— Agradeço, Gerald. Desejo que meu retorno seja mesmo apreciado por todos, e no que puder contribuir ao reino e ao vosso reinado, cara prima, será uma grande honra. — Tentava me manter firme, no entanto, por dentro, queimava de angústia sempre que aqueles profundos olhos negros me fitavam.
Toda aquela cortesia entre os dois me incomodava. Não eram certos aqueles pensamentos, e se não fossem por eles, com certeza não estaria me sentindo daquela forma, era mesmo a culpa que me consumia.Meu marido Gerald sempre foi gentil e educado com todos, inclusive comigo. Isso sempre me agradou muito, desde que nos conhecemos, apreciava sua beleza e elegância, além de seus galanteios encantadores. Tudo estava perfeito até o retorno de meu primo. Até surgirem aqueles pensamentos impróprios, aquele calor, aquele formigamento que sentia por todo o meu corpo.Acreditei a princípio que fossem apenas coisas da minha imaginação, mas ali, naquele momento sentada ao seu lado, estava claro que era real, e estar entre os dois me fazia imaginar o quanto estava sendo leviana e desrespeitando meu esposo, devido a isso, tudo o que ele dizia me parecia falso, como se ele lesse meus pensamentos e soubesse do descompasso de meu coração na presença de Aron, e como se meu primo houvesse percebido meus sentimentos também. Minha cabeça começou a latejar, mas devia manter-me firme até o final da comemoração, o que me parecia quase impossível.
— Vamos então ao baile, minha querida. — Agradeci quando Gerald decidiu chamar-me para dançar, levantando-se da mesa e estendendo sua mão para apoiar-me.
Juntos, nós abriríamos o baile. Seguimos até o centro do salão e os músicos, ao perceberem, finalizaram a música que tocavam e com um aceno de Gerald, começaram a tocar um minueto bem mais animado, fazendo com que rodássemos pelo ambiente, preenchendo todo o salão.
Todos foram se aproximando para participar da dança. Gradualmente, consegui me soltar e aproveitar mais a festa. Aron dançava com sua mãe Amélie, que transbordava felicidade pelo retorno de seu amado filho. Todos se alegravam com a nossa presença. Serafim também, contava todo orgulhoso, que seu filho estava letrado e havia estudado para se tornar conselheiro do reino e lidar com todas as finanças. Não havia, a partir de então, ninguém mais qualificado para tal função.
Os meus pais, Felícia e Anthony, estavam radiantes também por vê-lo retornar e pela possibilidade de tê-lo ao meu lado no comando do reino. Essa era a vontade deles desde o princípio, pois não imaginavam nada mais justo, já que antes da união e renovação dos reinos, ele, como herdeiro de Serafim, seria o sucessor à coroa, se não fosse pelo meu nascimento.
Tudo parecia bem, consegui sentir-me um pouco mais leve dançando com meu esposo e vendo todos felizes e comemorando, até que Amélie induziu que os primos dançassem juntos.
— Minha querida Vitória, conceda a honra dessa próxima dança ao meu filho. Tenho certeza que será um prazer para ambos estarem juntos novamente após tantos anos separados, devem ter muitos assuntos para atualizarem.
— Será uma grande honra, minha Rainha! — Aron completou o convite e parecia ter apreciado muito a ideia de sua mãe, estendendo a mão para que eu o acompanhasse na próxima dança.
— Aceito e concedo a dança ao meu primo sim, se meu esposo não se importar. — Olhando para Gerald, pedi sua permissão para dançar com Aron.
— Que indelicadeza a minha, Gerald, me perdoe. Claro que dançaremos se você não se importar! — Aron, também pediu a permissão de Gerald para a dança, fazendo com que ele se alegrasse por ser respeitado.
— Permissão concedida. — Sorrindo, ele entregou a minha mão para Aron, completando — Imagino também que tenham muito o que conversar. Com licença, minha Rainha — com uma reverência deixou o centro do salão e voltou à mesa do banquete, conversando com todos pelo caminho.
Minhas mãos começaram a tremer, aquele calor e formigamento que pareciam ter se abrandado retornaram e tomaram conta de meu corpo por inteiro.
Era só ele se aproximar que todo aquele fogo retornava. Aron, que parecia perceber o quanto ficava diferente toda vez que nos aproximávamos, enlaçou minha cintura com muita delicadeza e passou a conduzir-me pelo salão, tentando fazer com que me acalmasse, porém, todo o seu esforço era em vão, qualquer atitude dele só fazia aumentar as minhas perturbações.— Sou muito grato por receber-me tão bem e com uma festa. Não sabia como seria meu retorno e como me receberiam. Pelas cartas de meus pais imaginava que seria bem recebido, mas foram muitos anos longe e temia de certa forma esse retorno. Era muito menino quando fui embora acompanhado de meu tutor para estudar, então sabia que muita coisa havia mudado por aqui, inclusive sobre a vossa coroação e casamento.— Fiquei ciente de tudo o que acontecia com vossa pessoa, seus pais sempre me contavam, e é claro que também aguardava o seu retorno, porém, ele me surpreendeu. Não imaginava que seria agora e não dessa forma.— De qual forma minha
As semanas após o retorno de Aron transcorreram rapidamente, com todos os compromissos e assuntos importantes para lidar, contudo, agora havia uma nova direção para a qual meus olhos teimavam em olhar, meus pensamentos tinham novos horizontes e meu coração um novo dono. Sabia que devia preocupar-me com a forma como as coisas haviam mudado em minha vida nos últimos dias, só não sabia como reagir a tudo e manter-me firme, com os pés no chão e não nas nuvens, como parecia estar desde o momento em que acordava até quando me deitava para repousar. Até meus sonhos eram diferentes, com pitadas de um desejo ardente, que na maioria das vezes se transformava em pesadelo com a presença de meu esposo. Nem mesmo em meus sonhos aquele sentimento parecia certo, e realmente não era. Gerald não notava a minha indiferença, e quando me procurava no calor da noite, fingia estar indisposta. Não conseguia mais entregar-me ao meu próprio esposo e sabia que aquela situação não poderia durar muito tempo, l
Amar alguém sempre nos fará bem! Pensava nisso durante meu desjejum naquela manhã em que despertei muito cedo e não consegui dormir mais. Não fui capaz de aquietar meus pensamentos e desejos. Acordei sobressaltada após um belo sonho, algo me incomodava e sabia muito bem o que era. Todos chegavam devagar para se alimentar junto de sua Rainha. Aron, veio de braços dados com sua mãe Amélie, que não se cansava de conversar com ele, para colocar em dia todo o tempo que perderam enquanto ficaram separados. Sentaram-se à minha frente e, como em todos os dias após a sua chegada, o meu coração descompassado parecia que saltaria pela boca e me denunciaria sobre todos os meus sentimentos. — Um ótimo dia, minha cara prima. Passou bem a sua noite? — Aron parecia saber o quanto os meus sonhos haviam me perturbado, na verdade somente eu sabia, no entanto, a sensação que tinha era de que todos conheciam meus sonhos, ou melhor dizendo, pesadelos. — Sim! Muito bem, e vocês? — as palavras saíram sem
A mesa estava repleta de pães, doces, chás e muitas frutas. Ele ajudou-me a sentar e postou-se à minha frente, na decoração da mesa havia um exemplar belíssimo da flor de lótus, sorri ao vê-la, sempre me encantava com sua beleza. As criadas nos serviram e agradecendo, pedi para que saíssem. — Melhor assim, podemos nos servir sozinhos. Às vezes, fico sufocada com tanto cuidado. Obrigada pela flor, é a minha favorita, lembra que gostava dela desde menina? — Foi um prazer lhe fazer esse agrado e retribuir toda a acolhida. Me lembro sim, quando brincávamos pelo bosque, junto de Serena. — Ele sorriu, me deixando sem reação. — Quanto aos serviçais, imaginei que já estaria acostumada com tantos cuidados, afinal viveu assim a vida toda. — Sim, Aron, porém agora é diferente! Após minha coroação e meu casamento, esses cuidados se intensificaram, e os momentos sozinha são muito raros. — Não consegui conter o desabafo. — Deves ter vontade de fazer algo diferente em alguns momentos do dia. Se
— Oh! Muito obrigada, primo! Surpreendi-me ao lhe encontrar também, confesso que a princípio achei algo familiar em você, no entanto, só compreendi quem era quando chegamos no castelo. — Percebi naquele momento a sua confusão e me diverti um pouco com isso. — Ele sorriu divertido e à vontade com o nosso encontro e nossa conversa, que estava se tornando cada vez mais agradável. — É mesmo? Divertiu-se a minha custa? Que audácia! — tentava levar a conversa para um tom de divertimento, com o propósito de quebrar qualquer situação constrangedora entre nós dois. Deveria resistir com todas as minhas forças àquele encanto que me prendia, em respeito ao meu casamento. — Não me entenda mal, Malena, diverti-me apenas com a situação! — meu Deus, ele chamou-me de Malena… só ele me chamava assim quando éramos crianças, dizia que era o nome mais belo do mundo. — Só você me chamava apenas de Malena, lembra? — não resisti em comentar e demonstrar a ele o quanto me alegrava com aquilo. — Se não f
— Malena, ele está chamando você de Malena, filha? — minha mãe andava pelos meus aposentos, de um lado para o outro e falava sem parar para respirar, e essa foi a pergunta que desencadeou a sua revolta. — Minha mãe, ele me chamava assim quando éramos crianças! Lembra como isso era natural entre nós, não sei porque ficou tão surpresa! — na verdade sabia, no entanto não tinha certeza se era possível confessar isso a ela, que parecia já estar enlouquecendo com a possibilidade. — Vocês não são mais crianças, são adultos agora e você é uma Rainha comprometida com seu reino e com a honra de sua família, principalmente de seu esposo, jamais se esqueça disso! Imagina se Gerald o vê chamando-a assim, com tanta intimidade, o que pensará? — era a primeira vez que via minha mãe descontrolada daquela maneira. — Acalme-se, minha mãe. Estás preocupada sem razão. Nós somos primos e convivemos na infância, não há nada demais em convivermos agora. — Tentava enganar a ela e a mim mesma, sem muito suc
— Você terá que ser muito firme, Vitória. Deverá vencer, um dia de cada vez, todas as tentações que estão por vir. Eu vi o brilho nos olhos dele e tenho certeza que o seu sentimento é recíproco, o que piora muito a situação. Se ele não sentisse o mesmo, seria bem mais fácil. — A senhora acha que ele também se apaixonou por mim? — apesar de desconfiar disso, ouvir outra pessoa afirmando que percebeu o mesmo que eu, me dava uma certeza que poderia ser maravilhosa, porém devido às circunstâncias era cruel e me derrubava ainda mais. — Estou certa disso! Você também já percebeu, e sendo assim, a melhor solução é manter-se afastada. Vê-lo somente durante o trabalho e evitar outros encontros, principalmente a sós, como aconteceu hoje no jardim. — O olhar de minha mãe era de reprovação. — Não tive escolha, quando percebi, a Tia Amélie já tinha arrumado tudo. Ao contrário da senhora, ela não percebeu o que está acontecendo e quer nos ver juntos, retomando a amizade do passado. — Se ela ti
Quando convivemos com pessoas desde a infância, mantemos uma relação natural de amizade, e assim aconteceu comigo e Serena. Éramos pequenas, com mais ou menos quatro anos, quando nos conhecemos. Ela foi trazida ao reino por sua mãe Constance, que teve um relacionamento com Abdus, curandeiro do castelo que sumiu em uma noite e nunca mais retornou. Até hoje sua história de vida e a forma como desapareceu é um grande mistério. A Rainha Malena, na época, pediu a meu pai que o procurasse e assim ele o fez, porém, a procura foi inútil e nunca encontraram nenhum rastro do que poderia ter lhe acontecido. Quando elas chegaram ao castelo, Abdus as recebeu de braços abertos, era evidente a sua paixão por Constance, que até então fugia de seus sentimentos por ele, devido à negação de sua família em admitir que ela se envolvesse com um “bruxo”. Malena conheceu Constance e Serena, demonstrando muito carinho pelas duas, e todos as acolheram em respeito ao grande homem e amigo que Abdus sempre f