LucasOs dias seguintes à nossa conversa pareciam um exercício de resistência. Eu estava tentando me abrir, mas cada palavra parecia um passo em um campo minado. Claire, por sua vez, era uma fortaleza de paciência. Mesmo assim, não podia ignorar a tensão que crescia entre nós — não por falta de amor, mas pela incerteza de como avançar.Naquela manhã, enquanto o sol iluminava a mansão e Gabriel corria pela sala, notei algo em Claire que me deixou inquieto. Ela estava sentada à mesa da sala de jantar, segurando uma xícara de café com ambas as mãos, mas seu olhar estava fixo em algo que só ela podia ver.— Claire? — perguntei, aproximando-me. — Está tudo bem?Ela piscou, como se estivesse voltando de um lugar distante. — Sim, só estava pensando.Sentei-me ao seu lado, tentando decifrar a preocupação em seus olhos. — Em quê?Ela hesitou, olhando para a xícara antes de responder. — Em como nossas vidas mudaram tanto em tão pouco tempo. Às vezes, parece que não conseguimos um momento para r
ClaireOs dias no hospital começaram a se arrastar como semanas. Lucas ainda não se lembrava de mim ou de Gabriel. Cada visita era um teste para a minha paciência, para minha esperança. Mesmo quando ele olhava para nós com um vago sorriso educado, era como se um abismo se abrisse entre o homem que ele era agora e o homem que eu amava.Gabriel, por outro lado, parecia encarar a situação com a inocência de seus quatro anos. Ele não entendia por que o pai não o abraçava com a mesma empolgação de antes, mas ainda assim tentava. Cada vez que entrávamos no quarto de hospital, Gabriel levava um de seus desenhos ou um brinquedo favorito, como se algo familiar pudesse reacender as memórias de Lucas.Naquela manhã, a sala de Lucas estava especialmente quieta. As máquinas emitiam seus sons regulares, e a luz do sol filtrava-se pelas cortinas. Ele estava sentado na cama, os olhos fixos em um livro que Giulia havia trazido, mas, ao me ver, fechou-o com cuidado.— Bom dia, Claire — disse ele, com a
ClaireOs dias seguiam como um exercício constante de paciência e resiliência. Lucas ainda estava no hospital, preso na estranha desconexão que sua mente insistia em manter. Ele era fisicamente o homem que eu amava, mas emocionalmente, parecia um estranho. Eu precisava acreditar que havia uma forma de atravessar esse abismo.Era uma manhã cinzenta quando decidi tentar uma abordagem diferente. Gabriel e eu fomos ao parque antes de irmos ao hospital, e ele correu entre as árvores, rindo como sempre fazia. Algo sobre aquele momento parecia certo. A natureza vibrava com vida, mesmo sob o céu nublado. Talvez fosse isso que Lucas precisava: um vislumbre da simplicidade que uma vez compartilhamos.Voltamos para casa e preparei uma cesta com coisas familiares. Escolhi cuidadosamente: uma foto nossa emoldurada, o perfume que eu sempre usava, o pequeno casaco que Gabriel vestia quando nasceu. Cada item era uma peça do quebra-cabeça que eu esperava que ajudasse Lucas a reconstruir sua memória.Q
ClaireOs dias se arrastavam, um após o outro, como uma rotina sem fim. Levantar, preparar o café da manhã para Gabriel, levá-lo à escola e, depois, passar horas no hospital com Lucas. Cada dia era uma batalha silenciosa contra a sensação de perda. Eu sabia que ele estava ali, vivo, mas o homem que ele era — o homem que eu amava — parecia inalcançável.Naquela manhã, Gabriel estava animado. Ele parecia perceber, de alguma forma, que Lucas começava a fazer pequenos progressos, mesmo que não tivesse plena consciência disso.— Mamãe, o papai vai lembrar hoje. Eu sei que vai! — ele disse, segurando minha mão enquanto caminhávamos para o carro.Eu queria acreditar nas palavras do meu filho. Queria agarrar aquela esperança infantil que ele carregava com tanta naturalidade. Mas a realidade era muito mais dura. Lucas estava lutando, sim, mas sua memória era um quebra-cabeça cujas peças estavam misturadas e perdidas.Quando chegamos ao hospital, encontramos Lucas sentado à beira da cama, olhan
ClaireA noite havia sido longa. Depois de deixar o hospital com Gabriel, deitei-me no sofá da sala, abraçada ao vazio do silêncio. O relógio tiquetaqueava, uma lembrança implacável de que o tempo passava, mas para Lucas, ele parecia ter congelado.Gabriel dormia tranquilamente no quarto ao lado. O pequeno ainda carregava uma esperança que eu temia perder. Toda vez que ele dizia "O papai vai lembrar", eu sentia meu coração se partir em dois — metade ansiava por isso com todas as forças, enquanto a outra temia que nunca acontecesse.Eu precisava ser forte, por Gabriel, por Lucas. Mas às vezes a força parecia um fardo pesado demais.Na manhã seguinte, enquanto o sol despontava no horizonte, tomei coragem para mais uma visita ao hospital. Gabriel estava animado como sempre, segurando sua mochila com alguns desenhos que havia feito para o pai.— Mamãe, o papai vai adorar esses aqui! — disse ele, mostrando um desenho em que nós três estávamos juntos, sorrindo.Sorri, apesar do nó na gargan
ClaireO relógio marcava pouco mais de nove da manhã quando recebi o telefonema da equipe médica. Eles haviam notado mudanças sutis no comportamento de Lucas desde nossa última visita. O médico sugeriu que fosse uma boa ideia continuar com as visitas regulares, incentivando a exposição a momentos familiares.Eu concordei sem hesitar. Cada pequeno progresso era uma fagulha de esperança, e por mais desgastante que fosse, eu sabia que precisava manter essa chama acesa.— Gabriel, vamos visitar seu pai mais uma vez hoje, — anunciei enquanto o pequeno se vestia, puxando uma camiseta azul que Lucas havia comprado para ele em nosso último aniversário juntos.— Oba! — Gabriel gritou, empolgado, mas seus olhos brilharam com algo mais profundo. Era fé, pura e inabalável, no retorno de sua família.Preparei uma sacola com fotos, alguns vídeos no tablet, e itens que poderiam ajudar Lucas a recuperar as memórias. Havia álbuns de viagens, bilhetes antigos, até mesmo um dos seus relógios que havia p
ClaireNaquela manhã, o céu estava carregado de nuvens cinzentas que pareciam refletir o peso em meu coração. Desde que Lucas havia perdido a memória, cada dia era um novo desafio. Ele estava diferente — mais calmo, mais observador, mas ainda assim, um estranho em muitos aspectos.Gabriel estava na cozinha, mordendo uma torrada enquanto rabiscava algo em um pedaço de papel. Ultimamente, ele parecia determinado a ajudar Lucas a se lembrar, desenhando momentos que ele achava importantes. Hoje, ele havia desenhado uma grande árvore com um balanço pendurado em um galho.— Essa era a árvore do jardim, mamãe. A gente costumava brincar lá. O papai me empurrava no balanço, lembra? — Ele me mostrou o desenho com orgulho, seus olhos brilhando com esperança.— Sim, lembro sim, meu amor, — respondi, sorrindo. — Vamos mostrar para ele hoje.Peguei o desenho e o guardei na bolsa junto com outras memórias que esperava compartilhar com Lucas. Havia álbuns, cartas antigas e um pequeno caderno onde eu
ClaireA noite estava calma, mas meu coração não. Desde o dia em que levei Gabriel para visitar Lucas no hospital, algo havia mudado. Não eram as memórias que tinham retornado para ele — ainda não. Mas eu podia sentir que algo começava a despertar dentro dele, como um fogo lento prestes a ganhar força.Estávamos na sala de estar, Gabriel brincando com seus carrinhos enquanto eu olhava pela janela. As luzes da cidade ao longe eram um contraste gritante com a escuridão dentro de mim. Perguntei-me, mais uma vez, se havia algo que eu pudesse fazer para ajudar Lucas. As visitas, as memórias que compartilhávamos, tudo parecia tão insuficiente.— Mamãe? — a voz de Gabriel interrompeu meus pensamentos.— Sim, meu amor? — perguntei, me voltando para ele.— Quando vamos visitar o papai de novo? Ele parecia feliz com a música que você colocou. Acho que ele gosta de ouvir coisas que faziam parte da nossa vida. — Ele falava com a sabedoria ingênua de uma criança, mas suas palavras atingiram algo d