Todos olharam de Perséfone para Evelyne. Ninguém sabia como reagir. Eu já imaginava que algo do tipo iria acontecer, mas até o último segundo acreditei que ela colocaria a vida na frente do orgulho, o que não ocorreu.
O sorriso no rosto de Evelyne sumiu, ela arqueou a cabeça, percebendo que Perséfone não seria mais um verme assutado; pobre coitada, sim, mas não covarde.
Ela levantou-se de sua cadeira, no que todos acompanhamos.
— Foi um prazer jantar com vocês, meus súditos. Retirem-se, aproveitem a noite e aguardem o raiar do sol. Amanhã voltarão para suas casas. A Perséfone fica, ela vai me dar umas dicas de como governar meu reino.
Na manhã seguinte acordei mais animada, com saudades do vilarejo e satisfeita pela minha aventura. Queria contar para todos sobre ter conhecido a rainha Annethy e libertado uma fada, pena que ninguém acreditaria.A criada que me arrumou no dia anterior me deu um vestido simples e branco, mais delicado, junto com tamancos de madeira. Não podíamos levar nada conosco para casa, exceto aquelas roupas.— A senhorita ainda se acha uma fraude? — perguntou enquanto fazia duas tranças no meu cabelo, tradicional penteado que há tempos não usava.— Não, agora eu me acho incrível. Às vezes me acho uma fraude, às vezes incrível. Acho que a vida se trata disso.
Passei a noite toda com Reana, e ela até se mostrou uma moça agradável. Comemos cerejas quase podres e eu a contei sobre todas as maravilhas que vi no castelo. Já estava sentindo falta da comida boa. Dei uma olhada nos meus poucos pertences. Roupas remendadas, bugigangas, um espelho enferrujado pequeno e um colchão. Não quis responder para onde iria quando Devan voltasse, esperava que Perséfone desse alguma resposta até lá. No dia seguinte, me arrumei e segui para a loja. Não tinha certeza se estaria aberta, mas resolvi arriscar.Por cautela, fui com o mesmo vestido branco com o qual cheguei do castelo. Não queria que Reana roubasse. Cheguei um pouco tarde, mas Perséfone ainda estava abrindo.— E aí?
A carruagem parou em frente a uma das casa e descemos com nossas bolsas. Olhei ao redor, admirada. Todas as ruas, diferente de Artémise, eram de pedra, não de areia. Bem perto, um homem velho cortava pescoços e pés de galinha em uma mesa de madeira, gritando preços.— Deplorável, e sujo. Está vendo, Berth? Nunca mais reclame de Artémise, esse lugar é pior.— Pelo menos aqui se tem comida de verdade, não cerejas — Aylet replicou, batendo na porta da casa.Era uma casa grande, paredes cor-de-terra com duas janelas grandes e fechadas. Não tinha jardim. Era engraçado, mas nem todas as casas possuíam jardim na frente, apenas uma pequena calçada. Em Artémise jardin
Ok, primeiramente, Berth, eu não sei contar uma história. Então isso será breve e entediante. Presta atenção que só vou contar uma vez.Na lembrança mais antiga que tenho dele, devia ter uns 5 anos, ou menos. Era uma criança detestável, mas não tinha traumas, ainda não.Algodão, foi esse o nome que Aylet o deu, um gato branco de olhos bem azuis, magricela. Quando ele chegou, corri para ver. Aylet segurava no colo, acariciando e dizendo coisas fofas e nojentas.Eu não tinha medo ainda. Quando minha mãe o pôs no chão, fui tentar tocá-lo e ganhei um arranhão no braço, ele se arrepiou todo pra me atacar, pronto para cortar minha garganta com
A história que Perséfone me contou naquela noite foi muito esclarecedora, não pude deixar de sentir um pouco de dó, do gato, não dela. A forma como contou me fez perceber que sua infância foi tão ruim quanto a minha, embora tenhamos tido formas bem diferentes de lidar com tudo. O gato era a vítima, a não ser que fosse enfeitiçado ou algo do tipo. Aylet era a pessoa horrível, que transformou a filha em outra pessoa horrível.As peças se encaixaram, tudo fez sentido. Finalmente descobri os motivos para mãe e filha se odiarem tanto e por Perséfone ter tido medo quando vimos Aristóteles pela primeira vez.Logo cedo, para meu mais completo nojo, Aylet nos acordou anunciando que o dia seria importantíssimo, e eu queria e
Tentei organizar as informações na minha mente, era a única forma de recuperar a calma.A avó de Perséfone foi uma bruxa com grande poder, queimada na fogueira por desrespeito ao decreto de proibição do uso de magia. Suas filhas, Aylet e Daya, a assistiam morrer em praça pública, e depois foram seladas de alguma forma, sendo impedidas de utilizar magia novamente. Agora Aylet queria que Perséfone usasse seu potencial mágico hereditário para se vingar do reino. O senhor Ernie não era pai dela.Eu não sabia se aquilo era alguma estratégia de Aylet, ou se ela falava a verdade. Todos os presentes estavam com os nervos à flor da pele. Poderia ser uma besteira dita na hora da emoção. Essa curta esperança durou ap
A manhã do dia seguinte se passou com uma interminável reunião em família. Eu pensei que pelo menos estaria livre para passear pelas ruas próximas, mas Daya me colocou para lavar roupa. Após esfregar dezenas de vestidos em uma bacia velha, tiveram a bondade de me oferecer um almoço decente, e até me deixaram sentar à mesa. Para não abusar da sorte, fiquei totalmente calada, só abria a boca para mastigar.— Você vai levar para Aberdeen todos os livros, receitas e diários da sua avó. É muito preciso, por isso, tenha cuidado. — Daya aconselhou Perséfone.— Não se preocupe, tia.— Irei te instruir em tudo que precisar, Perséfone. Se eu n&atild
Nada de extraordinário aconteceu no restante daquele dia, Perséfone ficou em seu quarto. Contei minha versão da história para a fada, torcendo para, lá do seu reino, ela está me ouvindo. Só entrei no quarto novamente bem a noite, para dormir, e não nos falamos.Na manhã seguinte acordamos cedo, meus poucos pertences foram organizados e esperamos Aylet se pronunciar.— Duas carruagens, Perséfone tem muita bagagem para levar — anunciou. — Oh, Berth! Você pode ir na carruagem junto com as malas.— Claro, porque eu também sou bagagem — respondi com audácia, mas ela nem pareceu ouvir.Com muito drama, Daya se despediu del