A nossa vida era simples naquela ilha. Nossas casas eram na areia da praia. Lembro-me de que minha tia-avó recusava-se a dividir a casa com meu pai, por ele ser de baixo nível. Mesmo distante da civilização, minha tia trouxera seus costumes com ela.
A praia tinha uma vasta extensão de areia e uma grande pedra separava uma parte da praia formando uma pequena baía, existia apenas uma pequena passagem de um lado para o outro. Meu pai e eu ficávamos na parte da pequena baía onde ele podia aprimorar suas habilidades com a areia além de pegar e pesquisar amostras de plantas e tudo mais. Na outra parte vivia minha tia e suas filhas gêmeas.
Apesar de minha tia tentar nos dividir em classes, a inocência infantil e a memória afetiva impediam. Minhas duas primas eram as minhas melhores e únicas amigas. Tudo que minha mãe lhes ensinaram elas passaram para mim, de vez em quando fugiam às escondidas para o lado da pequena baía e íamos nós três, lideradas pelo meu pai, em expedições ao longo da mata que havia na ilha.
Com ele aprendemos sobre plantas, elementos, animais, o respeito à natureza e ao sensível ciclo que regrava todo o ecossistema. Sendo o meu pai um Excepcional na área de Biologia, conseguia fazer de um solo estéril o mais fértil que existe, com um toque “desmurchava” uma planta, animais sejam selvagens ou domésticos nunca lhe davam trabalho, nunca o atacavam, com um punhado de terra na mão criava uma semente que daria uma árvore frondosa com os melhores frutos. Muitas vezes nessas expedições ele demonstrava suas habilidades para nós.
Vivíamos em barracas feitas de madeira, meu pai construiu a nossa através de um cajueiro que trouxera da cidade, minha tia-avó, construiu com os galhos e troncos caídos no chão da floresta. No entanto, ela se mudou da praia por conta da maré que invadiu e destruiu a barraca, a nossa, feita de tronco maciço, resistiu à água e não foi inundada.
Resolveu morar no alto da árvore, no começo da floresta. Uma casa feita de folhas e galhos, quando chovia, abrigavam-se na barraca no solo para evitar serem vítimas de raios.
Arranjávamos comida de modos diferentes.Minha tia e as gêmeas, comiam praticamente tudo que viesse do alto, arranjavam armadilhas para os pássaros e assaltavam os seus ninhos. Conservavam a carne na banha e faziam doces em conserva para que tivessem um estoque de frutas.
Nós pegávamos tudo o que era fresco, se quiséssemos comer uma fruta íamos no pé, meu pai fez um cativeiro para os peixes nas águas do rio dentro da floresta. Pedia aos predadores que lhe indicassem uma boa carne para caçar, ajudava-os também, por isso nenhum predador nos atacava ou as minhas primas e tia.
O quintal das duas casas, era a praia. Uma extensa faixa de areia amarela e um mar gigante. Por ser pequena, eu podia nadar apenas na pequena bacia pois era raso e batia menos, quando cresci, pude entrar sozinha no mar e nadar por entre as ondas.
Nas pedras que formavam a pequena bacia, pequenos caranguejos viviam, volta e meia catavamos para comer, alguns outros apareciam na areia junto com os tatuís. Meu pai ensinou-me e as minhas primas a jogar tarrafa e pegar os peixes e outros crustáceos que apareciam ali.
Respeitador da natureza, meu pai agradecia a todos os animais que morriam para nos alimentar. Não caçava ou pescava em época de reprodução, pegava sempre os mais velhos, e ignorava as fêmeas com filhotes. Tudo para manter o equilíbrio e não faltar nada.
Eu gostava de ler. Quando era pequena, ele lia para mim. Eram todos livros científicos ou diários de anotações das viagens dele. Admito que os diários dele eram mais interessantes do que os grandes calhamaços que explicavam sobre como a anatomia de cada bicho ou planta funcionava.
Os diários do meu pai não tinha apenas anotações de espécimes raras mas da cultura, dos costumes, do povo, dos lugares por onde ele passava. Para uma menina que o seu mundo era uma ilha coberta de mata virgem, aquilo era como um conto de fadas, uma lenda distante e difícil de ser alcançada.
Quando nasci meus pais eram muito novos, vinte anos os dois tinham, minhas primas tinham dez, quando eu tinha quatro anos, meu pai tinha vinte e quatro anos e minhas primas catorze. Quando fiz catorze, meu pai tinha trinta e quatro e minhas primas vinte e quatro.Minhas primas, filhas da minha tia-avó não eram idênticas, entretanto muito parecidas e extremamente belas. Olivia e Sofia. Dois nomes extremamente diferentes mas que se complementam. Sofia, quer dizer sabedoria e Olivia azeitona, para os gregos a árvore da sabedoria era a Oliveira. Se você não entendeu a referência vá se informar mais.Olivia era gorda, com um rosto alegre e bochechas redondas de pele alva, já Sofia era um pouco mais esbelta e morena e tinha um olhar melancólico. Mesmo assim ao olhá-las percebia-se
Eu ainda não sabia nada sobre os Excepcionais, apenas sabia que meu pai podia controlar os fenômenos como os crescimentos das plantas, comunicar-se com animais, mudar estruturas bióticas e abióticas, afinal era isso que ele estava tentando fazer ali desde que viera com minha mãe. Um remédio universal feito a partir da areia.Nossa casa era exemplo do poder do meu pai. Ele escolhera o Cajueiro. A natureza da árvore de caju é espalhar-se criando galhos e mais galhos, por isso era mais fácil construir uma casa de árvore. A raiz fora bem fincada e com profundidade na areia para que não tivesse a chance de algum vento derrubá-la, meu pai se inspirou nas casas que ele havia visto na área rural. Então, havia uma varanda espaçosa na entrada da casa, o primeiro cômodo era a sala de estar, seguida por
As mudanças chegavam imperceptivelmente. Eu, uma criança de dez anos, isolada da civilização, consegui aprender cinco línguas diferentes.Eu aprendia muito rápido, assim como aprendi a ler e escrever, aprendi outras línguas que meu pai sabia. Ele viajava pelo mundo inteiro, foi obrigado a aprender várias línguas. O que ele levava meses para aprender, eu aprendia em dois dias. Aos dez anos, eu sabia fazer tudo o que meu pai fazia, inclusive a casa de árvore. Mas, naquela idade ele apenas me deixava cuidar dos espinheiros.Minhas primas eram dez anos mais velhas que eu, estavam na casa dos vinte, mulheres já feitas, já não pensavam em brincadeiras na areia. O anseio de voltar a civilização tinha chegado, principalmente para Olivia que deixara seu “Prometido” por lá.
Era uma areia tão brilhante, que nem parecia areia. Tinha uma cor verde azulada fluorescente. Ela brilhava intensamente, como os plânctons no mar. Em um simples movimento que meu pai fazia, ela dançava no ar e obedecia às suas ordens. O laboratório improvisado brilhava à noite, o pó fluorescente brilhava ao redor dele. Sua função era curar, porém, conseguia fazer outras coisas com ela. Com a areia conseguia-se fazer outros objetos flutuarem, carregá-los de um lugar para outro.Ele me envolveu com o pó brilhante me fazendo flutuar pela casa. Como um pó mágico de alguma feiticeira, ao dominar bem a areia, ela podia fazer o que você quisesse, desde de arrumar suas coisas a transportá-la de um ponto a outro.Fo
Ao chegar essa notícia, eu não fiquei muito feliz com isso. Naquela ilha estava enterrada a minha mãe, onde muitas vezes eu ia para conversar com ela, estava a minha casa feita de cajueiro e o meu bicho de estimação. Meu bicho de estimação é um quati vermelho abandonado pelo bando. Apareceu no túmulo da minha mãe, por isso botei-lhe o nome de Rudá. Sugestão do meu pai.Rudá, o amor, criado por Guaraci, o sol, para levar seus recados apaixonados para Jaci, a lua, já que não podiam se encontrar. Então os dois conversavam a partir de Rudá e seu amor continuava crescendo. O quati aparecera no túmulo de minha mãe, um quati dócil que nos aceitou rapidamente. Papai disse que era a mensagem de amor da mamãe para nós, daí Rudá.
O que para você é um mundo novo? Um novo mundo é composto de coisas inimagináveis aos seus olhos, costumes estranhos para sua natureza. Para mim o novo mundo abriu-se quando saímos da área da marinha e começamos a perambular pela Praça XV. Tínhamos chegado à costa brasileira à noite, adentramos pela Baía de Guanabara e aportamos na área militar.Entramos na Baía em silêncio, um navio percebendo a estranha embarcação brilhante adentrando em águas brasileiras, veio para perto de nós. Fomos obrigados a parar e subir para o navio. O comandante pareceu ficar um pouco aturdido quando nos olhou e levou-nos diretamente para a base militar._ Não é para tocar! _ alertava minha tia-avó toda vez que eu me aproximava de alg
Era um prédio enorme com corredores infinitos. Nos dormitórios cada porta continha um universo. A Diretora do internato ia na minha frente me mostrando o caminho, o único barulho que existia eram dos seus saltos e da minha mala de rodinhas. Tudo parecia muito escuro mesmo com a claridade do sol entrando pelas grandes vidraças dos corredores.Rudá não estava mais comigo, a escola não permitia animais de estimação. Não aceitei bem isso, Rudá era o meu melhor e único amigo.O barulho do salto parou em uma porta de número 36, ela se virou e me olhou com um olhar severo como se eu já tivesse quebrado as regras da instituição sem antes conhecê-las. A diretora vestia uma farda da marinha, um conjunto de uma blusa de manga e uma saia reta todas elas bra
A mansão ficava em um condomínio de luxo. Era a casa onde minha mãe passara a infância, onde ela e meu pai levavam desde os mais pobres aos mais ricos brincarem juntos no mesmo quintal. Onde também minha tia-avó criou as sobrinhas e que eles deixaram para trás. A casa era fruto do trabalho pioneiro na área de medicina do meu avô com os Excepcionais. Não imaginava que a filha dele também seria uma assim. A única herdeira era a minha mãe. Jezabel, sabia que não iria ter direito a fortuna mesmo se considerasse a sobrinha morta. Foi para a ilha deserta vigiá-los.Quem cuidava desses bens era um advogado da família. Uma pessoa de confiança é comprovadamente incorruptível. A minha mãe o deixou no cargo de cuidar de todos os bens m