Durante o trajeto, evitou olhar vitrines ou encarar os rostos alheios. Era como se todo o cenário ao redor estivesse congelado no tempo, enquanto ela era a única coisa em movimento. Uma mulher empurrava um carrinho de bebê no canto da calçada. Um casal trocava beijos sob um guarda-chuva transparente. Tudo parecia parte de um mundo paralelo. Elana desceu as escadas do metrô devagar, como quem queria que o tempo esticasse só mais um pouco. O som metálico dos trilhos ao longe ecoava nas paredes, misturado ao murmúrio de poucos passageiros matinais. A cidade ainda despertava. O trem chegou com seu sopro quente e barulhento. Elana entrou e escolheu um assento próximo à janela. Deixou a cabeça repousar contra o vidro gelado, observando os túneis escuros cortarem o subsolo como veias da cidade. Durante o trajeto, pensou em tudo que poderia acontecer. Em tudo que não queria que acontecesse. A estação onde deveria descer chegou mais rápido do que gostaria. Levantou-se, ajeitou o cachecol em
Elana franziu levemente a testa, inclinando a cabeça para o lado. — Não entendi. Você achou o quê? Que o livro é sobre você? A voz dela saiu leve, quase casual, mas ele percebeu o sutil endurecimento nos ombros, como se estivesse se preparando para o impacto. Gabriel não respondeu de imediato. Apenas segurou a manga da própria blusa e a ergueu devagar, revelando a pequena tatuagem de estrela no pulso. Elana prendeu o fôlego por um instante. Os olhos dela desceram até a tatuagem e depois voltaram ao rosto dele, mas agora sem a mesma segurança de antes. — Você tatuou... — murmurou, quase inaudível. Gabriel assentiu, os olhos fixos nos dela. — Não lembro exatamente quando foi, mas... As palavras morreram na garganta quando Elana, sem desviar o olhar, começou a desfazer lentamente os botões da blusa. Ele piscou, confuso por um instante, até perceber o que ela fazia. A blusa se abriu, revelando o sutiã bege e, logo acima dele, no lado esquerdo do peito, bem sobre o coração... a mes
Gabriel sustentou o olhar de Elana por mais alguns segundos, como se ainda procurasse alguma rachadura na parede que ela acabara de levantar entre eles. Mas não encontrou nada além da firmeza bem treinada de uma escritora que sabia exatamente o que não queria dizer. Ele expirou devagar, baixando os ombros num gesto quase imperceptível. Quando falou novamente, a mudança era clara; o calor havia se recolhido, dando lugar ao tom controlado de um editor experiente. — Tudo bem. — disse, com um aceno breve. — Então vamos tratar como o que é. Um bom livro de ficção. Elana manteve a expressão neutra, mas o olhar dela o acompanhou enquanto ele dava a volta na mesa e se sentava na cadeira giratória, assumindo o comando da sala como quem veste uma armadura. — Pode se sentar. — ele indicou a cadeira diante dele, sem mais floreios. Ela hesitou por um instante, mas obedeceu. Cruzou as pernas com elegância, e então repousou as mãos sobre o colo. — Bem... quanto tempo precisa para finalizar o l
O vagão balançava suavemente enquanto o metrô avançava pelos túneis subterrâneos da cidade. Elana estava sentada junto à janela, o celular colado ao ouvido. A cidade corria lá fora, mas ela ainda estava presa na sala da editora, onde memórias mal resolvidas e contratos milionários se cruzavam como linhas soltas de um texto inacabado. — Como assim o Gabriel? — a voz de Isabella soou do outro lado da linha, incrédula — Ele ainda cuidou de você doente? — O próprio. Com sobrenome e tudo. — Elana respondeu, com um meio sorriso cansado. — Mas… como assim? Você teve uma reunião com Gabriel e nem me contou que tinha um manuscrito, criatura? Eu sou sua melhor amiga! Eu devia ter lido isso antes de qualquer editor desse planeta! Elana riu baixinho, tentando não atrair a atenção das pessoas ao redor. — Foi tudo muito rápido, Isa. Eu escrevi dez capítulos em uma única madrugada, sem pausa. Me arrumei e fui até a editora, para dar o manuscrito para ele. E foi aí, que eu conheci a MULHER dele!
Ela engoliu em seco e entrou com o pacote nos braços, trancando a porta atrás de si com mãos ligeiramente trêmulas. Largou a bolsa no chão e foi direto para a mesa da cozinha, onde pousou a caixa com cuidado. Ficou olhando por alguns segundos, tentando entender o que exatamente estava sentindo. Com delicadeza, desfez o laço de barbante e puxou o papel pardo, revelando uma caixa de sapatos antiga, daquelas que a mãe costumava guardar cartas, fotografias e recortes de jornal. Dentro, havia um envelope com seu nome escrito à mão, seguido de um empacotamento apertado de cédulas dobradas; notas de cem, cinquenta, vinte. Elana arregalou os olhos. Havia maços de dinheiro ali. Muitos. Ela não sabia quanto, mas era mais do que poderia contar de uma vez. Tirou o envelope com o próprio nome, abrindo-o com mãos que já não disfarçavam o tremor. No interior, uma carta, escrita com a mesma letra que a fez chorar nas tarefas da escola, quando a mãe a ajudava a copiar. “Minha querida Elana, Se voc
Alguns dias se passaram desde que Elana entregou o manuscrito para Gabriel e eles decidiram, oficialmente, trabalhar juntos. O silêncio que pairava desde então não era incômodo; pelo contrário, era necessário. No dia seguinte à reunião, o adiantamento prometido caiu em sua conta. Elana ficou encarando a notificação no celular por longos minutos, sem conseguir se mover. Cem mil dólares. A soma parecia grande demais para ela, para a garota que cresceu com medo de pedir um sorvete no meio da rua, porque sabia que seus pais nadavam em dívidas. Ela transferiu uma parte para uma conta separada, pagou algumas dívidas pequenas e ainda assim, a maior parte do valor continuava lá. Intocado. Como se ainda não fosse real. Enquanto isso, o dinheiro que Eilen deixara na caixa de sapatos também continuava guardado, envolto no mesmo papel pardo e com a carta repousando sobre ele. Elana ainda não tinha coragem de usar nada daquilo. Era como se mexer naquela quantia fosse apagar o último - talvez p
Elana olhou em volta, desesperada por uma rota de fuga, qualquer coisa que a livrasse daquela situação. Seus olhos pararam na mesa ao lado, onde um homem de barba por fazer e olhos curiosos tomava um espresso e rabiscava em um caderno de anotações. Sem pensar duas vezes, inclinou-se na direção dele e sussurrou: — Me desculpa... você pode fingir que está conversando comigo? É meio urgente. O homem ergueu os olhos, surpreso, mas pareceu captar a gravidade do pedido rapidamente. — Ex-namorado, ex-chefe ou alguém que você deve dinheiro? — Esposa do editor que vai publicar meu livro. — ela respondeu rápido. — E... é complicado. Muito complicado. Ele sorriu com o canto da boca e fechou o caderno. — Então vamos improvisar. Curvou-se na direção dela e apontou para a tela do laptop, como se estivessem analisando algo juntos. Elana forçou um sorriso e começou a balbuciar qualquer coisa, torcendo para que Giana passasse reto. Mas aquilo não aconteceu. Giana não só não passou reto, como
A tentativa de leveza funcionou o suficiente para quebrar o gelo por alguns segundos. Giana soltou uma risada curta. — Então vocês dois estão... trabalhando — ela reforçou, voltando os olhos para Elana com um brilho provocador. — E o Gabriel, será que já sabe dessa parceria? Elana manteve o sorriso. — Gabriel está ciente de tudo que precisa estar. Giana apertou levemente os lábios, sem saber se aquilo era um elogio ou uma cutucada. Talvez fosse ambos. — Claro. — respondeu, olhando uma última vez para Ryan. — Bem, não vamos interromper mais. Lara odeia perder tempo na fila e eu... odeio perder paciência. Bom dia para vocês. As duas se afastaram em passos elegantes. Mas antes de cruzar a porta, Lara virou o rosto por um segundo e os olhos que encontrou os de Elana, pareciam dizer o que a boca jamais ousaria. Quando a porta se fechou atrás delas, Ryan virou-se com uma expressão que misturava espanto e diversão. — Se isso é só o começo da sua história, mal posso esperar pelo clíma