3. CRISTHIAN MARSHALL

Depois de mais uma madrugada conturbada, causada pelos constantes pesadelos que tinha desde o dia daquela terrível tragédia, Cristhian Marshall chega ao escritório com a mesma postura rígida e sua indiferença de sempre. Usando seus óculos escuros, vestindo seu impecável terno de três partes na cor azul escuro, feito sob medida para seu porte inconfundívelmente sexy, digno de um lord inglês, ele apenas fala o básico e em seguida toma posse da sua mesa, que era tão vazia e só tinha brilho quando seu dono estava presente.

— Bom Dia senhores!

Christian chega ao local onde está sendo o seu gabinete eleitoral e ao entrar se depara com seu amigo Adam Smith sentado na sua poltrona, mesmo sabendo o quanto ele detestava essas atitudes abusivas.

— Bom Dia nosso futuro governador! — Adam levanta com um sorriso sarcástico no rosto, caminhando até Cristhian e lhe estendendo à mão, mas o mesmo sequer retribui e logo toma posse do lugar que lhe pertencia.

Enquanto se servia de uma boa xícara de café sem açúcar, que sua secretária Nice deixará em sua mesa, Cristhian coloca a sua pasta de couro marrom sobre a mesma, abre e retira alguns papéis importantes que precisaria revisar sem falta.

Adam era seu vice na chapa, seu amigo de décadas, mas no fundo Cristhian não confiava cem por cento nele. Aliás desde sua adolescência e a morte repentina de seu pai, ele desconfiava até mesmo da sua própria sombra, quem dirá em um homem volúvel e fanfarrão como Adam, que tinha como objetivo de vida decidir entre qual seria a vítima do dia: loira, morena, ruiva, asiática, negra, e por aí vai.

Cristhian continua na sua postura habitual, enquamto Adam inicia seu fatídico relatório matinal. Tudo o que ele desejava era deparecer e mandar para o inferno tudo e todos que o cercavam e isso incluia as idiotices de Adam. Contudo não conseguia fazer isso, tinha feito uma promessa ao pai de dar continuidade à dinastia política da família e assim manter vivo o legado dos Marshall. Mesmo se sentindo vazio e sem alegria, Cristhian continuaria fazendo o que deveria ser feito, apesar de não acreditar que algo mudaria em nenhum lugar do mundo através da política.

— Ainda não temos confirmação de nada Adam! Tudo é incerto e sabe que odeio viver ou me apegar à suposições. — Cristian fala iniciando sua maratona diária, assinar papéis e mais papéis

— Sei bem disso Christian. Mas, não há como negar a sua vitória no primeiro turno. Há mais de três semanas os percentuais de eleitores ao seu favor só vem crescendo. Você tem 70% da quantidade de votos legíveis, contra 30% do candidato da chapa concorrente. Meu caro, essa eleição está mais do que garantida. — Adam fala olhando para Cristhian e sorri de uma maneira triunfante, como se naquele exato momento já tivesse em mãos os resultados eleitorais

— Isso seria magnífico! Mas gosto de comemorar quando já estou com algo concreto nas mãos. Não sou sonhador como meu pai e você sabe bem disso.

— Sei bem. Seu pai estaria orgulhoso de você nesse momento. É uma pena que já não esteja entre nós. — Cristhian sente uma pontada no peito de saudades misturada com tristeza, sempre que ouvia falar de seu pai.

Mas, sendo ele um Marshall, não poderia se dar ao luxo de fraquejar e menos ainda dar lugar à sentimentos tão banais quanto esses. Agora mais do que nunca ele necessitava seguir em frente, nem que para isso tivesse que passar por cima de tudo que acreditava ser o certo, mas não permitiria que ninguém o visse fraquejar e sentisse por ele o pior dos sentimentos: piedade.

— É... realmente é uma pena ele não estar aqui. Aquele acidente devastou toda a nossa família, minha mãe não suportou e acabou falecendo pouco tempo depois. A vida tem dessas coisas. — Cristhian estala a boca e se levanta observando à vista privilegiada do Minnehaha Park, que ficava no centro de Minneapolis, capital de Minnesota, onde sua campanha estava. E ainda de costas com uma mão no bolso e a outra segurando a xícara com café, ouve Adam falar algo que o deixou surpreso.

— Infelizmente existem males que vem para o bem Cris. Se seu pai estivesse entre nós tenho certeza de que jamais concordaria com a venda das empresas Marshall e principalmente com a demissão de mais da metade dos funcionários. — Adam fala com um tom despreocupado e isso fez Cristhian o observar por alguns instantes

Como assim, existem males que vem para o bem?

Como Adam foi capaz de se referir ao meu pai dessa maneira tão nojenta?

Cristhian fecha o punho e volta a ficar frente à frente para o até então amigo. Pensa por alguns instante em esmurra-lo por tal insanidade, mas respirava fundo e compreende que escândalos nessa altura do campeonato não seria uma boa opção.

Adam sempre foi um boa vidas, nasceu em berço de ouro e sempre se preocupou apenas em decidir a sua vítima da vez ou onde curtiria as próximas férias no fim do ano. Diferente de Cristhian, Adam nunca se preocupou com nada além dele mesmo e de saciar as suas vontades. E esse modo dele de ser, a cada dia tem incomodado e muito.

— Meu pai era um grande homem e sua memória é irrefutável. Contudo, a verdade é que aquela empresa nunca me interessou e menos ainda depois do que aconteceu. Sem tirar o fato que de alguns anos para cá, não deu lucros, e sim dívidas.

— Seu pai sempre foi muito complacente com os funcionários, principalmente com os estrangeiros. Nos negócios precisamos ser frios e audaciosos. Mas ao invés disso, ele sempre usou o coração e por essa razão a empresa não ia tão bem assim.

— Por sorte consegui enxergar isso à tempo. Assim consegui me desfazer das ações com um preço justo, antes que caíssem de valor na bolsa de ações e aí sim, eu teria um grande prejuízo. — Cristhian volta para sua mesa impaciente

— Por certo meu amigo. Agiu na hora correta e passou essa bomba para as mãos de algum otário por sobrenome Martinez. Agora ele quem terá que arcar com o prejuízo de mais de dois milhões de dólares. — Adam fala sentando na poltrona à frente da mesa de Cristhian mexendo em seu iPhone — Tenho dó desse pobre coitado, ele não consegue imaginar na grande enrascada que se meteu ao comprar ações da Marshall Tecnology.

— Isso pouco me importa Adam, tudo o que eu sempre desejei, acabei de conseguir, me livrar desse estorvo e peso que meu pai colocou nas minhas costas. Eu nunca gostei dessa empresa e ele sabia muito bem as minhas razões. — Cristhian altera levemente a voz e Adam percebe a mudança repentina do amigo e tenta intervir

— Você precisa esquecer isso Cristhian. Aquilo faz parte do passado e o seu presente e futuro são o que importa. Logo você ocupará o segundo maior cargo do governo e depois disso ficará a um passo da presidência do nosso país.

— Eu sei. Mas continuo sentindo um vazio que eu imaginava que pudesse ser preenchido com o poder, mas não é assim Adam. Tenho quase quarenta anos e olhe pra mim: solitário. Não acredito no amor, nas pessoas e tudo o que tenho feito é pisar em todos para alcançar os meus objetivos.

— Deixe de bobagens Cris... Esse vazio poderá ser preenchido com uma boa noitada na boate e numa orgia.

— Você não compreende nada. Tudo a sua volta se resume em sexo e fodas com mulheres diferentes. Bastardo!

— Posso ser um bastardo como diz, mas satisfeito com a vida que tenho. Porque de amargo meu amigo, já bastam os limões que lambemos depois das doses de tequila. — Adam fala irônico e Cristhian o fuzila com o olhar

— Filho da mãe! Sai daqui! Me deixa sozinho! Preciso colocar minhas ideias no lugar.

— Tá certo! Como vossa excelência desejar! — Adam faz sua irônia de sempre e levanta, guarda o celular no bolso da sua calça de linho, encara Cristhian e diz:

— Há... fica ciente que já coloquei anúncio no jornal.

— Anúncio? De que está falando maluco? — Cristhian franze o cenho demonstrando que estava totalmente indiferente à nova loucura do amigo

— O anúncio para encontrar o par perfeito para o comitê de campanha. Você precisa ter uma primeira dama e sozinho como está, é complicado. Mas NÃO se preocupe, que para isso tem o seu vice aqui e dou a minha palavra que vou arrumar uma acompanhante bem gostosa para aparecer ao seu lado nas colunas sociais. E quem sabe até role uns beijinhos e um encontro amoroso. Porque você está precisando de uma boa foda para melhorar essa cara de defunto.

— Vai se fu...

— Epa! Olha a boca governador! Precisa dar exemplo para as criancinhas do nosso estado!

Cristhian j**a o grampeador na direção de Adam, que corre abrindo a porta e deixando o amigo sozinho e pensativo na gigantesca sala de reuniões, que tem sido a sua única companhia há muito tempo desde o dia em que sofreu a pior dor da sua vida, a perda do seu único amor e juntamente com seu filho que ainda nem tinha vindo ao mundo. A dor o fez se fechar completamente para o amor e o tornou frio, distante e totalmente diferente do Cristhian Marshall que já foi algum dia.

[...]

Entre papéis, telefonemas e uma reunião com toda a equipe da campanha, o dia passou como um foguete. Tudo o que Cristhian queria era entrar no seu quarto, tomar um bom banho quente e relaxar. Mas no fundo sentia medo de fechar os olhos e recordar através dos malditos pesadelos toda àquela terrível noite em que tudo mudou.

Adam desapareceu o resto da tarde, o deixando sozinho com todos os envolvidos na campanha. Com certeza deve estar em mais alguma de suas loucuras, que uma hora ou outra acabariam muito mal.

Cristhian estava no estacionamento, quando seu telefone toca e ao perceber de quem se tratava simplesmente fez algo que já era de seu costume, ignorar. Depois de um dia exaustivo tudo o que ele menos desejava era ouvir conversas sem sentido de Margareth, sua irmã, que tudo o que mais sabia fazer na vida era conferir quantos gramas havia perdido ou ganho. Após guardar o aparelho no seu paletó, enfim entra no carro e segue para o Central Minneapolis Hotel, onde estava hospedado até a reforma do seu flat ficar pronta.

Ao se aproximar do carro, Frédéric, seu segurança abre a porta e como de costume apenas acena com a cabeça.

— Para o Hotel Frédéric! — Cristhian fala com sua autoridade de sempre

— Sim senhor! — Frédéric responde iniciando seu trajeto, seguido por mais dois carros da escolta, que havia sido cedido pelo próprio presidente do partido, após Cristhian sofrer um atentado há exatamente um mês atrás.

Todo o percurso é tranquilo, há não ser pela chuva que começa à cair na capital de Minnesota, que aumentava drasticamente o mal humor de Cristhian. Pois foi exatamente em um dia chuvoso que tudo aconteceu.

— Apresse-se Frédéric! Não quero permanecer nas ruas por muito tempo. Odeio dias chuvosos! — Frédéric o observa pelo retrovisor e nota seu desconforto no assento

— Senhor, estou fazendo o possível para chegarmos ao destino rapidamente, mas preciso ter cautela. É um dia chuvoso.

— Desde quando você é pago para fazer o possível? Faça o que tiver que ser feito, mas me leve o mais rápido possível ao hotel. — Cristhian se exauta e Frédéric apenas assente com a cabeça, já conhecendo o perfil e o humor ácido do seu patrão.

Frédéric trabalhava há mais de cinco anos para os Marshall e sabia exatamente porque o chefe havia mudado tanto em tão pouco tempo. E por essa razão compreendia suas atitudes e tentava relevar o máximo que podia as suas grosserias.

A viagem permanece em silêncio, até que o carro passa por uma poça enorme d'água, e em seguida Cristhian ouve gritos que vão diminuindo a intensidade conforme o carro ganha velocidade. Com certeza alguém deve ter sido prejudicado com um bom banho e por isso os gritos. Mas isso não era tão importante quanto chegar no seu destino e enfim tentar ter uns instantes de silêncio e paz consigo mesmo.

Continua...

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