A observo enquanto dirige, as mãos fortemente apertadas ao volante, mandíbula contraída, rosto tenso. Meus olhos se estreitam, enquanto a analiso. Tentando compreender os últimos acontecimentos que me levaram até esse momento.
Não sei o que me fez segui-la até aqui. Não consigo explicar o motivo pelo qual entrei no carro e não a matei ou a levei para Organização como era a minha missão. Tinha estado a sua procura com um único propósito; prendê-la ou matá-la. Mas nada disso parece importante, agora.
Talvez o fato de meu passado ser apenas um grande vazio escuro e profundo que não consigo alcançar, tenha me deixado reticente em cumprir a minha missão, principalmente pelo fato de que Spider parece saber muito sobre o meu passado. Talvez esteja cometendo um erro, mas essa pode ser a única chance que terei de saber a verdade sobre mim mesmo.
Há dez anos, acordei em uma cama de hospital, sozinho, confuso e sem memória. Segundo o médico, Dr. Belikov, estava voltando de uma missão para entregar suprimentos médicos a uma das colônias, quando sofri uma emboscada e fui atacado por membros da resistência. Ele tentou preencher as lacunas, mas não conseguia formar uma imagem mental de tudo o que ele me contou. E isso era extremamente frustrante.
Lanço um breve olhar em direção a Spider a aperto as mãos em punho. Saber que ela faz parte dessa Organização terrorista, que quase me levou a morte e luta contra o sistema criado para salvar o nosso País, me faz questionar o que estou fazendo dentro desse carro.
Há algo em Spider que faz com que sinta coisas impossíveis de serem definidas e isso me confunde, como se o vazio que sempre senti em meu peito pudesse finalmente ser preenchido. A sensação que sinto, pela primeira vez é que esse é o lugar onde eu deveria estar, mas mesmo com esses sentimentos conflitantes dentro de mim, sou surpreendido quando inclino meu corpo para o lado e puxo o volante de sua mão, fazendo-a perder o controle do veículo. Em um momento, estou observando seu rosto concentrado e, no seguinte, estou lutando contra ela, como se não tivesse escolha. Como se meu corpo não me pertencesse e as mãos no volante fossem de outra pessoa e não as minhas.
O carro sai da estrada, sua lateral chocando-se contra a barreira de proteção e estamos girando no ar, capotando várias vezes pelo desfiladeiro.
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Meus ouvidos estão zunindo quando me arrasto para fora do veículo, que está com as rodas para cima, ao contrário. Minha cabeça pulsa com o golpe no vidro, sangue quente e pegajoso escorrendo pelo meu rosto.
Tento levantar, apenas para cair de joelhos na grama, com a visão embaçada e as pernas trêmulas. Como se meu corpo todo fosse feito de gelatina.
Respiro pausadamente, tentando conter a tontura que faz tudo girar, como se ainda estivéssemos no ar.
— Spider! — o timbre rouco e profundo da voz de Shadow me fez erguer a cabeça, ignorando a dor latejante.
Sua fisionomia é desbotada pela minha visão precária. Tento me concentrar e apoio as mãos no chão, sentindo a bílis subir em minha garganta e não consigo conter o vômito, lançando uma golfada de sangue no chão.
A batida foi muito forte, sinto em cada parte do meu corpo e tenho certeza de que, se fôssemos pessoas normais, não teríamos sobrevivido a esse acidente. Não posso apontar um único lugar que não doa e não sei o que fazer para colocar meu corpo em movimento.
Ouço as vozes ao longe e sei que estão vindo. Respiro fundo e forço minhas pernas ao máximo tentando me levantar, mas não consigo. Pontos brilhantes dançam diante de meus olhos e solto um bramido com a dor lancinante que trespassa meu crânio. Meu desejo e deitar e fechar os olhos por apenas um momento, mas sei que se fizer isso, a proxima vez que tornar a abrí-los vou estar presa com a organização e isso não é uma maldita opção.
Em um segundo, Shadow se aproxima.
— Não me entregue a eles — suplico, ao perceber que não terei nenhuma chance de lutar, quando seus braços me rodeiam, erguendo-me do chão.
Forço meus olhos e vejo sangue por todo seu rosto. Sua mandíbula travada em uma careta de dor, pelo esforço de suportar o peso extra do meu corpo.
— Me dê um motivo — pede em um sussurro.
Tenho mil motivos para que não me entregue, mas digo o único que realmente importa.
— Porque sabe que não quer fazer isso. Sabe que, se me entregar eles vão me matar ou pior me torturar e me fazer desejar estar morta.
Manter os olhos abertos é um esforço sobrehumano e acabo cedendo a dor, esperando que Shadow, faça a escolha certa
— Eu confio em você — afirmo, antes de fechar os olhos e deixá-lo tomar sua decisão.
— Merda! — pragueja, e logo estamos nos movendo. Permaneço com os olhos cerrados, tentando duramente controlar a bílis que sobe em minha garganta com o embalar constante de seus passos apressados embrenhando-se em meio à mata densa.
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Corro o mais rápido que posso, adentrando mais e mais na floresta, a fim de colocar o máximo de distância possível entre nós e os soldados que a caçam. Meu único propósito, naquele momento, era mantê-la segura. "Confio em você" Ela tinha dito e senti suas palavras no fundo do meu coração, como se tivesse me golpeado no peito. Algo despertou em mim e fui sobrecarregado com o desejo de protege-lá. E era isso que estava fazendo, correndo pela sua vida.
A cada passo que dou meus pés pisam nos galhos, os estalando como se uma manada de elefante estivesse passando. Geralmente sou silencioso como uma sombra. Mas o acidente cobra seu preço e sinto a dor alastrando-se pela minha perna. Meu pé com certeza está quebrado. A dor rasga através de mim, conforme avanço, mas ignoro. Respirar é um martírio o que é um indicio de que quebrei algumas costelas. Isso sem contar a minha cabeça que parece estar sendo furada como uma britadeira, mas isso não me impede de continuar, nem mesmo diminuor o meu ritmo. Já passei por coisas piores e consigo controlar a dor. Mesmo com meu corpo sobrecarregado consigo sentir a força trabalhando dentro de mim, como um antídoto, que cura, costura e remenda. E sei que é questão de tempo antes da cura estar completa, com o esfoço extra vai demorar um pouco mais que o normal, mas isso não importa, não quando preciso ajudar a mulher em meus braços.
Corro por um caminho e logo viro para outro lado. Faço isso algumas vezes, seguindo um padrão estranho e confuso para não deixá-los seguir nosso rastro. Preciso encontrar um lugar seguro, para poder definir a extensão dos seus ferimentos e também para deixar a cura agir mais rapidamente em meu corpo. Por mais que consiga suportar a dor, ela me deixa mais lento que normalmente seria. E se eu preciso proteger Spider, não posso me dar ao luxo de ir mais devagar.
Spider tinha razão, eu sei o que eles farão se a pegarem. Eles não terão misericordia e se eles souberem que ela trabalha com a resistência. Irão torturá-la de muitas formas até obterem a localização das pessoas que tem aterrorizado a organização.
Solto um longo suspiro. Deveria estar correndo para eles e não para longe deles. Spider é inimiga do Estado e agora que eu sei que ela faz parte da resistência. Sua prisão seria um golpe para o grupo e só esse fato já era para me incentivar a cumprir com a minha missão e aproveitar que ela não estava em condições de lutar e acabar com isso de uma vez por todas.
Lanço um olhar para Spider em meus braços, o sangue mancha seu rosto e seus cabelos, grudado na pele. Sua face está palida e meu peito se comprime em dor ao vê-la ferida.
Sei qual entregá-la para a organização é o certo a fazer, mas enquanto observo seu estado lastimavel, só consigo pensar que se fizesse isso estaria cometendo um erro terrivel.
"Eu confio em você" Novamente suas últimas palavras antes de fechar os olhos me golpeiam. O que eu fiz para merecer essa confiança? Nada. Mas mesmo assim, ela colocou sua vida em minhas mãos, como se soubesse que mesmo se eu quisesse eu não conseguiria entregá-la.
Contra tudo que sempre acreditei, não consigo conter o desejo intenso e profundo que chuta dentro de mim, gritando para protegê-la. Franzo o cenho, enquanto tento compreender tudo que estou sentindo.
Se eu soubesse quem sou, talvez eu compreende-se o que está acontecendo comigo e o motivo que me leva a segurá-la com força em meus braços, ignorando a dor em meu corpo ferido e forçando as minhas forças além do limite só para mantê-la protegida.
Engulo em seco e olho novamente para a pequena mulher machucada e desmaiada em meus braços.
— Quem é você, Spider? — murmuro baixinho, tendo apenas o seu silêncio como resposta.
Spider— Você pode me colocar no chão, agora? — peço, depois de ter despertado, algum tempo depois ainda sendo carregada por ele.Shadow tem sangue seco nos cabelos e suor escorrendo no rosto pelo esforço que está fazendo para carregar o peso extra.— Você não está bem! — diz, ignorando meu pedido e continuando a caminhar a passos apressados, embrenhando-se cada vez mais na floresta.— Shadow, eu posso caminhar. Fui submetida a um Soro regenerativo, assim como você. A cura já está agindo há algum tempo e, com o descanso em seu colo, já me sinto bem melhor. Está exigindo muito de seu corpo. Coloque-me no chão.Quando descobrimos que Dr. Belikov, o cientista da Organização, criava soldados a partir de um Soro que, não só aumentava sua força física,
Spider— Vocês demoraram — digo, quando King sai cantando pneu com Ramon ao seu lado.Ativei o alerta assim que abri a escotilha para o porão da casa segura, uma medida de segurança muito eficaz, que avisou aos outros dos meus problemas, fazendo-os rastrearem o carro e me encontrarem. Apesar de provocá-los estou grata, por terem chegado bem a tempo.King me olha pelo espelho e bufa.— Porque sempre está catando confusão, Spider? Será que não podemos te deixar um minuto sozinha? — exclama.— Juro que, dessa vez, não fiz nada — respondi erguendo as mãos para o alto.— Como encontraram você na casa segura? Não me diga que se esqueceu de tirar o rastreador dele? — questiona Ramon, me olhando por cima dos ombros.Olho para Shadow desmaiado ao meu lado, depois do tiro com o sedat
Spider Muita coisa mudou por aqui, depois de minha última visita. Ilya pediu para a senhora responsável pela cozinha preparar alguns sanduíches, aos quais devoro avidamente antes de ir para a sala de reuniões. Perco-me algumas vezes por esses corredores, mas finalmente chego à sala de reuniões, onde os outros estão aguardando. Ilya é o líder da resistência, mas, para as coisas funcionarem, elegeu seis comandantes para ajudá-lo. — Esse lugar precisa de um mapa — digo, sentando-me em uma cadeira ao lado de King antes de cumprimentar os outros com um aceno de cabeça. — Sempre vem aqui por pouco tempo. Se ficasse, como sugeri outras vezes, já saberia andar por esses corredores de olhos fechados. — diz Ilya, contemplando-me tão intensamente que, por um momento, volto ao passado e lembro-me de quando decidi sair das proteções que o bunker oferecia para me aventurar no mundo em busca de Shadow. E lá está, em meio às
Shadow— Você não pensa em sair daqui? Descobrir o que tem por trás desses muros? — indaga.Estamos sentados na beira do rio, lado a lado. Cassandra segura seus cabelos longos no alto, como se fosse prendê-los, ergue a cabeça, fecha os olhos e aguarda minha resposta, mas esqueço completamente da pergunta enquanto observo seu pescoço lânguido, que há muito tempo desejo beijar. O que ela faria, se me inclinasse e deslizasse a língua ao longo de sua clavícula, provando da pele delicada. — Ei, Ty... Pisco rapidamente, saindo do transe e afastando o olhar do seu pescoço convidativo. Cas me observa com o cenho franzido.— Por que está olhando para meu pescoço desse jeito? — pergunta. — De que jeito? — disfarço.
ShadowA complexidade da resistência é impressionante. O lugar foi montado e planejado com perfeição. Mas é quando chego ao refeitório que sou surpreendido pelas vozes e risadas, fazendo-me parar na porta abruptamente e absorver a cena nunca antes vista. A expressão em seus rostos me faz ficar aturdido, como se tivesse entrando em algum universo alternativo.— É incrível, não é? — diz Spider, olhando-os com um brilho no olhar. — Isso que é real, Shadow, não aquela falsa felicidade induzida pela colônia.Não consigo falar, estou impressionado demais para conseguir formar uma frase coerente. Meus olhos passeiam de um lado a outro, querendo absorver tudo de uma única vez.— Tia Spider — grita uma menina do outro lado do salão, fazendo um sorriso despontar no r
SpiderA reação de Shadow ao sentir o aroma do macarrão temperado com especiarias me fez sorrir ao lembrar da minha própria reação ao me deparar, pela primeira vez, com o cheiro delicioso de comida de verdade, ao invés daquela porção grudenta de ração que distribuem na colônia.Geralmente, quando estou na resistência, sento-me à mesa dos comandantes com Ilya e Ana, mas não sei se Shadow está preparado para o interrogatório que certamente Ramon, que não tem um pingo de tato, fará. Então o levo para uma mesa vazia, não muito distante de onde eles estão.Comemos em silêncio, enquanto ele saboreia a comida como se fosse o néctar dos Deuses, e lembro da sensação prazerosa que senti quando Ilya me levou um prato de sopa, assim que acordei.Estava muito
SpiderNa parte de trás da casa, fora montada uma pequena pracinha para as crianças poderem brincar um pouco ao ar livre e sentirem o sol na pele.A propriedade afastada dá certa segurança, principalmente porque a casa cobre toda a frente, bloqueando a visão dos fundos para quem passa pela estrada de terra.Fico observando Ana correr atrás de uma borboleta, depois de cansar de se balançar, encantada com aquela pequena criatura de asas coloridas.Ao nascer, ela era tão pequena e frágil. Apesar de todos os cuidados do Dr. Benjamin, todos pensavam que não sobreviveria. Quando sua mãe fora resgatada, estava com 3 meses de gestação. Belikov a tinha submetido a altas doses da droga e de outra “vacina” que, segundo ele, fortaleceria a imunidade do bebê.No quarto mês, a pequena Ana nasceu, mas sua mãe não sobrevi
ShadowQuando entrei no grande salão atrás de Spider, a última coisa que poderia esperar era encontrá-la nos braços de outro homem.Fiquei parado na porta por alguns segundos, observando-os com as mãos apertadas em punho. Fui arrebatado por uma onda de fúria nunca antes experimentada, para logo sentir meu peito apertar em dor, com um sentimento, até então, desconhecido.— Você está bem? — pergunta, fitando-me com o cenho franzido e, só então, me dou conta de que estou olhando fixamente para a porta por onde Abramov acabou de sair.Posso não entender muito sobre emoções, mas já tinha notado a forma com que seus olhos a seguem sem que ela perceba ou o brilho lúbrico de seu olhar, e suas palavras apenas confirmaram o que já suspeitava: Abramov a ama.— Estou bem — afirmo, v