- Boa noite, Central da Polícia de Maité, em que podemos ajudar? - disse uma voz feminina e um pouco rouca do outro lado da linha.
- Ouvimos três disparos de arma de fogo na casa das nossas vizinhas e o meu marido saiu para ver o que aconteceu! - informou Madalena, uma rechonchuda e baixa mulher de aparentes cinquenta anos etários com a pele muito clara, olhos castanhos por trá dos óculos de grau, cuja armação retangular era quase da mesma cor que os seus cabelos tingidos de vermelho acajú e cortados em estilo pixie - Ele é policial aposentado! - complementou, mexendo impaciente na gola da sua camisola de botão de renda, enquanto espiava pela janela sem tirar os olhos do seu marido, que cautelosamente atravessava a rua naquele momento.
Alfredo era um homem alto, de pele muito escura e sete anos mais velho que Madalena, mas fazia questão de manter o porte atlético dos tempos em que atuou como policial, embora os cabelos o tenham abandonado quando ainda tinha trinta anos. Trajando apenas as calças do pijama e chinelos, ele tinha em mãos a sua espingarda de estimação, Cátia, enquanto trotava em direção à casa de Clara e Débora, cujo portão estava aberto e os muros verdes, que não eram altos, permitiam ver que a porta da casa estava escancarada.
Naquele momento, o mais importante para Alfredo era prestar os primeiros socorros a quem quer que estivesse ferido ali dentro. Além disso, o policial aposentado acreditava que cabia aos detetives e oficiais ativos o dever de ir atrás da figura encapuzada que ele viu saindo daquela residência.
- Certo, senhora, a sua denúncia foi registrada e um alerta está sendo repassado para os oficiais que estão próximos ao endereço informado. - Madalena ouviu a atendente da Central de Polícia de Maité lhe dizer - Uma viatura deverá chegar em breve ao local. O Departamento de Polícia de Maité agradece pelo seu reporte. - concluiu a oficial, encerrando a chamada após passar um alerta para viaturas próximas do endereço informado por Clotilde e outro para os computadores e dispositivos móveis cadastrados no Departamento de Homicídios de Maité, já deixando os detetives alertas para o caso de o relato não ser falso, ou melhor, o detetive, pois àquele horário só deveria haver um em todo o prédio.
***
- Enoque!
Uma voz distante e não identificada subitamente chamou pelo homem, enquanto ele, que trajava roupas sociais sem paletó, mais uma vez corria por uma rua deserta, tentando evitar ser pego por misteriosos homens engravatados e sem rosto.
- Enoque!
Outra vez chamou a, agora, próxima e aparentemente masculina voz, fazendo com que o homem parasse de correr, sem se importar com o cenário se esvaindo em meio às trevas ao seu redor.
- Enoque! Acorda, cara! - disse o oficial Reinaldo, um pouco antes de usar um jornal enrolado para bater no peito do detetive que dormia em sua própria cadeira, com os pés sobre a mesa e um chapéu fedora preto cobrindo o rosto.
- O que foi, Rei? Aconteceu alguma coisa? - indagou Enoque, enquanto tirava o chapéu do rosto e o colocava sobre o teclado do computador, abrindo brevemente os olhos para ver o rosto de quem o acordou e voltando a fechá-los, tomado pela preguiça.
- Pra quem praticamente mora no Distrito de Polícia porque diz que ‘tá louco pra pegar um caso que preste e mostrar que é o maior detetive de toda a Novolanda, tu ‘tá dormindo no ponto. Literalmente! - disse Reinaldo, quase sussurrando e com o rosto perto do de Enoque, empurrando o peito dele com o dedo indicador enquanto falava - Olha pra tela do computador, chegou um alerta envolvendo disparos de arma de fogo dentro de uma residência e a viatura já até deve ter chegado ao local. - explicou, fazendo com que Enoque quase desse um pulo da cadeira, tirando os pés de cima da mesa e colocando o rosto rente à tela do computador.
***
Da calçada em frente à sua casa, Madalena viu a viatura chegar com as luzes da sirene acesas e estacionar em frente ao portão da casa do outro lado da rua, no qual o seu marido se encontrava encostado, segurando Cátia de maneira que seu cano apontasse para o chão.
Alfredo, que não tirou os olhos da viatura desde que a sua aproximação se tornou perceptível devido às luzes dos sinalizadores, logo reconheceu os policiais que atenderam ao chamado e esperou que eles viessem ao seu encontro e o cumprimentassem, chamando-o pela patente que ele alcançou na polícia: capitão. Só então que ele contou o que ouvira e vira, concluindo com um:
- O que eu vi lá dentro, vocês vão querer ver com os próprios olhos! - e deu um passo para o lado, permitindo que eles passassem pelo portão.
Uma vez no interior da casa, que estava apenas com as luzes da sala acesas, a dupla de oficiais mal olhou para a cena do crime e já entendeu a dimensão do problema. Um deles se agachou para poder ver melhor, enquanto o outro sacou o rádio para se comunicar diretamente com a Central de Polícia.
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O oficial Reinaldo Sanches, cujos conhecidos o chamavam de Rei, era um homem alto e magro, com a pele de um tom intermediário entre o escuro e o claro, usando seus cabelos pretos em corte asa delta e barba balbo. Sempre fardado em serviço, como era de se esperar dos oficiais, ele, diferentemente dos demais, se dava bem com o detetive Enoque, em grande parte porque eles se conheciam desde a infância.
Enoque Vos, por sua vez, tinha estatura média e era um pouco forte, possuindo uma pele alva com algumas sardas e os olhos verdes, usando os cabelos vermelho-ferrugem num corte pompadour e nenhuma barba ou bigode. Sendo um investigador, ele podia se dar ao luxo de permanecer à paisana mesmo em serviço, dando preferência a uma calça jeans bootcut azul com tênis preto e camisa de manga longa quase sempre preta e por cima da qual frequentemente usava uma já gasta jaqueta jeans azul, como era o caso naquela noite.
Depois de ter sido acordado pelo amigo e ter lido o alerta que seu computador exibia, Enoque não demorou para sair de sua mesa e ir procurar um pouco de café, mas nem bem ele encheu a caneca e já sentiu o seu celular vibrar no bolso direito da calça. Era uma atualização do alerta anterior, chamando algum investigador para o local.
Diante disso, Enoque só fez m****r todo o café extremamente quente goela abaixo e saiu andando apressado, passando por Reinaldo no caminho e aproveitando para dizer a ele:
- Liga pro Vini e passa os detalhes para ele!
- Ele não vai gostar disso… - comentou Reinaldo, achando que Enoque não o ouviria.
- Eu não me importo, apenas liga pra ele, ok?! - respondeu o investigador ruivo, lembrando-se de como o seu parceiro era um dos vários policiais que lhe enchiam a paciência, o chamando de moralista e inconsequente por questionar a Pax Maitensis.
- Você sabe que mesmo que o Vini me atenda, ele só vai dar as caras aqui pela manhã! - disse Reinaldo, quase gritando, um pouco antes de Enoque sumir de sua vista no corredor.
A União de Estados do Brasil adotou para a sua polícia a mesma estrutura de hierarquia e de funcionamento recomendada a todos os Estados membros da Comunidade Euro-Atlântica, portanto, quando uma ou mais duplas de oficiais chega a uma cena de crime sem flagrante, um alerta deve ser imediatamente passado para a Central de Polícia do Município, que o repassará aos investigadores disponíveis, a outras viaturas que estejam próximas do local e para a perícia. Assim, quando o detetive Enoque Vos chegou ao endereço informado pelo alerta, o fez quase que simultaneamente ao veículo da perícia e deparou-se com quatro viaturas no local, cujos oficiais responsáveis já haviam feito o devido isolamento da área, cuidando de manter os curiosos
O bar Ossos e Rosas era um dos vários que existiam no Bairro da Boemia, mas se caracterizava por ser o mais famoso e antigo dentre os que tinham donos de origem eslava, sendo um dos mais antigos da cidade e que teria sido erguido pelo próprio Víktor Kotov, que se tornou o chefe da sua família e, consequentemente, dos negócios ilícitos comandados por ela, sendo um dos cinco indivíduos mais poderosos de Maité. É dito que teria sido do próprio Víktor a ideia do nome do bar e do símbolo dos ossos cruzados com rosas entre eles, tanto como uma forma de lembrar a época em que a família Kotov transformava os seus desafetos em adubo para as plantações de rosas das famílias Smirnov e Melnikov, como de anunciar as esperanças quanto
Após ouvir a voz do rapaz dizer que abriria o portão elétrico, o detetive Enoque se afastou da porta perto da qual o interfone ficava e se dirigiu para a frente da entrada, cuja folha metálica já se encontrava deslizando ruidosamente, deixando livre o caminho para o pátio da casa. Já com o portão às suas costas, Enoque escutou o estalo do seu fechamento, enquanto se via com um gramado à esquerda e, à frente, um caminho projetado para o passeio de veículos domésticos, notando que havia um carro vermelho que se encontrava estacionado muito mais à frente, quase passando a casa em si, mas ainda sob uma área coberta. Isso levou o detetive a imaginar que a porta de vidro presente na parte da frente não deveria ser muito usada, que aquela fa
Pelo monitor de segurança, Carlos viu Clara e o detetive Enoque saindo pelo portão, cuja folha metálica começou a deslizar para fechar a entrada logo em seguida, depois que o rapaz pressionou o botão do controle. Na sua mente, o jovem se questionava a respeito do que ocorrera momento antes, pois, embora ele tenha se oferecido para acompanhá-la à cena do crime e ao Distrito Policial por mera educação, a resposta negativa dela havia mexido um pouco com ele. Não foi a recusa em si ou as palavras utilizadas, mas sim a forma como elas foram ditas. Do lado de fora da casa, a jovem sarará seguia o detetive ruivo em direção ao carro dele. - Acho que o teu amigo pode te
Após ouvir o detetive pronunciar o nome de sua amiga de longa data, Clara permaneceu parada diante do homem ruivo de expressão pesarosa na face e o seu olhar estava voltado para o nada, enquanto a mente passeava velozmente pelas lembranças dos momentos compartilhados com Leticia Martins ali mesmo, em Maité, e também na cidade natal que as três mulheres - Débora, Letícia e a própria Clara - compartilhavam. - Você está bem? - perguntou Enoque, o seu rosto passando de uma expressão pesarosa para uma de preocupação. - Ela também está morta, não está? - indagou Clara, a voz carregada de frustração e um toque de impotência.
Enquanto o céu noturno sobre Maité começava a ficar limpo, com a lua cheia surgindo por de trás das nuvens, agora bem menos carregadas, o carro de Enoque singrava pelas ruas em alta velocidade, indo para o local do segundo atentado. Dentro do veículo, Vinicius mexia no rádio, passando de uma estação para outra, procurando algo que realmente valesse à pena escutar, enquanto o detetive ao volante pensava no quão irritante era essa restrição musical do seu parceiro e, no banco traseiro, Clara observava a paisagem urbana ao mesmo tempo em que continuava a vasculhar os confins da própria mente, tentando recordar-se de qualquer outra pessoa de Galatéia que pudesse estar residindo ali. - Talvez não seja alguém de Galatéia… - comentou a jovem, após muito pensar e concluir que, se houvesse mais algué
Com as ruas esvaziadas de qualquer tráfego, Roberto sentia-se livre para dirigir em altíssima velocidade e, valendo-se da situação crítica com a qual a polícia estava lidando, aproveitou para atravessar vários sinais vermelhos com os sinalizadores sonoro e luminoso devidamente ligados. Dificilmente um policial de Maité tinha a oportunidade de fazer isso numa situação oficial que não fosse, por exemplo, o transporte emergencial de uma mulher em trabalho de parto ou a escolta de alguma autoridade, como um governador, senador, presidenciável ou quem estivesse ocupando a presidência da república. - Você está dirigindo bem melhor. - comentou Daniele, entre bocejos no banco do carona. Ela era uma mulher de pele clara, com algumas
...Despertou subitamente, inspirando o ar como se ele fosse o sopro divino primordial insuflado diretamente em suas narinas para dar-lhe a dádiva da vida. Seu peito doía muito, mais especificamente, a área próxima ao ombro. Sem se levantar, ele olhou para lá e viu uma longa e fina agulha fincada no seu corpo. Retirou-a e somente depois disso é que procurou se sentar, a cabeça doeu muito durante o processo e, uma vez sentado, a intensidade da dor foi reduzindo. Ao recordar-se do que ocorrera, Roberto subitamente virou-se para a sua direita, buscando pelo furgão, que já não se encontrava mais ali, e pela sua parceira. Daniele encontrava-se caída sobre a calçada, imóvel. O investigou gelou da cabeça aos pés e, desprovido de qualquer esperança, levantou-se com dificuldade e seguiu cambaleante até onde ela se encontrava. As lágrimas singraram-lhe a