O táxi parou em frente ao hotel pouco depois das oito da noite. Ainda estava quente, mesmo com o céu escurecendo, e as luzes da cidade começavam a refletir nos vidros do prédio de forma quase hipnótica. O calor, no entanto, brigava vorazmente com a maresia, nós quase tínhamos ficado pela estrada para ver o mar.O lugar era mais luxuoso do que eu esperava — mármore no saguão, funcionários impecáveis, um cheiro sutil de flores e algo amadeirado no ar-condicionado.Matheus pegou as chaves na recepção com a naturalidade de quem já tinha feito aquilo dezenas de vezes, e só então notei que haviam reservado quartos separados. Um alívio e uma decepção se misturaram dentro de mim, confusos e incômodos. Eu não sabia o que esperava. Mas uma parte de mim queria continuar a proximidade do avião, aquele espaço entre nós onde tudo parecia mais simples.— A gente tem reunião com o cliente amanhã às dez — ele disse, entregando meu cartão de acesso. — Mas até lá, o tempo é nosso.Nosso.Fiquei com aqui
Bati na porta duas vezes antes de perceber que já estava aberta.Matheus estava encostado no batente, como se já estivesse esperando. Usava uma camiseta cinza simples e uma calça de moletom escura, os pés descalços no carpete. O cabelo ainda um pouco bagunçado do voo, e os olhos… os olhos diziam muito mais do que qualquer palavra que ele pudesse escolher.— Oi — murmurei, sentindo meu coração dar aquele salto idiota no peito.Ele sorriu, meio torto, meio cansado.— Você demorou.— Tava tentando decidir se era uma boa ideia.— E concluiu que é?— Ainda não sei.Ele riu, baixinho, e abriu a porta de vez.— Entra. Prometo não te morder. Revirei os olhos, mas entrei.O quarto dele era praticamente igual ao meu, mas com uma energia diferente. Havia um livro aberto sobre a cama, uma garrafa de água pela metade na mesinha e a mala dele ainda fechada, jogada num canto. Matheus fechou a porta atrás de mim e, por um segundo, ficamos em silêncio.Ele encostou as costas na parede, cruzando os br
A areia ainda estava morna sob os pés, resquício do calor que o sol deixara para trás. O mar sussurrava num vai e vem constante, e a brisa salgada envolvia a pele como um abraço antigo. A praia estava quase deserta. Só as estrelas e o som da água faziam companhia.Matheus caminhava ao meu lado em silêncio, as mãos nos bolsos e um sorriso contido nos lábios, como se estivesse tentando não parecer empolgado demais. Às vezes olhava pra mim de relance, como se quisesse dizer alguma coisa, mas hesitava.— Não sabia que você era do tipo que gosta de praia — comentei, mais pra quebrar o silêncio do que por curiosidade.— Não sou muito — ele respondeu. — Mas com você é diferente.Fiquei em silêncio. Não sabia exatamente como responder.Ele continuou:— Acho que tô tentando construir memórias boas em lugares que antes me faziam sentir vazio. Como se você fosse uma espécie de... redenção.Aquilo me pegou de surpresa. De novo, ele parecia estar abrindo o peito só o suficiente pra mostrar o que t
O caminho de volta para o hotel foi silencioso, mas não desconfortável. Nossas mãos continuavam entrelaçadas, e eu sentia o calor da pele dele contra a minha como se fosse uma extensão do que começava a ferver por dentro. A conversa na areia ainda vibrava em mim, como se tivesse aberto uma porta que eu nem sabia que mantinha trancada.Quando entramos no elevador, Matheus encostou-se na parede de espelhos e me puxou suavemente para perto. Não disse nada — apenas passou os dedos pelos meus cabelos, afastando uma mecha do meu rosto. O gesto foi tão delicado que me deu vontade de chorar.A porta se abriu, e ele me seguiu até o quarto como se aquilo já tivesse sido decidido entre nós, mesmo sem palavras. Quando fechei a porta atrás de nós, o silêncio mudou. Não era mais leve. Era denso. Elétrico.Ficamos nos encarando por alguns segundos. O ar parecia espesso. E quando ele deu um passo na minha direção, eu não recuei.Matheus parou bem perto, o olhar preso ao meu.— Se eu fizer qualquer co
Terminamos o café com os pratos espalhados pela cama. Matheus parecia mais calmo agora, como se aquele tempo juntos tivesse ajudado a suavizar a energia que o tomava mais cedo.Ele passou os dedos pelos meus cabelos enquanto falava sobre uma ideia nova de projeto, algo que tinha pensado durante a madrugada — ou sonhado, ele não sabia dizer. Eu apenas sorria, deixando ele falar, deixando ele ser.Então, de repente, ele parou.O olhar perdido por um instante. O corpo um pouco mais tenso. Como se algo dentro dele tivesse mudado de direção.— Julia... — disse, quase num sussurro, os olhos presos nos meus. — Eu preciso te contar uma coisa.Sentei mais ereta, sem dizer nada, esperando. O coração deu uma leve acelerada, mas não por medo — e sim por saber que, fosse o que fosse, seria importante.Ele hesitou, o maxilar contraído, como se estivesse tentando encontrar a forma certa. Mas as palavras pareciam não vir. Ou talvez fossem muitas.— É que às vezes eu... — começou, depois parou, passan
A reunião tinha terminado. As formalidades cumpridas, os sorrisos ensaiados entregues. A fachada estava intacta, mas eu conseguia sentir a exaustão sob a pele — não só minha, mas a dele também.Voltamos para o quarto em silêncio, e assim que a porta se fechou atrás de nós, Matheus largou a mochila no sofá com força e foi direto para a varanda. Fiquei observando da porta do quarto por alguns instantes, sem saber se devia segui-lo ou dar espaço. O céu estava escurecendo lá fora, o mar tingido por tons de laranja e cinza. Ele se apoiou no parapeito, os ombros tensos.Peguei duas garrafas de água no frigobar e fui até ele.— Quer uma?Ele aceitou sem dizer nada, bebendo como se estivesse tentando lavar algo por dentro. Depois me olhou. E havia alguma coisa ali — algo que não era dor nem raiva exatamente. Era... cansaço. Um tipo de cansaço que parecia maior que o corpo dele.— Eu odeio essa cidade — ele disse de repente, com a voz baixa. — Odeio essa porra toda — me assustei, apesar de não
Acordei com os dedos de Matheus traçando desenhos distraídos no meu braço. Ainda estávamos enroscados, como se nossos corpos tivessem encontrado uma forma nova de se encaixar durante a noite. Ele me olhava com um sorriso calmo, mas os olhos... os olhos diziam outra coisa. Como se estivessem buscando algo em mim. Confirmação. Equilíbrio. Um lugar seguro.— Dormiu bem? — ele perguntou, a voz rouca de sono.Assenti, me esticando com preguiça.— Melhor do que em meses. E você?— Ainda tô tentando acreditar que você é real.Sorri, mas meu coração apertou um pouco. Era lindo, mas também… intenso. Tinha algo no jeito como ele me tocava e me olhava que oscilava entre a doçura e uma urgência que eu não sabia nomear. Uma parte de mim queria mergulhar completamente nisso. Outra começava a ficar em alerta.Mas tentei me distrair, porque o sexo tinha sido dos sonhos, e nunca imaginei que poderia me sentir assim.Depois de um café da manhã lento no quarto, em que ele me alimentou com pedaços de fru
O retorno foi tenso. Matheus mal falou durante o voo. Seu corpo permanecia ao meu lado, mas a mente… estava longe. E eu sentia — em cada silêncio dele, em cada movimento brusco — que algo grande nos esperava.Assim que chegamos à sede da empresa, fomos praticamente arrastados para a sala de reuniões do décimo andar. A luz fria do teto não ajudava com a sensação de claustrofobia, e o clima estava pesado, como se todos ali soubessem de algo que nós ainda não sabíamos por completo.Henrique já estava sentado à cabeceira da mesa, com aquele sorriso falso colado no rosto. Outros dois diretores financeiros estavam ao lado dele, com pastas abertas e olhares tensos demais para um fim de tarde qualquer.— Que bom que conseguiram voltar a tempo — Henrique disse, e sua voz escorria veneno disfarçado de cordialidade. — Precisamos esclarecer algumas... inconsistências nos relatórios das últimas semanas.Matheus apertou minha mão sob a mesa antes de soltar devagar. Era como se dissesse fica calma.