O estranho sonho cheio de significados ainda era recente em minha memória, o impacto do meu corpo na água, a sensação gélida e a própria água fria molhando meus cabelos e roupas finas. Era tudo muito realista, os cheiros e toques causavam reações tão familiares que eu realmente cogitei a possibilidade de estar jogando-me, sonâmbula, em um lago desconhecido.Foi nesse momento que acordei, voltando ao mundo dos vivos, e percebi que estava em um quarto dolorosamente branco, tão luminoso que causava dor em minhas retinas. Olhei ao redor, notando que, pela segunda vez naquele ano, estava em um quarto de hospital. Quando meus olhos se voltaram para baixo, me deparei com Gabriel, dormindo com a cabeça apoiada nos braços cruzados sobre o colchão, uma de suas mãos frias pousada sobre a minha, segurando-me como se temesse meu desaparecimento.Exatamente na mesma posição que a minha mãe estava quando acordei no hospital tempos atrás. Deslizei os dedos pelos fios castanhos, os acariciando e chamei
Respirei fundo, lembrando dos ensinamentos que havia pesquisado sobre manter a calma em momentos complexos como aquele. Não poderia me deixar abater pelo medo e trauma, minha vida era muito mais importante. Então, resistindo a todos os meus medos, me ergui lentamente e caminhei toda torta em direção ao carro, me esforçando ao máximo para não assustar meus pais, ou meus outros visitantes. – Por favor, ignorem esse chilique! – murmurei depois de alguns minutos tremendo, fechei meus olhos e respirei fundo, tentando melhorar o estado de estresse do meu corpo, precisava retomar o controle. Eles pareciam relutantes em meio a aquela situação, a indecisão em seus olhos era óbvia, não queriam arriscar ainda mais a minha saúde mental, mas ao mesmo tempo, sabiam que me trancar em um hospital sempre foi o meu maior medo. E no final, acabaram optando por seguir com o plano inicial de terminar minha recuperação em casa.Dentro do carro, continuei lembrando das instruções que, uma v
Dezessete anos haviam se passado e as lembranças de tudo o que aconteceu na ilha de Ainu pareciam ridiculamente distantes. A vida recomeçava, e novas recordações felizes eram criadas para todos os envolvidos naqueles assustadores incidentes. Muitas coisas haviam mudado, já não éramos mais aqueles adolescentes confusos e loucos, agora tínhamos nossas próprias responsabilidades, trabalhos e filhos.Era madrugada quando finalmente cheguei em casa, soltei um suspiro cansada, tirando o casaco que pesava sobre meus ombros e o joguei no sofá enquanto despia-me também dos sapatos que apertavam meus pés doloridos. Sentei-me numa poltrona imaginando se Gabriel já havia chegado da empresa em que trabalhava, àquela altura já estávamos casados e tínhamos uma linda menina que mesclava nossas características.Ultimamente não estávamos tendo tempo para nada devido às incontáveis hora extras que nossos trabalhos nos obrigavam a cumprir e estávamos muito agradecidos por nossos pais nos ajudarem tanto na
FilipeLonge dali, sem nem ao menos saber onde eu estava, encontrava-me jogado num sofá velho que cheirava a cigarro, porém, pouco estava me importando. Na verdade, não compreendia em certo o que estava fazendo de tão entorpecido que estava pela hero*na que intoxicava minhas veias.Joguei a cabeça para trás involuntariamente ao sentir a sensação de formigamento em meu corpo, fazendo minhas pernas e braços adormecerem, voltei meus olhos a Ralf, notando que o ruivo se agarrava com uma garota mais velha, ambos chapados.Podia até imaginar o monte de porcaria que havia usado.— Já está sóbrio? – um cara, que estava me vendendo drog*s, perguntou sentando-se ao meu lado no velho móvel, Ralf havia nos apresentado, mas não consigo lembrar de seu nome. – Quer mais uma?— Meu dinheiro acabou! – comentei sussurrando como se fosse um segredo, e enfatizei puxando os bolsos vazios das minhas calças jeans.— Você pode pagar de outra forma! – ele respondeu com um sorriso perigoso e olhou diretamente p
Sarah O dia seguinte a um acontecimento como aquele era sempre caótico e tenso, as reações variavam de comedidas a exageradas, tornando a situação ainda mais complicada e todos pareciam inquietos em expressar suas opiniões. Era como estar certo e errado ao mesmo tempo. A sensação que eu sentia era de que uma única palavra mal utilizada poderia cavar ainda mais a cova em que Filipe estava afundando-se, ele precisava de apoio, havia visto algo horrendo e merecia uma chance de tentar consertar seus erros.Karen, aparentemente, não queria me contar sobre o incidente, porém, quando pai e filho chegaram em casa, ambos preocupados, trazidos por uma viatura policial, e sendo amparados por Ayla, que ainda estava acordada, minha comadre não pode mais esconder a verdade de mim. Não tive tempo de conversar com Ayla sobre a situação em que seu “primo” encontrava-se e sequer sabia que ela estava no apartamento, logo, ao presenciar aquela cena caótica, sua confusão foi evidente.Quando finalm
Depois de pensar um pouco, decidimos que o melhor momento para a mudança de Filipe seria no fim de semana, ele não perderia aulas e poderia observar as empresas funcionando no período de horas-extra, achei que seria interessante para que se familiarizasse com a vida trabalhista dos adultos à sua volta. Cecília não estaria em casa, minha mãe havia saído em viagem e a levou consigo, desde que havia se aposentado, quase não parava em casa, aproveitando para paparicar a neta horrores, da mesma forma que fazia durante a infância. Meus pais eram carinhosos com a minha filhinha, me ajudaram muito enquanto ela ainda era pequena para que eu não precisasse abandonar meus planos e mesmo atualmente durante um período mais estável, ainda me ajudavam muito. Fui tirada dos meus devaneios quando finalmente visualizei a estação da linha cinco, olhei ao redor procurando pelo rapaz que já deveria estar me esperando na praça de alimentação e ouvi nos alto falantes que seu trem havia atra
Passava das 22h00 quando finalmente chegamos em casa, retirei o casaco, colocando-o sobre o sofá e me despi dos sapatos que tornavam a apertar o calo que havia se formado em meu dedo mínimo, e suspirei sentindo-me culpada por não ter tido uma refeição decente com meu afiliado até aquele momento. Desde que saímos para trabalhar pela manhã, não havíamos comido nada muito consistente.Fitei o suporte ao lado da porta e notei que o casaco de Gabriel repousava sobre ele, indicando que estava em casa, voltei meus olhos ao restante da casa, enfim percebendo as luzes já acesas e um cheiro bom que vinha da cozinha. Pelo visto, teríamos jantar caseiro.— Parece que temos companhia... – comentei para Filipe que retirava seus sapatos, coloquei a bolsa ao lado do meu casaco e caminhei em direção ao lavabo para lavar as mãos.Filipe me acompanhou, imitando minhas ações enquanto eu seguia em direção a cozinha, pelo canto do olho podia o ver secando as mãos na toalha branca e pensei comigo mesma se h
FelipeMinha madrinha saiu do quarto, mas suas palavras continuam retumbando em minha mente, atormentando meus pensamentos já perturbados. Lágrimas me vieram aos olhos fazendo-me encolher, uma sensação forte de dor espalhou-se pelo meu corpo como uma queimadura e uma inexplicável falta de ar me sufocou.Levei as mãos à minha cabeça, sentindo como se fosse explodir e senti meu estômago se revirando, corri para o banheiro e acabei vomitando tudo o que havia comido. Eu conhecia aqueles sintomas, sabia que eram sinais de uma crise de abstinência. Fazia apenas três dias que não usava nenhum tipo de drogas, mas meu corpo já estava sentindo falta delas.Quis gritar, correr pela casa ou até mesmo enfiar qualquer porcaria nas minhas veias para que aquela sensação passasse, mas era impossível. Não havia mais nada no meu estômago para vomitar, e minha garganta começava a doer, sentei-me no chão frio do banheiro e acabei deslizando minhas costas pela parede, ficando em uma posição que me causaria