Alice O sábado foi conturbado, para ser sincera, um verdadeiro desastre. Já o domingo amanhece bem, mas num piscar de olhos se torna uma catástrofe. Imagino que o fim de semana tenha terminado no exato momento em que PG me deixa para trás, mas, novamente, tudo muda quando descubro o que Filipe tem para me dizer. Ainda não temos a certeza do nosso parentesco biologicamente falando, mas, no coração, já o considero parte da minha família, e afirmo que com ele acontece o mesmo. Permanecemos um longo tempo de frente para o lago. Conversamos bastante, conto um pouco da minha vida, tanto as boas coisas quanto as más recordações, e, muito orgulhosa, falo sobre o amor que sinto pelo magistério. Mas, quando menciono tudo o que sofri nas mãos de Filadélfio, ele se sente culpado. Logo o convenço de que ninguém tem culpa de absolutamente nada, nem mesmo minha mãe, até porque, como ela saberia o mau caráter que aquele sujeito era e as barbaridades que ele poderia cometer? Sempre procuro tira
Alice O silêncio entre nós dura alguns instantes, até Filipe decidir soltar mais um segredo em minhas mãos. — Eu me relacionava com uma pessoa durante um longo tempo antes de conhecer sua mãe. Éramos noivos, mas terminei tudo quando a vi e, consequentemente, me apaixonei por ela. Minha voz desaparece. Eu não esperava ouvir algo assim. — Eu... Eu... Não sei o que dizer. — Minha voz sai quase num sussurro. — Não precisa dizer nada. Eu desconfiava que você reagiria assim. — Como sempre, Filipe é compreensivo comigo. Parece que ele sempre tem a palavra certa a dizer em todos os momentos. — Desculpe. — É só isso que consigo falar antes de desviar o olhar para uma criança que brinca próxima ao lago. — Não tem por que se desculpar, Alice. A vida muitas vezes nos traz surpresas, e conhecer sua mãe foi o melhor que aconteceu na minha vida — ele diz emocionado. — É bonito ver o amor que ainda sente por minha mãe. — Minha voz embarga, e meus olhos marejam. É um amor como esse qu
Alice Depois daquela conversa, Filipe me convida para almoçar. Já passou das 13h, e como dizia minha mãe, minhas lombrigas estavam colando o meu estômago nas minhas costas. Coisa de mãe que tem uma filha gulosa em casa. Prontamente aceito o convite. Agora estou dentro de um restaurante sofisticado, observando o cardápio, que, por sinal, só tem pratos caríssimos. Estou sentada em uma cadeira de madeira acolchoada diante de uma mesa redonda, coberta por uma toalha branca e um cobre-manchas dourado, cercada por taças de cristal e um lindo solitário no centro com uma rosa amarela dentro. A janela ao lado nos dá uma vista privilegiada da Lagoa, um dos bairros mais encantadores do Rio de Janeiro. Diante de tanto requinte, me sinto envergonhada. — Acho que não estou usando a roupa apropriada para frequentar um lugar como este — falo baixo, enquanto observo as pessoas ao meu redor, vestindo roupas casuais chiques, bem diferentes da roupa simples que visto. Filipe segura minhas mão
Alice Ao chegarmos ao Hospital D'Or, uma enfermeira nos recebe e nos direciona até uma sala onde será feito o exame. Filipe fica de um lado e eu do outro, separados por uma cortina verde. Através de uma fenda no meio da cortina, ele segura a minha mão, que está tão gelada quanto a dele, durante o tempo em que a enfermeira realiza a coleta de sangue, e eu faço o mesmo com ele. O resultado ficará pronto dentro de uma semana. Sete dias me darão a maior alegria ou a maior tristeza da minha vida. Mas estou esperançosa e confiante de que Deus está à frente de tudo. Ao sair do hospital, peço para Filipe me levar para casa. Já estou distante há muito tempo, e com toda certeza, dona Olga e Damares devem estar preocupadas com o meu desaparecimento. Isso se ainda não descobriram o que PG fez. Aí sim, as coisas podem ficar piores. Já estamos chegando à comunidade quando Filipe pergunta: — Gosta de morar aqui? — No início, senti muito medo, por algumas razões que logo saberá, mas agora me ac
PGAtrás daquele volante, eu piloto feito um louco. Nocaute e Damares berram no meu ouvido, dizendo que vou matar geral nesse carro, mas não ouço porra nenhuma. Só consigo seguir minha mente e meu coração, que gritam feito doidos querendo ver a Alice."Ela precisa me perdoar."É essa a frase que repito sempre dentro de mim, como se fosse um mantra. E, na real, é isso mesmo que Alice se tornou na minha vida: um vício muito pior do que heroína. Antes, eu até conseguia seguir a vida, mas agora, depois de ter certeza de que meu amor é correspondido, fodeu tudo de vez. Tô amarrado. Vidrado. Enfeitiçado. Essa porra toda que inventam só para dizer que um cara tá amando uma mulher.E eu tô amando... Tô gamado... Com os quatro pneus arriados pela mulher mais incrível desse mundo. E sou um puta sortudo, porque ela sente o mesmo por mim... Minha garota me ama...— Ela me ama, caralhoooo... — grito feito um maluco enquanto esmurrava o volante.Nocaute me olha assustado, e o mesmo acontece com Dam
Alice Na tentativa desesperada de manter o controle e não surtar, preparo um café e algo para servir ao Filipe. Ainda não o conheço bem o suficiente para saber seus gostos, mas acredito que um café fresquinho quase ninguém recusa. — Fique à vontade. Vou preparar um café para nós e ver se tem algo gostoso para comermos. — Entrego o celular dele e sigo até a cozinha. — Não precisa se preocupar, Alice. Eu não quero te dar trabalho. — Filipe diz. Firmo os pés no chão, viro o rosto na direção dele, cruzo os braços e, com uma sobrancelha arqueada, falo: — Vou ficar chateada se você não aceitar esse agrado. Sei que minha comida não chega nem aos pés daquele restaurante mil estrelas onde almoçamos, mas... dá pro gasto. Ele sorri fraco, tenta dizer algo, mas antes que inicie aquele papo de não querer incomodar, o advirto: — Não diga nada. Já está decidido. Vou preparar um café para nós dois e algo para o lanche. — Falo firme, e ele me encara de uma maneira serena que me deixa enca
AliceCorro o mais rápido possível, feito uma louca, e chego quase soltando o coração pela boca no posto de saúde, que fica próximo a praça três quadras de distância da padaria do seu Geraldo. Ao chegar, avistei o portão da garagem aberto, que era todo feito de ferro na cor azul, sem pensar vou entrando. Mas assim que coloquei os pés dentro daquele lugar, levo um baita susto com a quantidade de pessoas que haviam por lá. Simplesmente não tinha sequer um banco disponível para sentar, estavam todos os vinte bancos de concreto que haviam ao todo lotados de pessoas aguardando atendimento. Umas recebendo medicações e algumas em cima de macas sendo levadas para o interior do posto, que por sinal era pequeno e não compreendia como conseguiriam atender todas aquelas pessoas que ali estavam.Sinto um nó se formando na minha garganta. Sempre resmungo sobre os meus problemas, e agora percebo que existem pessoas passando por situações muito piores do que a minha, e mesmo assim continuam lutando.
AliceO clima continua tenso. O armário ambulante permanece quieto; pelo visto, compreende que PG não está para brincadeiras. A aglomeração de pessoas só aumenta. O suor brota na testa do vigilante, e sua pose de autoridade vacila diante da presença de PG. Ele tenta puxar o braço, mas PG ainda o segura, firme, sem pressa, como se avaliasse a situação, decidindo se vale a pena continuar jogando paciência ou se chegou a hora de derrubar o tabuleiro inteiro.Observo sua roupa — é a mesma de horas atrás. Pelo visto, ele não esteve em casa; caso contrário, teria se trocado. Mas onde esteve? E, o principal, como soube que eu estava aqui?Minha mente dá voltas, mas não posso perder o foco. Volto minha atenção para PG.— Solta o meu braço, rapaz. — O vigilante tenta manter a voz firme, mas há uma quebra sutil em sua postura, um quase tremor nos dedos.— Dá logo uma lição nesse vacilão, PG! — Uma voz surge do nada em meio à avalanche de pessoas.Engulo seco. No início, até parece divertido ver