▪︎Capítulo 2▪︎

Theodoro odiava atrasos. Para ele, pessoas que não cumpriam horários não mereciam confiança. Nos seus negócios, não tolerava um segundo de atraso. Ou chegava na hora marcada ou não lhe encontraria. Se acontecesse um erro sequer, ele estava fora.

Mas, nesse momento, estava tolerando esse atraso, porque se tratava do seu melhor amigo. Murilo nunca conseguiu seguir um mísero horário. Em todos os encontros deles, Theodoro se preparava para esperar muito, mas desconfiava seriamente que o amigo fazia isso só para lhe irritar.

Quando começou a cogitar ir embora, o amigo apareceu no restaurante. Estava todo desgrenhando e com o semblante tenso. Alguma coisa grave tinha acontecido.

— Já não era sem tempo. – Theodoro não se abalou em cumprimentá-lo, estava irritado demais para isso

— Não começa, Théo, eu tive um problema.

— Sempre tem, Murilo, você adora inventar uma história para encobrir as suas merdas. – Ele fez sinal para o garçom trazer outro uísque

Estava tão tenso, que precisava relaxar com uma bebida.

— Dessa vez é verdade. – Murilo se acomodou na frente do amigo. – Cara, acabei de descobrir com o meu advogado que um empresário que conheço deu um golpe na esposa. Ele conseguiu uma procuração da pobrezinha e vendeu todos os bens deles. Não deixou nada para ela, a

não ser as roupas. Todo o resto ele tirou da coitada.

Theodoro ergueu a sobrancelha ao ouvir essa história. Não acreditava que a mulher fosse tão burra a ponto de passar uma procuração para o marido dando plenos poderes para que ele vendesse todos os seus bens.

— E o que isso te atinge? Se ela é uma dessas mulheres burras que não enxergam nada além do Botox, você não tem culpa. Tenho certeza que em breve ela arruma outro marido rico e consegue tudo de novo. – Ele bebeu uma generosa dose do seu uísque e sentiu o calor da bebida descer pela sua garganta

— Ele vendeu a casa dos pais dela, e eles também estão na rua. – Murilo ainda se recusava a acreditar que o babaca do Joaquim traiu uma mulher especial como Suzana. – Théo, eu estive com eles há um mês, e o cara babava pela mulher, eu não estou entendendo nada.

— Ela não deveria estar correspondendo às expectativas dele. – Sem paciência para o assunto, Theodoro olhou o cardápio para saber o que iria escolher.

— Eles estavam casados há quatro anos, não acha que é tempo demais para ele não saber quais expectativas a mulher poderia não corresponder?

— Porra! — Theodoro se irritou profundamente em ter que ouvir fofoca. — Não conheço o casal, não me importo com os problemas deles e não quero saber se ela está na rua. Simplesmente não me importo com nada disso.

O amigo o encarou, perplexo. Às vezes, Murilo desconhecia o amigo que convivia desde a escola. Tudo bem que ele sabia que Theodoro não gostava de saber da vida dos outros, mas, dessa vez, era uma história importante.

— Você não tem coração?

— Tenho e está ótimo, fiz check-up há dois meses. O médico disse que tenho coração de atleta... para ser mais preciso, um coração de leão, como ele mesmo insinuou.

— Vai começar com suas ironias? Odeio seu humor ácido.

— Se você parar de falar asneiras, posso ser mais cordial amigo.

— Theodoro,, eu estou dividindo com você o drama de uma bela mulher que está na rua. Você deveria ficar consternado com a situação dela.

— Agora sim, tudo está explicado, você quer comer a pobre sem-teto. Entendi tudo, meu caro, eu ando com o raciocínio lento nos últimos tempos. Sorry!

— Quanta deselegância. Você é um merda, na boa, não se fala assim de uma dama.

Agora Murilo pegou pesado, o que fez com que Theodoro jogasse a cabeça para trás e soltasse uma estrondosa gargalhada, sem se importar com as pessoas ao seu redor.

Essa piada do amigo foi ótima e merecia uma boa risada.

— Falou o rei da noite do Rio. – Ele se inclinou sobre a mesa e estreitou os olhos para Murilo enquanto sussurrava. – Você é tão cordial assim com as putas que gerencia? Importa-se com o coração delas ou só pensa no dinheiro que elas trazem para você?

Ouvir Murilo falar em "dama" foi demais para Theodoro. O cara tinha uma agência clandestina de acompanhantes de luxo, e queria chamar uma mulher idiota de "dama". Realmente era uma grande piada.

— Vai se foder. – Murilo olhou para os lados, incomodado. – Você sabe que não gosto de falar desses assuntos em público. – Claro que ele não gostava, ninguém do meio social deles sabia dos negócios escusos de Murilo.

— Ninguém ouviu, relaxa, mas pare de bancar o bom rapaz, nós dois sabemos que você é o vilão da história.

— Eu não engano as mulheres, elas vão à minha procura sabendo o que posso oferecer. Sou um homem de negócios como você.

— Sei... – Theodoro escolheu o seu pedido e fez sinal para o garçom se aproximar. – A única diferença é que não tenho uma empresa de fachada para camuflar meu real negócio.

— Vamos entrar nessa discussão novamente? Eu faço isso há anos, e você sabe disso.

Sem mais conversa, Theodoro fez o seu pedido.

— Você vai querer o quê?

— O mesmo que você – Murilo respondeu, irritado, e com toda a tranquilidade do mundo, seu amigo fez outro pedido e dispensou o garçom.

— Estou com muita fome, não tomei o desjejum hoje. – Theodoro olhou o celular, viu que mil mensagens tinham chegado e percebeu que as pessoas pareciam não parar nem por um minuto

— Você é tão antiquado, fica falando nesse linguajar refinado. – Murilo fez uma careta. – Você está comigo, não com aquele conselho de velhos babões que administra.

— E você é um chato. Eu falo como quiser, o meu dinheiro me permite falar até em latim.

— Cala a boca! – Irritado, Murilo chutou a canela de Theodoro por baixo da mesa

A prepotência do amigo era algo que o tirava do sério.

– Preciso encontrar uma maneira de ser solidário com a nova solteira da praça. Eu sempre tive tesão pela mulher do Joaquim e quero muito me aproximar dela. Juro que dou casa, comida e roupa lavada para aquela mulher, ela é muito gostosa, cara. No meu cardápio de meninas, não tem nenhuma que chegue aos pés dela. Se você a visse, ficaria completamente louco.

Era cansativo para Theodoro ouvi-lo dizer que toda mulher que sentia tesão era a mais linda do mundo. Às vezes, Theodoro desconfiava que o amigo possuía problemas mentais, porque isso não era normal.

— Vamos mudar de assunto? Eu estou pensando em passarmos um final de semana em Angra. Só andei três vezes no meu iate novo, quero dar mais utilidade para ele.

— Quer que eu arrume umas meninas para enfeitálo? Posso te passar o meu cardápio.

— Engraçadinho! Você trata as mulheres como se fosse alimentos de um restaurante barato. – Theodoro fez deboche da proposta do amigo – O inferno vai congelar no dia em que eu pagar uma mulher para ficar ao meu lado. Pode deixar que convido umas meninas, terei quantas mulheres eu quiser à minha disposição e melhor... de graça.

— Você é quem sabe, a oferta ainda está de pé. Agora me conte sobre o fora que a Pâmela te deu, estou curioso.

Theodoro ignorou a felicidade na voz do Murilo e contou o seu problema. Nesse momento, se sentia puto por ter sido deixado por Pâmela, e apenas o amigo iria entender o que estava sentindo.

*****

Horas depois...

No Escritório

— Nós só faremos negócios se eles ajustarem os prazos. Não vou esperar tanto tempo para ter essas mercadorias.

— Eles alegam que a matéria-prima está cara e precisam buscar em um lugar mais distante, e isso está aumentando os prazos.

— O que isso me importa? – Alfredo viu o patrão abrir os braços, pouco ligando para a situação. – Não me importa o que farão, se eles não conseguirem respeitar o prazo que pedi, eu arrumo quem faça. Agora vá, Alfredo, não quero mais falar desse assunto.

O funcionário bufou, mas não se atreveu a discutir com o patrão, sabia que seria uma batalha perdida, seu chefe não perderia seu tempo com gente incompetente.

Theodoro não precisava deles, então não tinha motivo para se preocupar com nada.

— Posso entrar, Theodoro? – Rodolfo apareceu em sua porta, querendo entrar.

— Claro que sim, aconteceu algo no jurídico?

— Não, fique tranquilo. – Rodolfo sentou-se na frente do patrão. – Quero avisar que o contrato com a cooperativa do Pará está certo, pode fechar o negócio.

— Que notícia maravilhosa. Estava ansioso para tê-los como fornecedores, o material deles é de excelente qualidade por um preço incrível.

— Sabe que tenho curiosidade de descobrir como você encontra essas coisas?

— Sou um homem atento, nada além disso.

— Atento não define nem a metade da sua esperteza.

— Obrigado! – O sorriso de Theodoro era de puro convencimento, e Rodolfo soltou uma risada descontraída para o patrão e amigo.

— Mudando de assunto, eu fiquei sabendo que um empresário de médio porte, aqui do Rio, deu o golpe na esposa. A Anália estava revoltada com essa situação, disse que se encontrasse a tal mulher, iria se oferecer para ser advogada dela de graça.

Theodoro se irritou com o assunto.

Será que as pessoas não conseguiam tomar conta da própria vida?

Ele odiava fofoca e gostava muito menos de entrar na vida alheia, para ele o que acontecesse com os outros não lhe interessava.

— Será que a Anália está com pouco trabalho? Acho que você poderia dobrar sua carga de processos, assim ela para de se preocupar com a vida dos outros.

Rodolfo ergueu as sobrancelhas, intrigado.

— Que bicho te mordeu? Você está mais azedo do que de costume.

A careta que Theodoro fez mostrou a Rodolfo que algo não ia bem, seu patrão não estava legal.

— É a segunda vez que ouço essa história hoje, não estou no clima de falar sobre uma mulher que nunca vi. Se ela foi idiota ao ponto de passar uma procuração para o marido, o problema é dela. Ninguém mandou ser burra. – Ele deu de ombros, pouco se importando, e lembrou que esse tipo de mulher só pensava no status e não se algo podia dar errado no futuro.

— Definitivamente tem algo acontecendo, você normalmente não seria tão desumano assim. Pelo o que ouvi falar, ela não sabe como ele conseguiu a procuração, a pobrezinha saiu apenas com as roupas.

— Pode ter certeza que essas roupas devem comprar uma casinha lá pelas bandas de Campo Grande. Com o tempo, ela arranja outro babaca para casar e recuperar o status.

Rodolfo arregalou os olhos e segurou ambos os braços da cadeira, de tanta surpresa do que ouviu.

— O que foi? Qual o motivo desse mau humor?

O suspiro de Theodoro saiu cansado quando ouviu a pergunta de Rodolfo.

— A Pâmela encontrou alguém, quer casar e me deu um pé na bunda. Você acredita nisso?

— Não! Mas ela parecia tão apaixonada.

— Ela estava apaixonada pela possibilidade de ser minha esposa, não por mim. — Theodoro sempre soube que a namorada era uma aproveitadora, mas, ainda assim, ficou chateado com a dispensa dela. — Quando ela percebeu que eu não iria casar, rapidamente arrumou um novo pretendente e conseguiu o seu casamento.

— Estou surpreso.

— Eu não, as mulheres são assim aproveitadoras e nada me surpreende.

— Nem todas são, a minha não é.

— Uma clara exceção à regra, você é um homem de sorte.

— Eu soube escolher, é diferente. – Rodolfo se levantou e fechou o seu terno. – Se você for mais seletivo, pode encontrar uma boa companheira, mas tente fugir desse seu padrão de modelo anoréxica e alienada que gosta. Busque uma mulher com conteúdo e belas curvas. Tenho certeza que você vai se surpreender.

— Vou lembrar disso.

Rodolfo sorriu e saiu da sala. Ele era um bom amigo, mas era um pouco retrógrado. Theodoro não queria uma mulher de conteúdo, não estava afim de ninguém falando no seu ouvido. Na verdade, ele gostava dessa superficialidade nos seus relacionamentos. Manter um namoro de verdade era cansativo, já que o seu tempo era corrido demais para isso. Ele não podia perder tempo com casos do coração. Isso era algo para um futuro distante, quando ele precisasse de um herdeiro. No momento, ainda tinha trinta e cinco anos e muito trabalho a fazer para perder tempo com distrações como mulheres e seus chiliques.

Continua...

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