Joguei o sapato com o salto quebrado em um canto, uma pena, eram belos pares violetas aveludados. Tinha até fivela na ponta. Se perguntassem, eu diria que cai e o quebrei. Peguei outros qualquer e os calcei no lugar. Bati com a mão no vestido o máximo que podia, para retirar a poeira das prateleiras velhas. Aproveitei também para coçar bastante as pernas.
Eu me sentia uma heroína, e deveria haver uma lei que proibisse o uso de sapato alto, véu e espartilho por heroínas. São vestes que incomodam muito.
Peguei uma tesoura e levantei a saia de tecido do vestido, com a mão torta - afinal a aula de etiqueta serviu para algo - consegui cortar boa parte do véu embaixo, que tanto pinicaram minhas canelas durante a aventura.
— Berth? — Uma voz longínqua e desesperada me chama, tão baixinha que chega a ser um sussurro. — Berth!?Abri os olhos bem devagar, mas logo precisei fechá-los de novo, obrigada por uma luz ofuscante.A voz continuou me chamando, e logo acabo a reconhecendo, era Perséfone. Só podia ser Perséfone. Além da voz, também haviam mãos. Atrás da minha nuca, nos meus braços. Dois pares de mãos. Tinha mais alguém com ela.Atrevo-me a abrir os olhos mais uma vez, incomodada pela luz, porém, também aquecida por ela e feliz por vê-la. Era o sol, sem dúvidas nosso sol. Redondo, amarelo e brilhante, lá no alto do céu, aquecendo-nos todos os dias, um bom
Fiquei boquiaberta, assustada. Mal podia crer que estava frente a frente com ela. Era bem diferente do que eu imaginava, e pelo jeito não haviam mais ruivos na família real em nossa época.A explicação era simples, não fomos teletransportadas. Continuamos no mesmo lugar em que o colar foi usado, perto do poço, mas cerca de 300 anos no passado. Apenas o tempo havia sido alterado, não o local.Isso piorava muito mais nossa situação, se estivéssemos apenas em outro lugar de Artémise, ou mesmo em outro reino, na nossa época, havia uma chance de voltarmos para casa. Agora, nossa casa nem mesmo existia. Nossos pais nem tinham nascido ainda. A única forma de tentar voltar era usando o colar de novo, e torcer para ele funcionar revertendo a magia, e não nos levando para uma época ainda mais distante.
O tempo foi passando e passando, mais calor, mais suor e mais silêncio. A tensão prosperando naquele quarto sujo, queríamos discutir uma forma de resolver nosso problema, mas a primeira palavranunca era dita.As únicas coisas que ouvimos era o ruído do rato e os fungos de Amália. Se pelo menos Perséfone estivesse sozinha comigo, a situação seria menos pior.Será que já tinham sentido nossa falta?Se sim, talvez nos considerassem criminosas. Eles podiam fazer uma vistoria na sala das coisas mágicas e descobrir que a partícula de sol havia sumido. Se voltássemos seríamos presas, as três. Talvez até mortas.O que aco
Annethy disse-nos palavras encorajadoras, mas nada chegava aos meus ouvidos. Levei as mãos ao rosto e continuei aos prantos. Perséfone me afastou do corpo do homem, obrigando-me a olhá-la.- Eu matei esse homem, Perséfone! Eu matei um homem, você não entende! - Insisti.Annethy voltou sua atenção para o corpo, analisado-o. Balançou a cabeça positivamente, e com felicidade se dirigiu a mim.- Não, meu anjo, você não o matou. Apenas o feriu gravemente.- Você acha? - perguntei esperançosa.- Já lutei em uma guerra, sei reconhecer um homem morto. - garantiu. A ponta da sua espada
Corremos para fora do quarto, Perséfone tornou a guardar o colar no espartilho, mas seu brilho ia ficando aos poucos mais intenso, não daria para disfarçar. Pedimos informação a criada que passava, descobrindo onde Amália estava e descemos a escadaria às pressas, ansiosas para encontrá-la lá fora, onde tomava um pouco de ar.Eu não sabia ao certo o que sentir sobre a conversa com Perséfone, não duvidava que me ajudasse, já tinha gastado dinheiro comigo uma vez, quando pagou minha mãe a dívida por ter me criado. O que me incomodava mesmo era aquele papo de precisar de mim. Não conseguia acreditar muito que me considerasse uma amiga ou que temesse me perder. Ela nunca deu muitos indícios de afeição para comigo, mas, por outro lado, eu nunca estive tão
Não descansamos. Me joguei na cama, queria dormir, sentir o travesseiro fofo sobre minha cabeça e o cheiro gostoso dos lençóis. Esqueci apenas que era manhã e logo Angel, sem fazer a mínima ideia da nossa aventura no passado, chamaria-nos para cumprir o cronograma do penúltimo dia no castelo.Após bater na minha porta, sua doce voz anunciou que nosso dia estava cheio de encontros com nobres. Ela nos deu um tempo para cuidarmos da aparência.Passei bastante tempo no quarto de banhos, mas na hora de vestir-me fiquei mais desleixada, escolhendo um vestido cor-de-carne com um laço rosa terrível como cinto, Amália e Perséfone não fizeram muito melhor.Era estranho olhar para os lugares do pal&aa
Não tenho certeza de quando peguei no sono, só sei que chorei muito e meus sonhos foram com mortes, torturas e sangue. Aterrorizantes.Uma criada bateu na porta bem cedo, com uma bandeja de frutas, pão e suco. Uma mocinha jovem e adorável, que deve até ter se horrorizado com minha aparência deplorável de sofrimento.— Por que o café da manhã é no quarto hoje? — questionei, quase derrubando a bandeja que trouxe.— Senhorita. — Reverenciou-me desnecessariamente. — As ordens de Angel são especiais, fui designada a cuidar de pormenores enquanto a senhorita passará o dia em aulas de etiquetaRevirei os olhos, não poderia
Todos olharam de Perséfone para Evelyne. Ninguém sabia como reagir. Eu já imaginava que algo do tipo iria acontecer, mas até o último segundo acreditei que ela colocaria a vida na frente do orgulho, o que não ocorreu.O sorriso no rosto de Evelyne sumiu, ela arqueou a cabeça, percebendo que Perséfone não seria mais um verme assutado; pobre coitada, sim, mas não covarde.Ela levantou-se de sua cadeira, no que todos acompanhamos.— Foi um prazer jantar com vocês, meus súditos. Retirem-se, aproveitem a noite e aguardem o raiar do sol. Amanhã voltarão para suas casas. A Perséfone fica, ela vai me dar umas dicas de como governar meu reino.
Último capítulo