O caminho de volta para o hotel foi silencioso, mas não desconfortável. Nossas mãos continuavam entrelaçadas, e eu sentia o calor da pele dele contra a minha como se fosse uma extensão do que começava a ferver por dentro. A conversa na areia ainda vibrava em mim, como se tivesse aberto uma porta que eu nem sabia que mantinha trancada.Quando entramos no elevador, Matheus encostou-se na parede de espelhos e me puxou suavemente para perto. Não disse nada — apenas passou os dedos pelos meus cabelos, afastando uma mecha do meu rosto. O gesto foi tão delicado que me deu vontade de chorar.A porta se abriu, e ele me seguiu até o quarto como se aquilo já tivesse sido decidido entre nós, mesmo sem palavras. Quando fechei a porta atrás de nós, o silêncio mudou. Não era mais leve. Era denso. Elétrico.Ficamos nos encarando por alguns segundos. O ar parecia espesso. E quando ele deu um passo na minha direção, eu não recuei.Matheus parou bem perto, o olhar preso ao meu.— Se eu fizer qualquer co
Terminamos o café com os pratos espalhados pela cama. Matheus parecia mais calmo agora, como se aquele tempo juntos tivesse ajudado a suavizar a energia que o tomava mais cedo.Ele passou os dedos pelos meus cabelos enquanto falava sobre uma ideia nova de projeto, algo que tinha pensado durante a madrugada — ou sonhado, ele não sabia dizer. Eu apenas sorria, deixando ele falar, deixando ele ser.Então, de repente, ele parou.O olhar perdido por um instante. O corpo um pouco mais tenso. Como se algo dentro dele tivesse mudado de direção.— Julia... — disse, quase num sussurro, os olhos presos nos meus. — Eu preciso te contar uma coisa.Sentei mais ereta, sem dizer nada, esperando. O coração deu uma leve acelerada, mas não por medo — e sim por saber que, fosse o que fosse, seria importante.Ele hesitou, o maxilar contraído, como se estivesse tentando encontrar a forma certa. Mas as palavras pareciam não vir. Ou talvez fossem muitas.— É que às vezes eu... — começou, depois parou, passan
A reunião tinha terminado. As formalidades cumpridas, os sorrisos ensaiados entregues. A fachada estava intacta, mas eu conseguia sentir a exaustão sob a pele — não só minha, mas a dele também.Voltamos para o quarto em silêncio, e assim que a porta se fechou atrás de nós, Matheus largou a mochila no sofá com força e foi direto para a varanda. Fiquei observando da porta do quarto por alguns instantes, sem saber se devia segui-lo ou dar espaço. O céu estava escurecendo lá fora, o mar tingido por tons de laranja e cinza. Ele se apoiou no parapeito, os ombros tensos.Peguei duas garrafas de água no frigobar e fui até ele.— Quer uma?Ele aceitou sem dizer nada, bebendo como se estivesse tentando lavar algo por dentro. Depois me olhou. E havia alguma coisa ali — algo que não era dor nem raiva exatamente. Era... cansaço. Um tipo de cansaço que parecia maior que o corpo dele.— Eu odeio essa cidade — ele disse de repente, com a voz baixa. — Odeio essa porra toda — me assustei, apesar de não
Acordei com os dedos de Matheus traçando desenhos distraídos no meu braço. Ainda estávamos enroscados, como se nossos corpos tivessem encontrado uma forma nova de se encaixar durante a noite. Ele me olhava com um sorriso calmo, mas os olhos... os olhos diziam outra coisa. Como se estivessem buscando algo em mim. Confirmação. Equilíbrio. Um lugar seguro.— Dormiu bem? — ele perguntou, a voz rouca de sono.Assenti, me esticando com preguiça.— Melhor do que em meses. E você?— Ainda tô tentando acreditar que você é real.Sorri, mas meu coração apertou um pouco. Era lindo, mas também… intenso. Tinha algo no jeito como ele me tocava e me olhava que oscilava entre a doçura e uma urgência que eu não sabia nomear. Uma parte de mim queria mergulhar completamente nisso. Outra começava a ficar em alerta.Mas tentei me distrair, porque o sexo tinha sido dos sonhos, e nunca imaginei que poderia me sentir assim.Depois de um café da manhã lento no quarto, em que ele me alimentou com pedaços de fru
O retorno foi tenso. Matheus mal falou durante o voo. Seu corpo permanecia ao meu lado, mas a mente… estava longe. E eu sentia — em cada silêncio dele, em cada movimento brusco — que algo grande nos esperava.Assim que chegamos à sede da empresa, fomos praticamente arrastados para a sala de reuniões do décimo andar. A luz fria do teto não ajudava com a sensação de claustrofobia, e o clima estava pesado, como se todos ali soubessem de algo que nós ainda não sabíamos por completo.Henrique já estava sentado à cabeceira da mesa, com aquele sorriso falso colado no rosto. Outros dois diretores financeiros estavam ao lado dele, com pastas abertas e olhares tensos demais para um fim de tarde qualquer.— Que bom que conseguiram voltar a tempo — Henrique disse, e sua voz escorria veneno disfarçado de cordialidade. — Precisamos esclarecer algumas... inconsistências nos relatórios das últimas semanas.Matheus apertou minha mão sob a mesa antes de soltar devagar. Era como se dissesse fica calma.
A noite tinha finalmente trazido um pouco de silêncio. Depois de dias em meio a advogados, investigações, reuniões de crise e acusações injustas, o apartamento parecia um abrigo precário, mas ainda assim, um abrigo.Não conseguia me lembrar há quanto tempo exatamente tinha começado a passar os dias ali, só sabia que Matheus precisava de ajuda, que precisava de mim. Na empresa, não podíamos demonstrar qualquer tipo de sentimentalismo, porque eu ainda estava na mira, e minha inocência poderia ser facilmente invalidada.Estávamos sentados na varanda, com uma manta sobre as pernas, dividindo uma garrafa de vinho quase esquecida no fundo da adega do hotel. O som do mar se misturava ao vento leve, e pela primeira vez em dias, ele parecia respirar com um pouco menos de dificuldade.Mas havia algo nos olhos dele. Uma inquietação. Como se ele ainda carregasse um peso que não conseguia largar.— Você tá quieto — comentei, quebrando o silêncio com cuidado.— Eu tô cansado — ele respondeu, e depo
O calor do café ainda fumegava na minha xícara, mas eu mal conseguia sentir o gosto. Meus olhos estavam presos na tela do notebook diante de mim, onde um e-mail recém-aberto expunha o início de algo que já sabíamos que viria: o jurídico da empresa oficializou a abertura de um comitê de investigação interna.Henrique tinha sido afastado, sim — mas ele não cairia sozinho. E os outros diretores financeiros com quem ele articulou o desvio de verba estavam tentando jogar a culpa em alguém. Em mim, principalmente.A alegação era absurda, frágil, mas ainda assim suficiente para manchar meu nome.— Isso é ridículo — falei em voz alta, os dedos tremendo levemente sobre o teclado.Matheus, sentado ao meu lado, estendeu a mão para segurar a minha. O toque dele foi firme, quente.— Eu sei. E a gente vai provar isso.Ele falava com convicção, mas havia tensão em cada músculo do corpo. Desde a ligação do diretor financeiro na noite anterior, Matheus não conseguia relaxar. Estava mais calado, os olh
Horas depois, voltamos ao apartamento, e Matheus desabou.Tirou o paletó, largou os sapatos pelo quarto e se jogou na poltrona com as mãos no rosto. Ele tremia. Não de frio — mas de exaustão emocional.— Eu tô tentando manter tudo sob controle — ele disse, a voz abafada. — Mas tem horas que parece que tudo vai desmoronar. Que vou desmoronar.Me aproximei devagar, ajoelhando à frente dele.— Você não precisa manter tudo sozinho, Matheus. — Você não entende, eu preciso, preciso provar pro meu pai que não sou defeituoso, que posso fazer isso sozinho.Ele me olhou, e havia algo quebrado ali. Uma rachadura aberta demais pra fingir que não existia.— Eu tô com medo de piorar, Julia. Medo de entrar num episódio de verdade. Isso… isso tudo tá me levando pro limite.Toquei o rosto dele com as duas mãos.— Então vamos buscar ajuda. Você já faz o tratamento, você reconhece os sinais. Isso é força, não fraqueza.Ele assentiu devagar, os olhos cheios. Ficamos em silêncio, comigo acariciando seus