Luce

Acordei com uma dor de cabeça insuportável, fui abrindo os olhos aos poucos, já que a luz os incomodava, e tudo a minha volta estava desfocado, levei a mão até a parte de trás e pude sentir o sangue quente nas minhas mãos, e só então me lembrei do quê havia acontecido.

Lux estava atrás de mim, e a última coisa que me lembro é dela batendo com força o pomo da espada. Olhei ao redor enquanto a minha visão ia aos poucos se acostumando. Estava na ilha e pérola estava jogada ao meu lado.

- Pérola acorda - Disse fraca tentando me mexer para chegar perto dela.

Pérola não se mexia e por algum motivo após me sentar não conseguia fazer nenhum movimento, tentei levantar meu dedo indicador, no entanto senti uma dor aguda, e logo parei, respirei fundo e tentei novamente, mas uma vez sem sucesso, a cada tentativa a dor se tornava insuportável, sentia como se cacos minúsculos de vidro passassem pelas minhas veias, e por fim me dei por vencida. Não conseguia pensar, meu corpo doía e minha cabeça parecia que ia explodir. A sensação que eu tinha era de estar sendo observada, tentei me levantar, mas sem sucesso. Tentei novamente mexer alguma parte pequena do meu corpo, e novamente não consegui.

- Tem alguém aí? - Gritei esperando que alguém aparecesse.

Me senti decepcionada quando tudo que consegui ouvir foi o barulho do vento. Senti as lágrimas quentes escorrerem pelo meu rosto.

- Como eu deixei a minha vida chegar a isso? - Pensei.

Quando me dei conta estava em prantos em meio a tantos soluços pude ouvir uma voz doce, calma como as brisas do mar.

- Não chore minha querida, você sabe que pode passar por isso, confie em você.

E logo a voz sumiu juntamente com as minhas lágrimas. Mexi meu pescoço aos poucos e Pérola ainda estava ali, desmaiada. Lembrei de tudo que um dia ela ja havia feito por mim. E soltei um breve sorriso ao lembrar da minha festa de aniversário de sete anos onde ninguém apareceu... mas Pérola estava lá com um chapéu de palhaço tentando me manter animada, hoje em dia penso se ela sabia o que estava fazendo ou só estava sendo a Pérola.

Tentei novamente mover o meu dedo indicador a dor era quase que insuportável, mas eu sabia que tinha que ajudar a Pérola da mesma forma que ela sempre me ajudou. Lágrimas escorriam pelo meu rosto, este era sinal de quanta dor eu podia sentir antes de desabar.

- Vamos Luce - Repetia internamente.

Aos poucos fui me acostumando com a dor,  o que antes era o movimento de um dedo, agora conseguia mexer um braço inteiro. A dor começou a ser mais suportável, e assim que meus movimentos não eram mais tão dolorosos cheguei até a Pérola.

- Pérola - Balancei o seu corpo

E a vi se transformar em um monte de areia. Ouvi um som de um bip horrível.

- Qual é, Luce - Disse Dastan me olhando através de uma janela de vidro.

E só então percebi que eu estava em um treinamento.

- Mas que merda, o que vocês deixaram eles fazerem comigo? - Gritei enquanto seguia em direção a saída.

O que antes era uma praia agora era apenas a horrível sala branca de treinamento.

Meu corpo começava a queimar, assim como os meus olhos. Me senti furiosa.

- Eu não faria isso se fosse você - A voz de Macaria soou atrás de mim.

- Então o que você faria? - Me virei e fiquei cara a cara com ela.

- Você ainda é jovem, Luce, vai ter que aprender a controlar a sua raiva se quiser sobreviver - Ela passou por mim e foi em direção a saída.

Talvez ela estivesse certa, mas e se não estivesse? E se a minha raiva fosse tudo o que sobrou?

Balancei a cabeça afastando os pensamentos negativos, sabia que havia me restado mais, havia me restado amigos e ... a minha irmã.

Me sentia totalmente cansada e a minha cabeça não doía mais, passei a mão sobre ela e não havia sangue ou nenhuma ferida.

- Não se preocupe, foi apenas um feitiço -  Nick se aproximou de mim.

- Me enganaram direitinho, a dor com certeza parecia real

- Não é porque usaram um feitiço que a dor não fosse real.

- O que você quer dizer?

- O feitiço amplia a dor que você sente, Luce. A que você sente por dentro.

Ficamos em silêncio.

Eu sei  que guardo algum tipo de dor em mim. Eu só nunca tentei descobrir qual, e não fazia ideia de como era doloroso, até ter que sentir fisicamente.  Sempre achamos que a dor física é maior, mas na verdade não. A dor física não é pior, a diferença é que os machucados que guardamos por dentro são tampados com coisas ou pessoas e a gente só se acostuma com aquilo. Mas na dor física você ve a ferida, e cada vez que a vê parece que dói mais e mais. É como dizem: O que os olhos não veem o coração não sente.

Me despedi de Nick no corredor e fui em direção ao quarto, me sentia totalmente vulnerável, acho que esse era o objetivo do treinamento: Te ensinar a não ceder a venerabilidade.

Me perdi em meio a tantos pensamentos e decidi tomar um banho e descansar. Assim que estava deitada ouvi batidas de leve na porta, me levantei e abri. Era o Dastan.

- O que acha da gente ir até o lago? - Dastan deu um sorriso de lado.

Assenti. Assim que fechei a porta senti a mão dele tocar a minha. Meu corpo arrepiou.

- Que sensação é essa? - Pensei

Fomos em direção ao pequeno lago e nos sentamos.

- Se lembra do dia que sentamos em baixo daquela árvore antes disso tudo acontecer?

- Sim, acho que não deveríamos repetir, vai que atrai algo pior - Sorri

- Não há nada pior, Luce.

- Como não?

- Já vi muita coisa e o que aprendi é que não há nada pior, sempre é a mesma dor.

- O que você já viu?

Dastan se deitou sobre a grama, me mantive sentada observando-o.

- Acho que quando se nasce nas trevas você se acostuma a ver coisas ruins, e de tanto ver aquilo já não te afeta mais.

E naquele momento senti uma vontade enorme de me deitar sobre ele, e assim fiz. Não dissemos mais nada, ficamos em silêncio por algumas horas, até eu cair no sono.

Estava novamente na mesma floresta e a minha irmã estava a minha frente.

- Luce, preciso da sua ajuda

E então a mesma mão negra a puxou, e seus olhos amarelos estavam cada vez mais brilhantes.

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