AlicePassam das duas da manhã quando a febre de PG finalmente cede, e ele consegue dormir tranquilo. Dentro de mim, porém, há um turbilhão de emoções que me rouba a paz — justamente a paz que venho buscando há tanto tempo, mas que parece cada vez mais distante.Do lado de fora do quarto, o doutor Filipe, ou apenas Fellipe — não sei ao certo como devo chamá-lo —, monta guarda. Ele também sofre, porque, assim como eu, foi enganado por quem mais amava durante quase dezenove anos.Dou um beijo leve em PG e sigo para a porta. Preciso sair um pouco, respirar, pensar e tentar organizar minhas ideias antes que enlouqueça de vez.Ao sair do quarto, Fellipe vem ao meu encontro. Seu olhar é triste, perdido. Assim como eu, ele carrega a dor de uma injustiça e paga por um erro que não cometeu.Muitas dúvidas rondam minha mente, mas a maior delas é entender por que minha mãe escondeu sua gravidez. Por que não me deu a chance de conhecer meu pai biológico? Por que preferiu me deixar nas mãos de um
Alice O dia está quase amanhecendo. São 4h50, e os ponteiros do relógio não param de girar. Com esse novo amanhecer, cresce dentro de mim a certeza de que muitas mudanças acontecerão a partir de hoje. Só desejo que sejam boas. Um pouco mais animada, levanto da espreguiçadeira e sigo até a casa. Já estamos aqui há muitas horas, e a fome chega para fazer uma visitinha. Caminhando pelo corredor que dá acesso à cozinha, vejo Filipe sentado em uma poltrona, com a cabeça encostada na parede. A posição não parece nada confortável, e com certeza ele terá uma grande dor no corpo ao despertar. Mesmo eu dizendo que não precisava ficar, ele não me deu ouvidos, e agora me sinto culpada por vê-lo desse jeito. Meu pai. Uma expressão que sempre falei naturalmente, mas que agora, diante de toda essa verdade, parece um fardo para mim. Filipe aparenta ser um bom homem: educado, gentil, atencioso, prestativo... além de muito bonito. O pai ideal, aquele que toda garota adoraria ter. Mas, no meu cas
AliceEstou paralisada. O ar pesa nos meus pulmões, e minha mente se recusa a processar o que acontece. Minha vida já é um caos, e agora preciso lidar com a fúria cega e a desconfiança sem sentido de PG. Não sei de onde ele tira essa ideia absurda de que Filipe está interessado em mim. Depois de tudo o que passamos para estar aqui, juntos, é insano que, por um erro, PG coloque tudo a perder.Ele me encara com os olhos faiscando, como se cada segundo de silêncio entre nós fosse mais uma traição.— Você só pode estar brincando — diz, rindo de um jeito amargo, como se estivesse prestes a perder o controle. — Tá inventando essa merda pra proteger esse cara, né?— Não estou! — disparo, sentindo minha garganta apertar. Meu coração martela contra as costelas, mas me recuso a recuar.PG dá um passo para trás, como se precisasse de distância para não explodir. Seus punhos se cerram e relaxam, um sinal claro da batalha interna que ele trava.— Então é isso? Agora esse cara é teu pai? Tá pensand
AliceEu não tinha mais nada para fazer naquele lugar, até porque, eu sequer queria estar ali. Abri o meu coração, revelei o que escondia durante todo esse tempo, e mesmo assim PG não quis ouvir. Então, que assim seja. Ele não me quer em sua vida, preferiu inventar algo que nunca existiu unicamente para justificar a sua decisão de me virar as costas? Que seja. Está doendo. Não vou mentir. Dói muito a rejeição de quem amamos, e principalmente, a forma como tudo aconteceu. Mas eu vou sobreviver a mais esse golpe da vida, e logo as coisas tomarão o seu destino certo. Me recomponho. Enquanto enxugava as lágrimas do meu rosto, Filipe continua me observando, seu olhar é terno, mas silencioso, ele respeita o meu espaço, e isso é o que eu mais admiro nele. Decidida a seguir o meu caminho, envergonhada pela cena patética que ele presenciou, digo sem olhá-lo:— Vou embora. Não tenho mais nada a fazer nesse lugar. Ele dá passos em minha direção, segura a minha mão e carinhosamente disse:— E
PGNão sei há quanto tempo estou atrás desse volante, dirigindo feito um louco. A única certeza que tenho é que a imagem daquele maluco segurando a mão da Alice e olhando pra ela daquele jeito meloso não vai sair tão cedo da minha cabeça.Sinto ciúmes. Confesso. Mas, ao mesmo tempo, sinto ódio, raiva e um desespero que nunca experimentei na vida. Sempre fui um vida loka que não se importava com nada além de mim mesmo. Se tem uma coisa que priorizo, é a minha liberdade. Mas só hoje percebo que posso ter sido tudo nessa vida, menos um cara livre.Minha vida está toda amarrada no tráfico e na ganância pelo poder. Quanto mais eu tenho, mais eu quero ter. E penso que isso sim é viver, que felicidade significa ser o chefe, o manda-chuva, o cara acima de todos, aquele que dá uma ordem e vê sendo cumprida.Mas depois de ver Alice sorrindo ontem ao lado daquele mauricinho e, hoje, da mesma maneira com aquele doutor, minha ficha cai. Minha alegria está nela, e, se não a tenho ao meu lado, nada
PGNocaute troca um olhar rápido com Damares e depois volta a me encarar, já sacando que eu não tô de brincadeira.— Eu vou contigo. — Nocaute afirma.— Eu também vou. — Damares vai logo entrando no carro. — Não. Vocês não vão. — Minha voz sai firme. — Isso é entre ela e eu.— Vai se foder, PG! Se Alice sumiu, o buraco é mais embaixo. Tu acha que vai resolver essa merda sozinho? — Nocaute fala puto da vida. — E sem falar no papo que nós vamos desenrolar sobre quem te ajudou nessa porra toda. — desvio o olhar, porque já sabia que enquanto eu não dissesse toda a verdade, Nocaute não sossegaria. Inferno!— Está louco se pensa que depois de tudo o que você fez eu vou deixar a minha amiga sozinha contigo — Damares fala soltando fumaça pelas ventas. — Nunca! — ela esbraveja.— Tenho opção de escolha? — falo já com a mão na chave do carro.— Não! — ambos respondem ao mesmo tempo.E eu fico em silêncio, já chega de confusão por hoje. Eu já tô quase arrancando com o carro quando Damares se
Alice O sábado foi conturbado, para ser sincera, um verdadeiro desastre. Já o domingo amanhece bem, mas num piscar de olhos se torna uma catástrofe. Imagino que o fim de semana tenha terminado no exato momento em que PG me deixa para trás, mas, novamente, tudo muda quando descubro o que Filipe tem para me dizer. Ainda não temos a certeza do nosso parentesco biologicamente falando, mas, no coração, já o considero parte da minha família, e afirmo que com ele acontece o mesmo. Permanecemos um longo tempo de frente para o lago. Conversamos bastante, conto um pouco da minha vida, tanto as boas coisas quanto as más recordações, e, muito orgulhosa, falo sobre o amor que sinto pelo magistério. Mas, quando menciono tudo o que sofri nas mãos de Filadélfio, ele se sente culpado. Logo o convenço de que ninguém tem culpa de absolutamente nada, nem mesmo minha mãe, até porque, como ela saberia o mau caráter que aquele sujeito era e as barbaridades que ele poderia cometer? Sempre procuro tira
Alice O silêncio entre nós dura alguns instantes, até Filipe decidir soltar mais um segredo em minhas mãos. — Eu me relacionava com uma pessoa durante um longo tempo antes de conhecer sua mãe. Éramos noivos, mas terminei tudo quando a vi e, consequentemente, me apaixonei por ela. Minha voz desaparece. Eu não esperava ouvir algo assim. — Eu... Eu... Não sei o que dizer. — Minha voz sai quase num sussurro. — Não precisa dizer nada. Eu desconfiava que você reagiria assim. — Como sempre, Filipe é compreensivo comigo. Parece que ele sempre tem a palavra certa a dizer em todos os momentos. — Desculpe. — É só isso que consigo falar antes de desviar o olhar para uma criança que brinca próxima ao lago. — Não tem por que se desculpar, Alice. A vida muitas vezes nos traz surpresas, e conhecer sua mãe foi o melhor que aconteceu na minha vida — ele diz emocionado. — É bonito ver o amor que ainda sente por minha mãe. — Minha voz embarga, e meus olhos marejam. É um amor como esse qu