CLAIREO dia parecia calmo, quase tranquilo demais. Lucas tinha uma reunião de negócios fora da cidade, algo de última hora que ele insistiu em resolver pessoalmente. Não era incomum, mas meu coração estava inquieto desde o momento em que ele saiu.Enquanto andava pelos corredores da mansão, sentia um peso inexplicável. Aquele tipo de pressentimento que você não consegue explicar, mas que se recusa a ignorar. Para tentar afastar o desconforto, fui até o jardim, o lugar que Lucas e eu costumávamos usar para planejar nosso futuro.Meu celular vibrou. Quando o peguei, vi que era um dos seguranças pessoais de Lucas. Meu coração parou por um instante antes de atender.— Senhora Claire... — a voz do homem soou hesitante, quase trêmula.— O que aconteceu? — perguntei imediatamente, sentindo o pânico subir pela garganta.— O helicóptero de Lucas sofreu um acidente. Ele foi levado ao hospital mais próximo, mas está em estado crítico.Meu mundo parou. Aquele momento parecia surreal, como se est
CLAIREO ar parecia pesar em meus pulmões enquanto caminhava pelos corredores brancos e silenciosos do hospital. Gabriel segurava minha mão com firmeza, seus olhos brilhando com a curiosidade de quem não entendia completamente a gravidade da situação. Ele tinha apenas três anos, mas era esperto o suficiente para perceber que algo estava errado.— Vamos ver o papai? — perguntou ele, sua voz suave e cheia de esperança.Meu coração apertou. Como explicar a ele que o homem que tanto amávamos não sabia mais quem éramos?— Sim, meu amor, vamos, — respondi, forçando um sorriso que não alcançava meus olhos.Quando chegamos ao quarto, Lucas estava sentado na cama, olhando pela janela com uma expressão distante. Ele parecia perdido, como alguém preso em um mundo que não fazia sentido.— Lucas? — chamei, minha voz baixa, quase hesitante.Ele virou a cabeça lentamente, seus olhos azuis fixando-se em mim. Por um breve momento, algo brilhou em seu olhar, uma sombra de reconhecimento. Mas desaparece
CLAIREOs dias desde o acidente de Lucas pareciam uma mistura de pesadelos e pequenos vislumbres de esperança. Gabriel não entendia completamente a situação, mas sua inocência era um bálsamo para a dor que eu carregava. Lucas, por outro lado, permanecia preso em uma névoa de incertezas. A cada visita ao hospital, tentávamos reconstruir o que havia sido destruído — nossa família, nossa confiança, e, acima de tudo, nosso amor.Naquele dia em particular, decidi levar algo especial. Algo que talvez pudesse ajudá-lo a reconectar os pedaços de sua memória. Era uma pequena caixa de madeira, gasta pelo tempo, com objetos que contavam nossa história. Fotografias, cartas, um pequeno ursinho de pelúcia que Gabriel havia dado a ele no aniversário do ano passado.— Por que estamos levando isso, mamãe? — perguntou Gabriel, segurando a caixa com cuidado enquanto caminhávamos pelo corredor do hospital.— Porque, meu amor, às vezes as coisas que guardamos com carinho podem ajudar a lembrar quem somos,
CLAIREOs dias que se seguiram à visita ao hospital foram uma dança delicada entre esperança e frustração. Lucas permanecia preso em sua confusão, tentando reunir os fragmentos de uma vida que ele não conseguia acessar. Eu também estava aprendendo algo novo — como amar alguém que era ao mesmo tempo meu marido e um estranho.Naquela manhã, decidi voltar ao hospital sozinha. Não era por falta de vontade de levar Gabriel, mas porque precisava de um momento para conversar com Lucas sem a pressão de apresentar a imagem perfeita de família. Ele precisava de espaço para confrontar seus sentimentos e eu, para lidar com os meus.O quarto estava silencioso quando entrei. Lucas estava de pé perto da janela, olhando para fora. A luz do sol iluminava seu rosto, destacando as linhas de preocupação que agora eram constantes.— Claire, — ele disse, reconhecendo minha presença sem se virar.— Bom dia, Lucas, — respondi, fechando a porta atrás de mim. Caminhei até ele, ficando a poucos passos de distân
CLAIREOs dias passavam devagar, como se o tempo estivesse nos testando. Eu me segurava a cada fio de esperança, por mais frágil que fosse, enquanto Lucas continuava em sua luta silenciosa para encontrar algo de si mesmo em um passado que ele não conseguia acessar.Hoje, decidi tentar algo novo. Não uma conversa direta, não um simples apelo às suas emoções. Desta vez, eu o levaria para fora do hospital, para um lugar que talvez pudesse despertar algum vestígio de memória.Quando cheguei ao quarto, Lucas estava sentado na cama, mexendo no bracelete que Gabriel tinha dado a ele no dia anterior. O bracelete tinha letras coloridas formando a palavra "PAPAI", e, embora Lucas não se lembrasse de ser pai, não tirava o objeto do pulso desde que Gabriel o entregou.— Pronto para uma pequena aventura? — perguntei com um sorriso encorajador.Ele ergueu o olhar para mim, curioso. — Que tipo de aventura?— Uma que pode ajudar você a se lembrar de quem é.Ele hesitou por um momento antes de acenar
CLAIREDepois da visita de Gabriel ao hospital, algo mudou. Não foi o suficiente para que Lucas recuperasse suas memórias, mas a conexão entre ele e nosso filho começou a crescer. Aos poucos, a desconfiança inicial deu lugar a momentos genuínos de interação. Gabriel, com sua energia inesgotável, não dava chance para a melancolia.Naquela manhã, quando entramos no quarto de Lucas, ele já estava acordado, mexendo no bracelete que Gabriel lhe deu. O pequeno correu até a cama, trazendo um caderno de desenhos nas mãos.— Papai, olha o que eu fiz! — disse Gabriel, subindo com facilidade e abrindo o caderno no colo de Lucas.Os desenhos eram simples, com traços infantis, mas cada um contava uma história. Um mostrava os três juntos no parque, outro na praia, e um último com Lucas segurando Gabriel nos ombros.Lucas analisava os desenhos com atenção, como se estivesse tentando extrair deles algo mais profundo.— Você desenhou tudo isso? — perguntou ele, a voz carregada de curiosidade.— Sim! E
CLAIREA manhã estava ensolarada, o tipo de dia que sempre me lembrava das vezes em que Lucas, Gabriel e eu íamos ao parque fazer piqueniques. Ainda que essas memórias fossem apenas minhas agora, elas eram o combustível que me dava força para continuar tentando trazê-lo de volta para nós.Gabriel estava animado para ver o pai novamente. Ele vestiu a camiseta favorita — azul com pequenos dinossauros — e insistiu em carregar uma sacola com desenhos novos para mostrar a Lucas. Eu admirava a forma como ele tratava o pai com naturalidade, mesmo diante da distância imposta pela amnésia.No hospital, caminhamos até o quarto de Lucas, que já estava de pé, olhando pela janela. Sua postura parecia um pouco mais ereta, como se ele estivesse começando a recuperar algo de sua força interior. Quando nos viu entrar, seu rosto se iluminou, embora houvesse uma sombra de incerteza em seus olhos.— Papai! — Gabriel correu até ele, subindo na cama com a habilidade de alguém que já fazia isso há anos. — O
CLAIREAs manhãs haviam se tornado um ritual. Todos os dias, Gabriel e eu visitávamos Lucas no hospital, tentando reconstruir os laços que o acidente havia rompido. Cada passo era lento e cheio de incertezas, mas eu sabia que não poderia desistir.Era sábado, e Gabriel insistiu em levar algo especial para o pai. Ele passou a manhã pintando um quadro em cores vibrantes: um céu azul, árvores verdejantes e uma família de mãos dadas. Era simples, mas carregava toda a essência de quem éramos — ou de quem Gabriel acreditava que ainda podíamos ser.— Mamãe, será que o papai vai gostar? — ele perguntou, segurando o quadro com um brilho nos olhos.— Tenho certeza de que ele vai amar, querido, — respondi, ajoelhando-me para ajeitar o cachecol ao redor de seu pescoço.Quando chegamos ao hospital, Lucas estava sentado na cama, folheando o caderno de desenhos de Gabriel. Sua expressão era introspectiva, como se estivesse tentando absorver cada detalhe. Ao nos ver entrar, um sorriso tímido iluminou