Luce

Eu nunca soube muito sobre a minha adoção, meus pais preferiam não falar sobre e eu decidia não questionar, afinal, eles quem me viram crescer, me ensinaram a andar de bicicleta e até me deram um peixe. Essa parte é um tanto quanto dolorosa, matei ele na primeira semana, e foi aí que descobri que não se pode dar comida mais de três vezes para ele.

Após o meu décimo quinto aniversário meus pais e eu não somos mais tão próximos quanto antes, quer dizer, agora nos falamos menos de 40 minutos. Melancólico com uma pitada de ironia, não acha?

Mas não tenho muito a reclamar, tenho uma casa, comida e amigos, metade das pessoas não sabem o que é ter um lar, se é que posso chamar assim.

Era verão e a minha volta às aulas me trazia alívio, já que sempre odeiei ficar sozinha... no entanto, parece que estou sempre só. Morar em uma cidade no interior, às vezes, pode te trazer segurança quando seus pais nunca estão em casa, já que todos sabem quem você é apenas pelo seu sobrenome, assustador, não? Segui meu caminho em direção ao colégio, ao final do corredor avistei Pérola. Pérola é a minha melhor amiga desde sempre, em todos os eventos importantes ela estava lá, assim como em todos os eventos trágicos. Sim, ela estava presente quando meu peixe faleceu.

- Primeiro dia e eu já estou cansada, que horas acabam as aulas? - Pérola olhava para o seu relógio dourado

- Nem iniciou a primeira aula - Olhei para os meus sapatos e percebi que estavam trocados - droga

Pérola olhou para baixo e viu a diferença de cores

- Preto e rosa? Me parece tendência - Ela sorriu enquanto segurava a minha mão - Agora vamos.

- Será que entrou alguém novo este ano? Estou cansada dos mesmos rostos já conhecidos desde que eu tinha um ano - Revirei os olhos

- Você nunca gostou daqui mesmo - Ela se sentou e pôs a sua mochila sobre a carteira e deitou sobre

- Você deve estar brincando, vai dormir agora? - Disse puxando a mochila na esperança que ela levantasse

- Como eu disse: estou cansada

Revirei os olhos e me dei por vencida.

- Classe, conheçam o novo aluno - Disse acenando para que o mesmo entrasse.

Vi a Pérola levantar a cabeça no mesmo instante.

- Só um garoto para fazer ela perder o sono - Pensei e soltei um sorriso.

O garoto se apresentou, e seu nome era Dastan, ele sentou na carteira vaga de um dos alunos que saiu da cidade para morar em um Nova York, senti inveja dele quando descobri.

Dastan tinha cabelos castanho assim como os seus olhos, ele era branco como um floco de neve e incrivelmente alto, pelo menos para os meus 1,60.

Passamos a manhã inteira no colégio, nada de legal havia acontecido e o garoto novo não falou nada, algumas meninas tentaram, mas ele simplesmente saía. Até eu sairia. Pérola dormiu em todos as aulas e Nick não compareceu ao primeiro dia de aula.

Nick é o irmão mais velho da Pérola, mas ela não comentou o porquê dele não ter ido, e eu resolvi não perguntar.

Após o final das aulas me despedi da Pérola e segui em direção a minha casa, como sempre não havia ninguém, joguei minha mochila no sofá e subi em direção ao meu quarto. Tentei ver algo na televisão, mas me sentia energética de mais para aquilo, então peguei o meu celular e sai para me acalmar.

Fui até a pequena pracinha localizada há poucos metros da minha casa, era o local onde eu sempre ia quando me sentia sozinha, por algum motivo estar com a natureza preenchia o meu vazio.

Chegando na pracinha avistei o Dastan, ele estava sentado a baixo da árvore que eu costumava regar quando pequena.

- Então você descobriu a parte boa da cidade. - Falei me aproximando dele.

- Acho que sim, aqui é bem calmo até

- É, este com certeza é um bom lugar para estar quando as coisas não estão tão boas.

- Não quer sentar? - Dastan deu uns tapinhas ao lado dele

Sentei ao seu lado e observei a lua.

- Quando mais nova costumava me sentar aqui e observar a lua

- Não costuma fazer mais isso?

- Hum... não tanto quanto antes

- Algum motivo específico?

- Acho que quando a gente cresce tudo aquilo que você fez quando menor vai perdendo a graça com o passar dos anos.

- Onde eu morava não havia um lugar assim

- Assim?

- É, especial. Nunca tive um lugar especial

- Todos temos um lugar especial quando precisamos fugir de algo maior, acabamos criando um lugar só para nós.

- Eu não criei quando mais novo, mas agora me parece uma boa ideia.

- Você mora sozinho?

- Sim

- Não é meio solitário?

- Me diz você

- Não moro sozinha, quer dizer... é

Ficamos em silêncio por alguns minutos

- Você acha que em algum lugar alguém também se sente assim?

- Assim?

- Solitário - Prendi a respiração.

- Todos são solitários, alguns só escondem melhor.

Me encostei na árvore.

- É, acho que sim.

Talvez o Dastan não fosse tudo aquilo que eu pensei, talvez eu só tinha visto nele o que havia em mim. (Ouçam a música para compreender)

- Melhor eu ir já está tarde, nos vemos amanhã?

Dastan assentiu.

Me levantei, dei uns tapinhas no meus shorts que estavam extremamente sujo e segui meu caminho.

Ao chegar em casa vi a porta derrubada, ouvi um grito extremamente alto, era da minha mãe.

- Mãe? Pai? - Corri em direção aos seus corpos jogados no chão.

- Pai, mãe, acordem por favor - Comecei a chorar e gritar  desesperadamente.

Os meus pais estavam cheios de uma gosma preta, não havia nenhum sangue apenas uma gosma.

Ouvi um barulho e me levantei, quando me virei era o Dastan.

- O quê aconteceu? Eu ouvi seus gritos da minha casa

- Meus pais.. eles.. estão.. - Comecei a chorar mais ainda.

- Vamos, temos que sair daqui, agora. - Dastan me puxou pelo braço

- Eu não posso, são os meus pais

- Seja o que for veio atrás de você, e não vai parar até te achar, agora vamos.

Fui até os meus pais me despedir. Minha mãe sempre andava com o seu colar que um dia seria meu, desde pequena ela me contava histórias mágicas sobre ele, e agora que ela se foi ele é a única lembrança dela que me resta.

Peguei o colar e saí com o Dastan.

- Preciso ir até a casa da Pérola

- É muito perigoso, Luce, temos que ir

- Não sem a minha melhor amiga

- Quando cheguei vi o Nick cheio da mesma gosma preta que estavam nos meus pais

- O que houve? - Perguntei sem entender o que estava acontecendo

- Precisamos ir - Disse Nick enquanto Pérola chorava desesperadamente

- Eles estavam aqui, eles queriam você... meus pais... eles ... - Pérola dizia sem parar

- Quem me quer?

- Eles - Nick apontou para um dos corpos no chão

Era uma espécie de gosma negra, tinha a forma de um humano, mas era como se a gosma tivesse cobrindo ele por inteiro.

- Está se mexendo - Apontei

E logo toda aquela gosma saiu do corpo, e podemos ver quem realmente era.

- Professor Erick? - Nick disse perplexo

- Mas como? - Perguntei confusa

- Não sei, vamos logo antes que mais desses voltem. - Disse Dastan saindo pela porta.

- Para onde vamos? - Perguntei

- Vamos buscar ajuda - Disse Dastan

E foi assim que a minha vida virou de cabeça para baixo e minha jornada começou. 

Eu nunca pensei muito como eu iria morrer, mas morrer no lugar das pessoas que amo me parecia uma boa forma de morrer - Crepúsculo

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Música: Lonely Eyes

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