Antes que pudesse terminar a frase, um ataque de tosse a atingiu com força, fazendo-a se inclinar para frente, sufocada. Gabriel se aproximou dela rapidamente e a segurou, colocando a mão em sua testa. — Você está queimando em febre. — ele informa. Sem forças para afastá-lo, Elana apenas balançou a cabeça, exausta. Gabriel a guiou com cuidado até o sofá, ajudando-a a se deitar. Seu toque era firme, mas gentil, e por mais que quisesse protestar, ela simplesmente não tinha energia para isso. Ele ajeitou uma almofada atrás da cabeça dela e então se levantou. — Onde você guarda os cobertores? Elana fechou os olhos por um instante, sentindo a febre nublar seus pensamentos. — Você conhece o caminho do meu quarto. — murmurou, rouca. Gabriel hesitou por um segundo, como se estivesse ponderando algo, mas logo seguiu escada acima, sem dizer nada. Quando Gabriel entrou no quarto de Elana, foi como se tivesse voltado no tempo. Tudo estava praticamente igual. As paredes ainda eram cobert
Ela piscou, surpresa. — Espera… o quê? Gabriel cruzou os braços, inclinando-se um pouco para frente. — A editora. Buzzy. Eu sou o fundador. Elana abriu a boca para responder, mas nada saiu. Seu cérebro febril tentava processar aquela informação. — Você… você é o dono da editora que queria publicar meu livro? — Ainda quero. Ela piscou, sentindo a confusão se misturar com a febre. — Mas… por quê? Gabriel soltou um suspiro e apoiou os cotovelos nos joelhos, observando-a com intensidade. — Porque você é uma escritora incrível, Elana. Porque eu li cada palavra e vi você em cada linha. E porque eu sempre acreditei em você, mesmo quando você não acreditava em si mesma. O coração dela bateu mais forte, e não tinha nada a ver com a febre. — Pelo que me lembro, seu sonho era ser médico. — Era. — ele dá de ombros. — Mas eu descobri que não posso lidar com sangue. Então eu me afundei em empréstimos, aluguei um andar naquele prédio chique e comecei. Deu certo. Elana o encarou por um
Gabriel passou a mão pelo rosto, soltando um longo suspiro. Deveria ir embora. Já tinha feito sua parte, garantido que ela estava bem. Mas algo o mantinha ali, imóvel, como se qualquer movimento pudesse quebrar o frágil momento de paz que se instalara entre eles. Apoiando os cotovelos nos joelhos, ele desviou o olhar para a janela. A chuva fina batia no vidro, e o cheiro de terra molhada invadia o ambiente. Era estranho como estar ali, naquela sala, ao lado dela, fazia tudo parecer menos complicado. Se fechasse os olhos, poderia fingir, ainda que por um instante, que nada tinha mudado. Que eles ainda eram Gabriel e Elana, dois amigos inseparáveis. Mas a aliança fria em seu dedo era um lembrete cruel de que ele não era mais um menino. Ele passou a língua pelos lábios, inquieto, e olhou para Elana novamente. O peito subiu e desceu em um ritmo tranquilo, a febre parecia estar cedendo. Pelo menos isso. Gabriel soltou um suspiro pesado, forçando-se a levantar. Era hora de ir. [...]
Quando os primeiros raios de sol bateram na janela de Elana, ela ainda estava digitando. Os olhos ardiam, os dedos estavam cansados, mas a mente… a mente estava acesa como não ficava havia muito tempo. Ela parou por um instante, leu os últimos parágrafos e sorriu. Um sorriso pequeno, mas cheio de algo que há muito não sentia: orgulho. Imprimiu os primeiros capítulos, com o coração acelerado a cada folha que saía da impressora. Papel após papel, sua história tomava forma. Sua verdade ganhava espaço. Sem perder tempo, foi para o chuveiro. A água quente levou embora o resto da febre, o peso da indecisão e os fantasmas da noite anterior. Em frente ao espelho, maquiou-se com leveza, como se pintasse uma nova versão de si mesma. Escolheu sua melhor roupa — aquela que a fazia sentir poderosa — e calçou os sapatos com um brilho nos olhos. Elana conferiu os papéis mais uma vez, prendendo os primeiros capítulos impressos com um clipe dourado. Guardou tudo na pasta que costumava usar quando
— É... essa é a ideia — respondeu, quase num sussurro, tentando acompanhar o ritmo animado de Giana enquanto o elevador subia. — Isso é maravilhoso! — Giana comemorou, apertando o braço de Elana com empolgação. — Eu sabia que você era especial. Aquele texto... foi como se você tivesse escrito com o coração na minha frente. Até chorei, acredita? Elana assentiu, sem saber o que responder. Ela não podia simplesmente dizer a Giana, que as cartas que ela gostou de ler, foram escritas para o marido dela quando ele ainda era um adolescente. Giana continuava falando, envolta em sua empolgação contagiante, sem notar o nó que se formava no estômago de Elana. — Quando mostrei para o Gabriel, ele ficou em silêncio por um tempão, sabia? Depois saiu andando pela casa com aquela cara de quem tá pensando demais. Eu achei que ele estava só tocado com a história... — ela riu baixinho. — Mas agora entendo. Ele devia estar tentando encontrar um jeito de te chamar, né? Elana sorriu sem mostrar os den
Gabriel desviou o olhar de Giana, voltando a encarar Elana, como se procurasse algo além da superfície. Ela sustentou o olhar, mas por dentro tudo parecia girar. O escritório grande, os móveis modernos, a parede cheia de prêmios; nada daquilo parecia tão opressor quanto os olhos dele naquele instante. — Podemos conversar… a sós? — ele perguntou, com um tom calmo, voltado para Giana. Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa. — Ué, por quê? Eu a descobri, quero participar. Gabriel sorriu com gentileza, mas seus olhos denunciavam a tensão que começava a se formar. — Eu sei, Gi. E sou grato por isso. Mas agora é uma conversa editorial, de detalhes… burocráticos — improvisou, passando a mão pela nuca, tentando disfarçar o incômodo. — Prometo que te atualizo de tudo depois, cada vírgula. Giana cruzou os braços, avaliando a situação por um segundo. Elana manteve-se imóvel, tentando não parecer desconfortável, embora cada célula de seu corpo gritasse por fuga. — Está bem. — Giana cedeu com
O risoto no prato de Gabriel já esfriava quando Giana começou a contar, pela terceira vez naquela semana, sobre a nova assistente da clínica de estética que havia aberto no térreo do prédio comercial. — …e aí ela me disse que prefere trabalhar de fones porque o salão da frente toca muita música sertaneja. Você acredita? Em pleno 2025 e as pessoas ainda brigando por gosto musical — comentou, dando uma risadinha antes de beber um gole do vinho branco que ela mesma havia escolhido. Gabriel assentiu, mas seus olhos estavam fixos em um ponto qualquer da toalha de linho. Mexia distraidamente o garfo no prato, como se o arroz pudesse lhe responder alguma coisa. — Você está quieto hoje. — Giana notou, apoiando o queixo na mão e observando o marido. — Muito pensativo. É por causa da Elana? A forma como ela disse o nome, leve demais, como quem fala de uma conhecida distante, fez um incômodo subir pelo estômago dele. Gabriel ergueu os olhos para a esposa, tentando encontrar algum sinal de ci
Gabriel arrastou a cadeira e se levantou devagar, sem encarar Giana outra vez. — Vou para o escritório. Quero ficar sozinho. — Gabriel… — Giana, por favor. — interrompeu, já caminhando em direção ao corredor. — Só… me dá essa noite. É o mínimo. Ela não respondeu. Apenas ficou ali, à mesa, olhando para o lugar vazio onde ele estivera segundos antes. O som dos passos dele ecoou até o clique suave da porta se fechar. O escritório era o único cômodo da casa que ainda carregava o cheiro original da madeira. Gabriel acendeu apenas a luminária da mesa, deixando o restante do ambiente mergulhado em penumbra. Fechou a porta com cuidado e se recostou por um instante na madeira fria, respirando fundo como quem tenta afastar um pensamento antes que ele se transforme em ação. A pasta estava ali, sobre a mesa. Onde ele mesmo a deixara horas antes, como se tivesse medo de encostar. Como se tocar nas páginas fosse o mesmo que voltar quinze anos no tempo. Sentou-se, devagar. Passou os dedos pel