se tornado um líder nato e talvez por essa razão minha maligna tia o respeitasse tanto, sabia que ele poderia arrastar para si todos os demais aliados e enfraquecer seu poder sobre os mesmos.

 Dessa maneira o mais sábio seria mantê-lo a seu lado. Acontece que se ela foi inteligente o bastante para analisar este detalhe eu também fui e por isso decidi conquistá-lo. Agora, contando com o total apoio do mais respeitado dos comandantes do crime organizado do Rio de Janeiro, considerada desde aquela época a metrópole dos traficantes deste país. Onde o governo e suas forças armadas não eram e nem são até hoje capazes de combater suas ações criminosas.

 Eu já estava cem por cento pronta para contra-atacar minha inimiga e transformá-la em cinzas. Expliquei ao meu mais novo aliado todos os detalhes sobre o plano de desestruturar minha rival e assumir por completo seus negócios o mais rápido possível e sem perda de tempo ele reuniu todos os homens de maior confiança para orientar os demais liderados sobre como agir daquele dia em diante, nenhuma pessoa que estivesse de alguma forma ligada ao comércio de drogas nos morros cariocas poderiam vender.

 Comprar ou traficar o produto de qualquer maneira sem que estivessem antes em pleno acordo as novas normas impostas por Luís, e a principal delas seria adquirir o material diretamente dele e não da concorrência. Todos os que se negassem a vê-lo como o novo rei do tráfico nos morros pagariam com a vida. Acontecia ali o que minha pior inimiga mais temia, seu homem de maior confiança havia se rebelado. Mas ela não vivia alheia a este risco e já trazia na manga uma possível solução para o problema.

 E da mesma maneira como fez comigo nos tempos que fingiu está entregando nas minhas mãos a responsabilidade de gerenciar o casarão e selar a paz entre nós. Lá no sertão, fugindo em seguida e me deixando cair de laranja numa terrível armadilha que acabou por me levar a cadeia. A infeliz convocou o ex empregado a comparecer em sua mansão e propôs rendição mesmo antes de ter que confrontá-lo e sem nada dizer Luís foi ao encontro da antiga patroa guarnecido por vários de seus seguranças, porém sem saber que não fazia parte dos propósitos dela matá-lo, mas sim engana-lo como fez a mim.

Depois de explicar suas intenções em abandonar a liderança que tinha sobre o comércio do tráfico e passar para ele tal responsabilidade, alegando cansaço e indisposição para dar continuidade. Confundiu a mente dele que já não via mais como surpreende-la com a decisão que tomamos em tirar dela o poder exercido sobre os demais traficantes, pois naquele momento ela deixava claro não fazer mais a menor questão de se manter à frente dos negócios. 

Mesmo não confirmando sua intenção em assumir o posto de rei do tráfico meu parceiro voltou completamente desorientado e ao nos falarmos dizia-se desestimulado a continuar com nosso antigo plano, minha inimiga mais uma vez dava a volta por cima e de certa maneira ele estaria com razão, como poderíamos destruí-la agora que havia jogado a toalha? Confesso que não esperei tamanha inversão nos acontecimentos. Porém precisei aceitar o fato de que estava desafiando uma mulher extremamente inteligente.

 Porque ao agir dessa maneira ela deixou Luís sem muitas opções. Ao convocar os demais senhores do crime para se unirem a ele na tomada do poder e expulsão de Izabel do ponto mais alto da liderança, oferecendo-lhes mais liberdade para traficar seus produtos e maior participação nos lucros. Exigindo uma menor taxa de impostos sobre as vendas de drogas, dizia que havia tomado tal decisão por entender ser ela injusta com os traficantes menores e com isso conquistou total apoio destes.

Ao saber que ela desistiu do poder e passou deliberadamente a ele o controle de tudo seria sem sentido confrontá-la. Ou seja, não existia mais motivação para tanto e fomos desarmados. A princípio pensei que minha venenosa tia teria repassado a Luís seu posto apenas como estratégia para evitar um confronto com o mesmo, mas foi um enorme engano porque seus reais motivos foram outros. Ela havia se antecipado e investigou a fundo os pormenores desde que foi informada sobre as atitudes de rebelião do homem de sua inteira confiança e descobriu está ele associado a sua rival nos negócios .

Agindo de imediato para se antecipar a qualquer surpresa, essa era a situação na qual nos encontrávamos, fomos expostos e nossa adversaria sabia que Luís e eu teríamos nos unidos contra ela. E sua suposta rendição significava que a serpente iria armar o bote para atacar a nós dois no momento oportuno, deveríamos ficar em alerta permanente. Rogério me procurou e disse está muito preocupado com o rumo que as coisas tomaram e pediu que eu desistisse de minha sede de vingança.

 Ele temia que de alguma maneira eu acabasse morta e suas convicções não estavam erradas. Mas, quando estamos cegos pela a mágoa e revolta pouco nos preocupamos com a morte, só queremos punir quem nos feriu e, além disso, não dependia mais dele para financiar meu plano de vingança e com isso decidi cortar as relações que nos uniu até então.  Pois detesto gente covarde e ao vê-lo desistindo de fazer sofrer aquela peste que matou seu único filho a sangue frio me indignei, perdi a admiração que aprendi a ter por ele. 

Me perguntei como um pai poderia desistir de vingar a morte de um filho, principalmente tratando-se do único que viesse a possuir. Izabel prejudicou a mim e minha família, me entregando como carne fresca para àqueles abutres do sexo e jogou meus irmãos no serviço forçado num canavial por vários anos, juntamente com outras famílias, onde acabaram por conhecerem as mulheres com quem se casaram. Hoje só não vivem atolados naquele lameiro com esposas.

 E filhos porque lhes ajudei a sair de lá. Durante os tempos que assumi os negócios no casarão lhes ajudei nisso, portanto, de maneira alguma iria esquecer o mal que aquela infeliz nos causou e desistir de fazer com que ela pagasse até o último centavo a dívida que tinha comigo. Sei que na realidade Rogério gelou com medo que no final da história acabasse sobrando um pedaço do bolo envenenado para ele e, mesmo não tendo nada a perder, preferiu fugir da batalha com o rabo entre as pernas, mas não seria assim comigo.

 Iria continuar na peleja até o fim, afinal fui esperta o suficiente para guardar comigo boa parte do dinheiro que recebi dele durante o período que apoiou a causa e do comércio de drogas auxiliada por Luís. Caso fosse abandonada pelos dois poderia prosseguir sozinha com o plano de acabar de vez com a miserável. E não deu outra, depois de perder o apoio de Rogério foi a vez de ser apunhalada pelo macho para quem abria as pernas quase todas as noites. Aconteceu que a proposta feita pela maquiavélica em passar para ele o domínio da venda de drogas nos morros mexeu com sua cabeça.

 Além do grande incentivo que recebeu dos demais chefes do tráfico que lhe fizeram entender ser mais vantajoso assumir o poder majoritário nos negócios sem ter que sujar as mãos com sangue de que comprar a meu lado uma briga na qual nada tinha a ver. Sem considerar a guerra que certamente teria que travar contra os peixes grandes da alta cúpula que a apoiavam, como políticos e os coronéis da polícia e forças armadas,  pois não era segredo que ela estaria envolvida com toda aquela raça de corruptos.

Luís estava apaixonado e por um tempo se deixou levar pelas emoções, mas não seria bobo o bastante para esquecer que foi ele mesmo quem muitas vezes recebeu destes peixes grandes armas para repassar às facções criminosas, visto que era o cabeça da quadrilha que fornecia armamento pesado para elas. Então, diante disso, veio a mim com uma proposta que considerei por demais absurda.

O canalha propôs que eu abrisse mão da vingança contra sua antiga aliada e aceitasse me casar com ele, a seu lado assumisse o controle do tráfico e recomeçássemos juntos uma nova história. Bem, isso pareceu romântico e uma ótima proposta se não fosse o fato de eu ter que recuar diante de meu principal propósito, porque nada neste mundo me faria desistir de ir até o fim no sentido  de fazer aquela desgraçada cair de joelhos diante  meus pés, então minha resposta foi imediata e sem a menor chance de dúvidas:

Não aceitaria tamanho ato de covardia! Ele também não insistiu, estava decidido a seguir em frente com suas escolhas.  Contando comigo ou não, mas antes de se despedir me deixou em alerta sobre o fato de que daquele dia em diante nos tornaríamos adversários nos negócios. E suas ameaças não demoraram a se cumprir, em poucas semanas as coisas começaram a ruir diante de meus pés, após saída dele os outros que ajudavam a distribuir as drogas para nossos clientes por toda a cidade anunciaram estarem abdicando de suas atividades.

 E passaram a trabalhar para Luís, dias depois os distribuidores que atuavam no país inteiro também me deixaram. O pior de tudo é que havíamos encomendado uma tonelada de entorpecentes da Bolívia. E os fornecedores eram cruéis contra aqueles que deixassem de honrar fielmente seus compromissos, se no dia da entrega não recebessem o valor a ser pago de acordo com o combinado minha morte era certa. Minha adversaria havia vencido mais um round, conseguindo colocar todos contra mim mais uma vez.

 Agora só existiam três saídas a escolher: Voltaria atrás e aceitaria a proposta de Luís, correndo o risco de ser humilhada publicamente ou iria cair de joelhos diante   de Rogério a quem mandei ir embora por tentar me alertar dos riscos que estaria correndo no caminho de recoltas que escolhi. Tinha, ainda, a terceira opção que seria entregar o que tinha conquistado até então aos fornecedores e ficar na mais completa miséria.

 Porém viva. Orgulhosa ao extremo optei a terceira hipótese e paguei minha dívida com os traficantes, como o valor em dinheiro não cobria a enorme quantidade de drogas que pedi fui obrigada a entregar a mansão e fiquei no meio da rua com uma mochila e a roupa do corpo.  Sem um centavo sequer para pagar um café da manhã. As drogas ficaram no porto, aguardando retirada, mas como iria fazer isso em ter onde guardá-las e agora sem o apoio da máfia do tráfico que davam livre acesso a esse tipo de cargas?

Com certeza Luís e sua quadrilha já estavam cientes da situação e caso eu usasse tomar posse da encomenda eles acionariam a polícia. Como sempre corrompida e parte do esquema certamente me prender e lá iria eu outra vez cair nas garras daquela diretora de araque e de Negra Buba que, sem dúvida, dessa vez me mataria. Não, pensei, melhor deixar quieto. Dei uma última olhada para trás e contemplei a imensa casa em que habitei por algum tempo num dos bairros nobres do Rio de Janeiro parti sem rumo, como de costume, em direção ao desconhecido.

Não cairia humilhada aos pés de ninguém, a sede de vingança ainda ardia no peito e de nenhuma maneira desistiria da missão de destruir aquela infeliz, mas meu pior inimigo, o destino, outra vez conspirou contra mim. Seria um carma que trouxe desde a infância sofrer tamanha perseguição? Primeiro tive o azar de nascer na pior região um país tão grande, viver debaixo da seca e castigada pela fome, ainda por cima ver pessoas estranhas queimarem o pouco que tínhamos e não ser capaz de impedir a prisão de meu pai até hoje sem notícias.

 Por fim, ser levada cativa da própria tia para servir de prostituta num puteiro por longos dez anos, longe da família e sem contato com meus irmãos. Vi meu melhor amigo ser queimado vivo bem diante de meus olhos, padeci na cadeia igual a uma cadela sem dono, fui resgatada e consegui poder para enfrentar aquela que todo esse mal me causou, porém fracassei. Realmente alguma força superior deveria conspirar contra tudo o que fazia naquela ocasião.

 Parecia impossível punir minha tia depois de tanto sofrer nas suas mãos, estaria o próprio Deus e todo universo a favor daquela desgraçada e contra mim? Então praticar a maldade contra um inocente receberia maior aprovação do que castigar quem tal coisa fizesse? Aquilo tudo que acontecia comigo só aumentava a revolta que queimava dentro de mim e me dava mais forças para continuar. Sai pelas ruas da cidade sem a menor ideia de onde iria parar, a uma hora atrás morava numa casa enorme.

 Com quatro suítes, piscina, decoração moderna e móveis caríssimos. Minutos depois estava ali, sentada num banco de praça no meio de vários outros indigentes sem ter para onde ir. Com certeza Izabel já estaria ciente da minha derrota e festejava por isso. Luís agora controlava tudo por ali e seus informantes lhe deixava a par de qualquer acontecimento, portanto, também sabia da minha triste realidade, mas não iria nem mandaria seus puxa sacos irem atrás de mim, para me recolher das ruas, ficaria aguardando que eu gritasse por socorro.

 Coitado, não me conhecia nem um pouco, pois, sendo uma nordestina de sangue roxo como sou jamais baixaria a cabeça e aceitaria uma derrota facilmente e sem lutar. Tudo bem, perdi a luta pela terceira vez, mas permaneci viva e com disposição para prosseguir com meu projeto. O plano que foi traçado para retribuir na mesma moeda o mal que me fizeram sofrer injustamente. Depois de um tempo, vivendo no conforto e usufruindo do bom e do melhor esquecemos como é difícil encarar a pobreza.

 E agora, de volta a existência dura e crua com a qual tive que aprender a conviver desde cedo seria necessário me readaptar àquele terrível cenário.  Um vento forte e frio se abateu de repente sobre o local naquele final de tarde e meu corpo gelou de tal maneira que batia os dentes e sentia meus ossos estralando por dentro, alguns pedintes se reuniram numa parte qualquer da praça e fizeram uma fogueira para se aquecer.

Uma idosa estendeu a mã o, assinalando para que me aproximasse e participasse do calor feito pelo fogo, aceitei o convite sem perda de tempo antes que congelasse por inteira. Até pouco tempo atrás nem podia me imaginar ali sentada entre mendigos e partilhando o mesmo estado de pobreza e miséria, olhei em redor e disse a mim mesma que havia chegado no fundo do poço, e que poço! Meu olhar pairava pelo vazio que me restou e percebia o quanto fui boba em acreditar que bastaria ter alguns trocados numa conta bancária para ser capaz de vencer uma inimiga tão poderosa e sábia como Izabel, fui extremamente louca ao querer derrota-la usando artimanhas vazias sem experiência e maturidade. Agora era recomeçar.                     

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