— Que indelicadeza a minha, nem lhe perguntei se estás melhor. Espero que estejas bem. Como se sente após o acidente com o cavalo?
— Obrigada! Estou somente um pouco dolorida. Serena examinou-me, fez os curativos necessários e me medicou, preciso apenas repousar um pouco. — Não queria que meu esposo percebesse em meu semblante que algo havia mudado e o quanto estava transtornada com aquela mudança.
— Fico mais tranquilo, minha querida. Deixarei então que repouse para que se sinta melhor ao amanhecer, afinal, teremos um grande baile amanhã em comemoração à chegada de vosso primo. — Ele parecia não perceber o que eu tentava esconder, se percebia disfarçava muito bem.
— Grata, meu querido. Amanhã estarei melhor e renovada para a festa! — Ficarei em meus aposentos essa noite, sozinha será mais fácil você descansar. Bom repouso, minha Rainha — beijando-me a testa Gerald saiu de meus aposentos, me deixando com meus mais novos e confusos sentimentos.
Tínhamos dois aposentos para que houvesse privacidade para ambos. Mesmo estando casados, necessitávamos disso para o nosso bem-estar, e naquela noite, sem perceber, ele me fez um grande favor, não conseguiria dormir ao seu lado pensando em outro homem. A culpa veio acompanhada de meus pensamentos libertinos, não consegui pregar os olhos, apesar do cansaço daquele intenso dia. Não conseguia parar de pensar em meu primo e em como nos reencontramos.
Doces lembranças surgiram de uma época de inocência, quando éramos crianças e corríamos juntos pelo bosque. Serena também brincava conosco todas as tardes. O labirinto verde servia de esconderijo para as nossas aventuras, que foram inúmeras.
Era contraditório lembrar de como me sentia no passado diante de Aron menino e de como me senti agora, no presente, diante dele homem. Tentei voltar a sentir o mesmo que antes e vê-lo novamente como meu primo querido, meu amigo de infância que embarcava comigo no mundo da imaginação e em loucas aventuras de criança.
Coloquei todas as minhas forças em voltar àquele sentimento, no entanto, todas as vezes que lembrava dele, agora, vinham as imagens do acidente, seu olhar, seu sorriso e todo o resto. Permaneci em claro durante toda a noite, sonhando acordada e culpando-me por aquele sentimento. “Oh, Deus, o que seria de minha pobre e confusa alma?!”
***
O salão de baile principal do castelo estava cheio, a decoração era leve, porém, os tons em dourado nos detalhes que se misturavam com as flores brancas e as luzes dos candelabros deixavam o ambiente quente e acolhedor. Os músicos tocavam leves minuetos, guardando os mais intensos para o momento do baile, onde todos dançariam em comemoração.
Permanecia sentada à mesa acompanhada de meu esposo, meus pais, tios e Aron, como principal convidado e homenageado, sentava-se ao meu lado. Desde o momento que nos reencontramos no bosque, não havíamos conversado mais, e senti algo diferente e perturbador quando o vi. Apenas reverências foram trocadas, mas ao sentarmos, nossas mãos se tocaram quando Aron quis saber como eu estava, e novamente aquilo mexeu comigo.
— Querida prima, espero que esteja melhor após o incidente de ontem, e mais uma vez peço-lhe desculpa por ter sido um tanto desastrado.
— Não se preocupe, Aron, estou bem! E a culpa também foi minha por correr demais pelo bosque, acabei não percebendo o perigo. — Um sorriso de encanto ao virar-me e vê-lo foi contido ao sentir minha mão direita ser tocada por Gerald, não era certa aquela minha confusão, não mesmo.
— Minha Rainha, que bela festa temos aqui hoje! Vamos dançar muito após o banquete. — A voz dele soou irônica, ou teria sido apenas impressão minha, devido ao constrangimento pelos meus pensamentos impróprios?
— Com certeza, meu esposo! Será bem divertido! — a falta de empolgação foi percebida por Gerald, que não satisfeito, resolveu conversar com Aron, aumentando ainda mais a minha perturbação.
— Esperamos que esteja tudo ao seu agrado, meu caro Aron. Imagino que posso lhe chamar de primo também, afinal, assim somos, não é mesmo?
— Decerto! Será uma grande honra, caro Marquês. — Aron parecia não estar à vontade com aquele diálogo.
— Oh! Sem cerimônias, por favor. Já que somos primos, daqui em diante poderá chamar-me apenas por Gerald.
— Fico lisonjeado em ter parentes nobres como vocês. Minha querida prima Rainha e seu esposo Marquês, agradeço profundamente a comemoração que planejaram para receber-me de volta ao reino.
Senti-me acuada no meio da conversa dos dois. Aquele diálogo era formal demais e não me parecia nem um pouco sincero. Até começava a acreditar que Gerald e Aron haviam sentido toda a tensão que vinha de minha parte quanto a sentimentos inoportunos que teimavam querer fixar-se em meu coração e em meus pensamentos.— Não se preocupe com isso, primo. É um grande prazer recebê-lo e seu retorno ao lar foi muito esperado por seus pais e toda a família. Seja bem-vindo de volta ao seu lar! — Gerald insistia em ser cortês demais e aquilo me incomodava profundamente, não entendia o porquê de minha desconfiança em suas atitudes, talvez fosse por culpa.
— Agradeço, Gerald. Desejo que meu retorno seja mesmo apreciado por todos, e no que puder contribuir ao reino e ao vosso reinado, cara prima, será uma grande honra. — Tentava me manter firme, no entanto, por dentro, queimava de angústia sempre que aqueles profundos olhos negros me fitavam. Toda aquela cortesia entre os dois me incomodava. Não eram certos aqueles pensamentos, e se não fossem por eles, com certeza não estaria me sentindo daquela forma, era mesmo a culpa que me consumia. Meu marido Gerald sempre foi gentil e educado com todos, inclusive comigo. Isso sempre me agradou muito, desde que nos conhecemos, apreciava sua beleza e elegância, além de seus galanteios encantadores. Tudo estava perfeito até o retorno de meu primo. Até surgirem aqueles pensamentos impróprios, aquele calor, aquele formigamento que sentia por todo o meu corpo. Acreditei a princípio que fossem apenas coisas da minha imaginação, mas ali, naquele momento sentada ao seu lado, estava claro que era real, e
Era só ele se aproximar que todo aquele fogo retornava. Aron, que parecia perceber o quanto ficava diferente toda vez que nos aproximávamos, enlaçou minha cintura com muita delicadeza e passou a conduzir-me pelo salão, tentando fazer com que me acalmasse, porém, todo o seu esforço era em vão, qualquer atitude dele só fazia aumentar as minhas perturbações.— Sou muito grato por receber-me tão bem e com uma festa. Não sabia como seria meu retorno e como me receberiam. Pelas cartas de meus pais imaginava que seria bem recebido, mas foram muitos anos longe e temia de certa forma esse retorno. Era muito menino quando fui embora acompanhado de meu tutor para estudar, então sabia que muita coisa havia mudado por aqui, inclusive sobre a vossa coroação e casamento.— Fiquei ciente de tudo o que acontecia com vossa pessoa, seus pais sempre me contavam, e é claro que também aguardava o seu retorno, porém, ele me surpreendeu. Não imaginava que seria agora e não dessa forma.— De qual forma minha
As semanas após o retorno de Aron transcorreram rapidamente, com todos os compromissos e assuntos importantes para lidar, contudo, agora havia uma nova direção para a qual meus olhos teimavam em olhar, meus pensamentos tinham novos horizontes e meu coração um novo dono. Sabia que devia preocupar-me com a forma como as coisas haviam mudado em minha vida nos últimos dias, só não sabia como reagir a tudo e manter-me firme, com os pés no chão e não nas nuvens, como parecia estar desde o momento em que acordava até quando me deitava para repousar. Até meus sonhos eram diferentes, com pitadas de um desejo ardente, que na maioria das vezes se transformava em pesadelo com a presença de meu esposo. Nem mesmo em meus sonhos aquele sentimento parecia certo, e realmente não era. Gerald não notava a minha indiferença, e quando me procurava no calor da noite, fingia estar indisposta. Não conseguia mais entregar-me ao meu próprio esposo e sabia que aquela situação não poderia durar muito tempo, l
Amar alguém sempre nos fará bem! Pensava nisso durante meu desjejum naquela manhã em que despertei muito cedo e não consegui dormir mais. Não fui capaz de aquietar meus pensamentos e desejos. Acordei sobressaltada após um belo sonho, algo me incomodava e sabia muito bem o que era. Todos chegavam devagar para se alimentar junto de sua Rainha. Aron, veio de braços dados com sua mãe Amélie, que não se cansava de conversar com ele, para colocar em dia todo o tempo que perderam enquanto ficaram separados. Sentaram-se à minha frente e, como em todos os dias após a sua chegada, o meu coração descompassado parecia que saltaria pela boca e me denunciaria sobre todos os meus sentimentos. — Um ótimo dia, minha cara prima. Passou bem a sua noite? — Aron parecia saber o quanto os meus sonhos haviam me perturbado, na verdade somente eu sabia, no entanto, a sensação que tinha era de que todos conheciam meus sonhos, ou melhor dizendo, pesadelos. — Sim! Muito bem, e vocês? — as palavras saíram sem
A mesa estava repleta de pães, doces, chás e muitas frutas. Ele ajudou-me a sentar e postou-se à minha frente, na decoração da mesa havia um exemplar belíssimo da flor de lótus, sorri ao vê-la, sempre me encantava com sua beleza. As criadas nos serviram e agradecendo, pedi para que saíssem. — Melhor assim, podemos nos servir sozinhos. Às vezes, fico sufocada com tanto cuidado. Obrigada pela flor, é a minha favorita, lembra que gostava dela desde menina? — Foi um prazer lhe fazer esse agrado e retribuir toda a acolhida. Me lembro sim, quando brincávamos pelo bosque, junto de Serena. — Ele sorriu, me deixando sem reação. — Quanto aos serviçais, imaginei que já estaria acostumada com tantos cuidados, afinal viveu assim a vida toda. — Sim, Aron, porém agora é diferente! Após minha coroação e meu casamento, esses cuidados se intensificaram, e os momentos sozinha são muito raros. — Não consegui conter o desabafo. — Deves ter vontade de fazer algo diferente em alguns momentos do dia. Se
— Oh! Muito obrigada, primo! Surpreendi-me ao lhe encontrar também, confesso que a princípio achei algo familiar em você, no entanto, só compreendi quem era quando chegamos no castelo. — Percebi naquele momento a sua confusão e me diverti um pouco com isso. — Ele sorriu divertido e à vontade com o nosso encontro e nossa conversa, que estava se tornando cada vez mais agradável. — É mesmo? Divertiu-se a minha custa? Que audácia! — tentava levar a conversa para um tom de divertimento, com o propósito de quebrar qualquer situação constrangedora entre nós dois. Deveria resistir com todas as minhas forças àquele encanto que me prendia, em respeito ao meu casamento. — Não me entenda mal, Malena, diverti-me apenas com a situação! — meu Deus, ele chamou-me de Malena… só ele me chamava assim quando éramos crianças, dizia que era o nome mais belo do mundo. — Só você me chamava apenas de Malena, lembra? — não resisti em comentar e demonstrar a ele o quanto me alegrava com aquilo. — Se não f
— Malena, ele está chamando você de Malena, filha? — minha mãe andava pelos meus aposentos, de um lado para o outro e falava sem parar para respirar, e essa foi a pergunta que desencadeou a sua revolta. — Minha mãe, ele me chamava assim quando éramos crianças! Lembra como isso era natural entre nós, não sei porque ficou tão surpresa! — na verdade sabia, no entanto não tinha certeza se era possível confessar isso a ela, que parecia já estar enlouquecendo com a possibilidade. — Vocês não são mais crianças, são adultos agora e você é uma Rainha comprometida com seu reino e com a honra de sua família, principalmente de seu esposo, jamais se esqueça disso! Imagina se Gerald o vê chamando-a assim, com tanta intimidade, o que pensará? — era a primeira vez que via minha mãe descontrolada daquela maneira. — Acalme-se, minha mãe. Estás preocupada sem razão. Nós somos primos e convivemos na infância, não há nada demais em convivermos agora. — Tentava enganar a ela e a mim mesma, sem muito suc
— Você terá que ser muito firme, Vitória. Deverá vencer, um dia de cada vez, todas as tentações que estão por vir. Eu vi o brilho nos olhos dele e tenho certeza que o seu sentimento é recíproco, o que piora muito a situação. Se ele não sentisse o mesmo, seria bem mais fácil. — A senhora acha que ele também se apaixonou por mim? — apesar de desconfiar disso, ouvir outra pessoa afirmando que percebeu o mesmo que eu, me dava uma certeza que poderia ser maravilhosa, porém devido às circunstâncias era cruel e me derrubava ainda mais. — Estou certa disso! Você também já percebeu, e sendo assim, a melhor solução é manter-se afastada. Vê-lo somente durante o trabalho e evitar outros encontros, principalmente a sós, como aconteceu hoje no jardim. — O olhar de minha mãe era de reprovação. — Não tive escolha, quando percebi, a Tia Amélie já tinha arrumado tudo. Ao contrário da senhora, ela não percebeu o que está acontecendo e quer nos ver juntos, retomando a amizade do passado. — Se ela ti