Pisco os olhos para me acostumar com as luzes da boate, a música alta tocando pelas paredes, com o passar das horas o lugar enchia mais, o cheiro de álcool e perfume se misturando na multidão.
“Como você está?” – mando a mensagem para Melissa.
“Com dor, mas já tomei o remédio.” – a tela brilha quando a resposta chega.
“Deixei comida na geladeira, tem sopa no fogão.”
“Obrigada.” – a mensagem vem acompanhada por carinhas felizes.
- Como está sendo morar com a princesinha Mancini? – Laila pergunta com sarcasmo. Já fazia algumas semanas que estávamos morando juntas.
- Mel é um pouco mimada, devo admitir. – dou uma risada baixa. – Mas ela é uma boa pessoa.
- Você não quis morar comigo quando ofereci. – minha amiga torce o nariz e diz emburrada.
- Eu tive meus motivos para aceitar morar com ela. – termino de limpar os copos e os coloco na bandeja.
- Ela tem dinheiro e pode te oferecer uma casa confortável. – Laila diz com sarcasmo.
- Acredite, a última coisa que eu me preocupo agora é com dinheiro. – sinto uma alfinetada no peito ao ver o que Laila pensava de mim. – Vou atender algumas mesas, licença. – saio de trás do balcão e caminho pelo salão lotado, as pessoas se espremendo na pista de dança ou gritando para serem ouvidas apesar do som alto. Respiro fundo e sinto as batidas da música reverberarem dentro de mim, por um segundo me vejo dentro de uma sala escura, as vozes ao meu redor sendo abafadas pela melodia suave da música que minha mãe cantava todas as noites para mim e meu irmão. Sinto meu peito se apertar com a saudade e com o pavor de estar naquela sala de novo, sinto as mãos no meu corpo.
- Camille. – encaro nervosa o homem que segurava meu braço, os olhos pretos me analisando preocupados. – Você está bem? – seu aperto era leve e gentil, porém firme.
- Sim. – respondo começando a voltar a mim, fugindo das minhas lembranças. – Sim, estou bem. – ele solta meu braço, mas seu olhar ainda demonstrava preocupação. – Você gostaria de pedir alguma bebida? – volto ao trabalho.
- Whisky duplo com gelo. Estarei esperando naquela mesa. – ele indica uma cabine de canto vazia e reservada.
Observo a mulher caminhar agilmente entre as pessoas como um gato, o vestido apertado moldando cada curva de seu corpo. Alguns outros clientes a paravam no meio do caminho para fazer seus pedidos e com dificuldade ela consegue voltar ao balcão do bar.
“O que eu vim fazer aqui?” pergunto a mim mesmo assim que sento na mesa que deixo sempre reservada.
- Vai voltar lá hoje de novo? – Ottavio pergunta assim que me vê parado a porta. – Ela vai desconfiar. – sinto meu irmão sorrir atrás de mim.
- Estou indo apenas analisar um possível local de compra, sabe que quero ampliar a Paradise. – olho por cima do ombro. – Os nossos negócios estão crescendo, precisamos dessa fachada.
- Sei. – o tom desconfiado de Otto revira meu estomago. Será mesmo que esse era meu único motivo para estar naquele lugar todas as noites?
Tenho minha resposta assim que entro na boate movimentada, passo pela porta e a primeira coisa que meus olhos procuram é ela. Por alguns segundos tudo fica silencioso e em câmera lenta. Existia apenas ELA.
Agora estou aqui mais uma vez sentado nessa mesa, meus olhos acompanhando cada movimento de Camille. Desde o dia que a vi parada na frente de Melissa, a cabeça sangrando e o olhar gélido e desafiador, sabia que ela tinha algo diferente. Eu esperava que fosse alguma espiã enviada pelos inúmeros rivais que conquistei em todos esses anos de trabalho, alguém que se aproximava da minha irmã por achar que ela seria o elo frágil da família, mas estavam enganados.
Porém, nesses últimos meses percebi que estava enganado. Camille não era nenhuma espiã ou oferecia qualquer ameaça a minha família. Ela era gentil, educada, atenciosa e sempre cuidava de Mel como se fosse uma irmã. Me senti aliviado ao ver que Melissa havia encontrado alguém que se aproximou por quem ela é, e não apenas pelo poder que nossa família tem.
Ao longo desse tempo algo dentro de mim crescia, no início achava que era apenas gratidão e uma possível boa amizade, mas percebi que não. A necessidade que tinha de vê-la, ouvir sua voz, sentir seu perfume, ficou cada vez mais urgente, então me vi todas as noites sentado nessa mesma mesa apenas para vê-la de longe, comecei a dar a desculpa que compraria o lugar, mas meus irmãos sabiam que não era verdade. Eu estava ali por ela.
Meus pensamentos se perdem no olhar distante de Camille a segundos atrás, a forma involuntária que seu corpo se encolheu com meu toque. Uma dor estranha aperta meu peito, eu não queria que ela tivesse medo de mim.- Tem certeza que está bem? – pergunto assim que a moça coloca o copo sobre minha mesa, as pedras de gelo boiando na bebida. Os olhos azuis não pareciam mais perdidos, mas também não tinham o brilho de sempre, agora eram como as pedras de gelo no whisky, frios, afiados, perigosos.- Apenas cansada. – ela solta um suspiro, a voz sobressaindo a música alta. – Sabe como é a rotina puxada. – seus lábios se contorcem em um meio sorriso desanimado. – Odeio essa roupa. – a garçonete comenta assim que um homem passa por trás tocando seu corpo. – Não precisa fazer nada. – as palavras saem com um aviso implícito assim que Cami percebe minhas intenções. – Você é dono de uma boate, sabe como são os clientes. Eu preciso ir, se precisar de mais alguma coisa é só acenar. – vejo seu corpo p
- Eu disse para não fazer nada. – percebo a presença de Camille e da outra moça atrás de mim, me viro. – Comprar a boate se enquadra nessa condição. – ela ergue a cabeça, os olhos demonstrando a tempestade que continha dentro de si.- Vocês estão bem? – analiso as duas mulheres, minha atenção redobrada na moça a minha frente. – Não podia deixar que ele agisse assim com você... – minha mente registra a última palavra com urgência. – Vocês. – corrijo.- Tire o resto da noite de folga. – sua voz sai carinhosa e cheia de atenção para a moça que permanecia escondida atrás de si. – Eu cubro seu turno. – agradecida a moça acena com a cabeça e sai apressada. – Não gosto da ideia de trabalhar para você. – os olhos azuis voltam para mim, a cabeça levantada mostrava que aquela mulher não se assustava com qualquer coisa.- Achei melhor não comentar. – aos poucos a confusão ao nosso redor diminuía.- Não confunda as coisas só porque sou amiga da sua irmã.- Sou um homem de negócios, sei separar a
Cambaleio tentando manter o equilíbrio, meu peito doendo em reposta ao chute.- Está ficando enferrujada? – sua cabeça pende levemente para o lado, os olhos verdes afiados piscando em uma tentativa inútil de parecerem inocentes. – Esses meses como a cachorrinha dos Mancini te deixou mal acostumada.- Você sempre falou demais. – recupero meu equilíbrio, o ar queimando a medida que entra nos pulmões. – O que você quer?- Estava muito entediada em casa, vim brincar. – as mãos ágeis retiram as adagas das costas e as rodam nos dedos finos, as laminas afiadas brilhando, o ar assovia com os cortes e as investidas contra mim, meus movimentos são rápidos mais um pouco lentos, minhas narinas ardem quando uma das laminas passam rente ao meu nariz.- Veneno. – observo. Tento manter o máximo de distância possível das facas.- Você é o serviço da vez, priminha. – um sorriso afiado cresce nos lábios vermelhos. O fato de ser seu alvo faz com que Dominique se dedique mais para me matar, ela usa todo s
Caminho em direção ao meu carro, as pessoas saindo da boate, aos poucos o estacionamento ficando vazio, entro para fugir do frio. Meus olhos acompanham a mulher que se encolhe no casaco grosso, sua imagem se perde no carro escuro.- Por que eu falei com ela daquele jeito? – encosto a cabeça no volante frio. – Idiota. – me repreendo.Ligo o carro e dirijo até a Paradise.- Senhor. – o segurança me encara surpreso pelo horário. – Já estamos fechando. – ele informa.- Tudo bem. Tenho as chaves das portas dos fundos. – ergo o molho de chaves.- Sim senhor. – ouço o clic da porta sendo trancada assim que entro, encaro o salão vazio e silencioso. Era estranho ver a boate vazia depois de tantas noites lotada.O som dos meus passos na escada de metal ecoa pelo lugar, entro na minha sala, tiro o paletó e o jogo no pequeno sofá de couro, pisco os olhos par se adaptarem a luz quando a ligo, sento a mesa e ligo o computador. Analiso os papeis, as informações sobre os investimentos, os gastos, os
Ouço os pneus cantarem no cascalho a frente da minha casa, salto do carro deixando o motor ligado, abro a porta de trás e com cuidado tiro Camille de la.- Mi vida, não me deixe. – imploro em um sussurro. O sangue ainda jorrava de seu corpo agora pálido e frio. – Onde está o médico? – pergunto assim que passo pela porta da frente.- Esta chegando, mas. - Ottavio congela com a visão a sua frente.Precisa leva-la para cima, agora. – meu irmão abre espaço para que eu suba. – Coloque-a aqui. – ele abre uma porta e eu entro, o quarto era claro, os lençóis brancos cobrindo a grande cama. – Precisamos achar o ferimento. Pegue uma toalha molhada, tem muito sangue. – assim que eu a coloco na cama, Ottavio começa a retirar a roupa de Camille. No automático eu sigo as ordens do meu irmão mais novo, corro para o banheiro, pego uma toalha pequena e coloco em baixo da torneira ligada, deixo o tecido macio se ensopar com a agua.- Aqui. – entrego a toalha molhada para Otto que com as mãos ágeis come
Minha cabeça latejava incessantemente, aperto os olhos e pisco inúmeras vezes para adaptar minha visão a luz forte. - Ele vai morrer também? – ouço a voz distante de Melissa chegar arrastada aos meus ouvidos. - Ele está se recuperando. – era possível ouvir os gestos cansados de Ottavio ao andar devagar pelo quarto. - Já tem quase um dia que ele não acorda. – a preocupação carrega as palavras de Bartolomeu. - Ele perdeu muito sangue, mas vai ficar bem. – o segundo irmão estava cansado, mas preocupado demais para se permitir dormir. - Ainda não chegou o dia que vocês vão se livrar de mim. – minha garganta se fechar e queima com cada palavra. - Puta merda, Andrea. – Otto passa a mão pelo rosto derrotado. - Preciso de um pouco de água. – me forço para sentar na cama, sinto os músculos se contorcerem com os movimentos. – Sinto que um trator passou por cima de mim, e mais umas cinco vezes só para garantir. – uma risada seca sai por meus lábios. - Aqui. – Mel se senta ao meu lado na c
- Muitas famílias morreram assim, gerações inteiras foram dizimadas, exterminadas. Famílias poderosas, tanto quanto a nossa. – as informações ditas por Ottavio torna as situações mais difíceis.- Eles nunca ousaram pisar aqui. – sinto minha cabeça doer com a pressão na mandíbula.- Mas agora parecem serem audaciosos de mais para isso. – o olhar de Otto demonstrava a mesma preocupação que eu sentia.- Os Rivera estão ficando audaciosos. – olho por cima do ombro e encaro o rapaz deitado na cama, os cachos castanhos ficando grandes, os olhos fechados, a cabeça deitada sobre um dos braços e o outro com a mão apoiada preguiçosamente sobre a bariga. – Ouvi boatos de que Lorenzo quer dominar toda a América do Sul. Todos os territórios, sem exceção. – o ar fica cada vez mais pesado. – Todos sabemos que a única pessoa que carrega o título de anjo da morte trabalha para ele, o único ser humano no mundo frio e vil o suficiente para matar sem piedade, o assassino mais bem treinado que já ouvimos
Sinto a água quente esquentar minha pele enquanto desce pelo meu corpo, apoio a cabeça na parede e deixo a constância rítmica do chuveiro relaxar meus músculos. Começo a fazer lentamente uma lista do que sabíamos desde aquela noite.1. Os Rivera estão querem tomar o poder de todos os territórios;2. Eles têm um assassino frio e cruel que não se importa com quem vai morrer;3. Nós somos os alvos;Minha cabeça doí com todos os pensamentos que rondam, os Rivera eram aliados do meu pai enquanto ele ainda estava vivo, mas desfiz essa relação quando assumi o posto de capo. Eles são poderosos e vis, nos últimos anos ganharam territórios com muito derramamento de sangue, eu também consegui impor meu poder sobre o meu território durante os 13 anos que estive na liderança, mas nunca fiz o que eles fazem.As imagens dos corpos nos relatórios de Bart preenchem minha mente, meu peito doí, famílias inteiras mortas, pais, filhos, irmãos, primos, crianças, a foto de um bebê morto em seu berço me da n